CBMI 2022: Traqueostomia na UTI pediátrica: quando indicar?

Confira o que foi apresentado a respeito do bundle TRACHE e indicações para a realização do procedimento na UTI pediátrica.

O tema “traqueostomia (TQT) em unidades de terapia intensiva pediátrica (UTIP)” foi abordado no XXVII Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (CBMI 2022) que ocorreu presencialmente de 10 a 12 de novembro em Brasília. A Dra. Fernanda Lima Setta (Rio de Janeiro) ministrou a aula “traqueostomia na UTI pediátrica: quando indicar? Existe um protocolo?”. Pontos de destaque da palestra são apresentados a seguir.

Benefícios 

Os benefícios da TQT em crianças são:

  • Menor incidência de lesões na laringe e estenose subglótica; 
  • Facilitar a toalete brônquica e higiene oral;  
  • Facilitar a descontinuação ventilatória;  
  • Permitir alimentação por via oral;  
  • Facilitar a mobilização e a comunicação do paciente; 
  • Permitir transferência para uma unidade intermediária; 

Um estudo apresentado pela palestrante foi uma revisão sistemática com metanálise que incluiu pesquisas observacionais retrospectivas, com validade dos achados limitada. Esse estudo mostrou que a TQT precoce pode ter benefícios potenciais em lactentes e talvez esteja associada a menor tempo de ventilação mecânica (VM), menor tempo de permanência na UTIP e menor tempo de permanência hospitalar. A conclusão foi que, em crianças em VM, a TQT precoce pode melhorar desfechos clínicos relevantes. No entanto, os dados demonstram a necessidade urgente de ensaios clínicos randomizados de alta qualidade na população pediátrica. 

Indicações 

As indicações para TQT em pediatria incluem: 

  • Alérgicas – angioedema, choque anafilático; 
  • Metabólicas – fibrose cística, síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA); 
  • Infecciosas – epiglotite, difteria, tétano, abscesso retrofaríngeo; 
  • Traumáticas – queimaduras, aspiração de corpo estranho, tóxica (corrosivos); 
  • Profiláticas – cirurgia de cabeça e pescoço, neurocirurgia, intubação prolongada; 
  • Degenerativas – paralisia de prega vocal, síndrome de Guillain-Barré, miastenia gravis, botulismo; 
  • Desordens do sono – colapso de musculatura faríngea; 
  • Congênitas – atresia de coanas, síndrome de Pierre-Robin, laringomalácia, estenose e membrana laríngea, anel vascular; 
  • Paralisia diafragmática; 
  • Estados comatosos. 

 Decanulação 

Uma outra revisão sistemática mostrada durante a aula avaliou a decanulação após TQT em crianças (Verma e colaboradores, 2021). Nesse estudo, os pesquisadores concluíram que existe uma grande variabilidade nos protocolos de decanulação pediátrica. Além disso, a polissonografia desempenha um papel fundamental na avaliação da maioria das crianças para remoção da TQT. Mais um estudo que reforça que diretrizes baseadas em evidências para padronizar os cuidados com a TQT pediátrica continuam sendo uma prioridade urgente. 

 Segurança da TQT 

A Dra. Fernanda mostrou um recente artigo de atualização (Fuller, Wineland e Richter) que concluiu que, infelizmente, as complicações em crianças são mais frequentes, todavia podem ser reduzidas com técnica cirúrgica adequada e manejo pós-operatório adequado. 

A palestrante comentou sobre o primeiro consenso brasileiro de TQT em crianças, formulado pela Academia Brasileira de Otorrinolaringologia Pediátrica (ABOPe) e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) (Avelino e colaboradores 2017). Nesse consenso, os membros concordam que a TQT em crianças deve ser realizada em centro cirúrgico. Os membros também consideraram crucial realizar uma avaliação endoscópica das vias aéreas (EAE) antes da TQT para avaliar as causas da obstrução respiratória e, com base nos achados e na futura proposta terapêutica, decidir o melhor local para o procedimento.

Confira outras considerações:

  • Na impossibilidade desse exame antes da TQT, o consenso sugere que o exame seja realizado depois do procedimento para checar o posicionamento adequado da cânula, para acompanhamento do tratamento de doenças das vias aéreas, para orientar futuras terapêuticas, e relatar a presença de via aérea pérvia acima da TQT.
  • Idealmente, a EAE deve ser efetuada em centro cirúrgico sob anestesia em ventilação espontânea, para maior segurança e oportunidade de abordar eventuais intercorrências durante o exame.
  • Se essa avaliação não for possível no momento da TQT, deve ser indicada de forma mais precoce possível, de preferência até 15 dias após a TQT e no máximo 30 dias após (indicação absoluta).
  • No caso de crianças internadas em UTIP com falha de extubação por obstrução respiratória alta, o consenso considera absoluta a indicação de EAE nas seguintes situações: depois de falha da segunda extubação eletiva e/ou na persistência de estridor ou disfonia 72 h após extubação. Por fim, em caso de crianças com história de intubação difícil, a EAE é sugerida antes da primeira extubação eletiva 

Por fim, a Dra. Fernanda comentou sobre o bundle TRACHE, um pacote de medidas a serem implementadas e cujo objetivo é melhorar a segurança no manejo de TQT em pediatria.

T  Tapes  Mantendo a cânula de TQT segura

Fitas de velcro no pescoço eram mais facilmente desfeitas pelo paciente e estavam associadas a uma taxa mais alta de decanulação acidental. A tensão da fita é um fator essencial; as fitas precisam ser apertadas o suficiente para prender a cânula apropriadamente, mas não muito apertadas a ponto de a pele ser escoriada. A tensão ideal da fita deve permitir que um dedo caiba sob as fitas na parte de trás do pescoço. 

R  Resus  Conheça o processo de reanimação

O curso obrigatório de Suporte Intermediário de Vida Pediátrico para todo o corpo clínico inclui ressuscitação em uma criança com TQT. Além disso, o treinamento de ressuscitação dos pais é concluído antes da alta para todas as crianças com uma nova TQT. O objetivo da educação e treinamento dos pais é transmitir confiança e habilidades para lidar com uma emergência de via aérea. 

A  Airway  Demonstrar a técnica correta de sucção

A sucção precisa é importante no cuidado da TQT pediátrica. Se o comprimento de sucção for muito curto, o paciente corre o risco de oclusão da cânula; ainda, se o comprimento de sucção for muito longo, pode levar a trauma traqueal com trauma de partes moles distais e subsequente formação de tecido de granulação. O cuidado ideal com a cânula de envolve medir o seu comprimento (até o milímetro mais próximo) com um cateter de sucção antes da inserção da cânula e usar essa medida para aspiração futura. Esta informação deve ser documentada e comunicada verbalmente e por escrito a todos os funcionários e pais que cuidam do paciente. 

C  Care of the site  Cuidados com estoma e pescoço

É importante revisar o estoma, avaliar a pele do pescoço e limpar minuciosamente a área ao redor da TQT todos os dias. Casos de trauma e escoriações na pele ao redor do pescoço e estoma da criança foram cuidadosamente documentados. Recém-nascidos e aqueles com maior suscetibilidade a traumas na pele, por exemplo, malformações vasculares e linfáticas, correm maior risco. Suturas de fixação, colocadas no intraoperatório para auxiliar no manejo pós-operatório do estoma e facilitar a reinserção de uma cânula deslocada ou desalojada, poderiam “torcer” as bordas da pele do estoma se puxadas com muita força. Danos à pele ao redor do pescoço geralmente estão relacionados à tensão da fita, geralmente apertando demais e não limpando a pele regularmente. 

H  Humidity  Umidade: essencial para manter a cânula limpa

Na primeira semana após uma nova TQT, umidificação quente deve ser usada para combater secreções espessas que podem ocluir a cânula. Esta é uma causa potencial de uma primeira troca de cânula de emergência antes que o estoma tenha amadurecido. Após a primeira troca, recomenda-se o uso de um dispositivo de troca de calor e umidade de tamanho apropriado. O tamanho é calculado a partir do volume corrente estimado para o paciente. 

E  Emergency box  Caixa de emergência

O conteúdo da caixa de TQT de emergência é projetado para ser o equipamento essencial necessário em caso de decanulação acidental ou para troca de cânula. Isso inclui uma  cânula do mesmo tipo e tamanho, uma de tamanho menor, tesoura, gel lubrificante, par sobressalente de braçadeiras de TQT, um cateter de sucção e uma seringa de 10 mL (se for uma cânula com balonete). Esta caixa de emergência acompanha a criança em todos os momentos. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • SETTA, Fernanda Lima. Traqueostomia na UTI Pediátrica: quando indicar? Existe um protocolo? XXVII Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (CBMI 2022). 2022. Brasília – [email protected] ABDELAAL AHMED MAHMOUD , ALKHATIP, Ahmed et al. Timing of Tracheostomy in Pediatric Patients: A Systematic Review and Meta-Analysis. Crit Care Med., v.48, n.2, p.233-240, 2020 VERMA, Rahul et al. Decannulation following tracheostomy in children: A systematic review of decannulation protocols. Pediatr Pulmonol. v.56, n.8, p.2426-2443, 2021 FULLER, Colin; WINELAND, Andre; RICHTER, Gresham. Update on Pediatric Tracheostomy: Indications, Technique, Education, and Decannulation. Curr Otorhinolaryngol Rep., v.9, n.2, p.188-199, 2021 AVELINO, Melissa et al. First Clinical Consensus and National Recommendations on Tracheostomized Children of the Brazilian Academy of Pediatric Otorhinolaryngology (ABOPe) and Brazilian Society of Pediatrics (SBP). Braz J Otorhinolaryngol. v.83, n.5, p.498-506, 2017 HALL, Andrew et al. Implementation of the TRACHE care bundle: improving safety in paediatric tracheostomy management. Arch Dis Child., v.102, n.6, p.563-565, 2017