A pandemia do Covid-19 vem deixando suas marcas na população. Um ano e seis meses depois da pandemia temos centenas de mortos, milhares de pessoas afetadas pela dor da perda, por problemas financeiros, pelo afastamento da vida que levavam anteriormente, pelo isolamento social, pelo distanciamento das pessoas, do lazer, do convívio em sociedade. Já podemos dizer que é a maior crise humanitária que essa geração presenciou. As marcas são severas e os profissionais da saúde devem estar preparados para trabalhar com o sofrimento psíquico no pós-pandemia. Uma das doenças que já vem aumentando sua incidência e prevalência é a depressão. Antes da pandemia já vigorava como um dos principais problemas de saúde pública e agora preocupa autoridades, uma vez que a pandemia afeta a saúde física e mental da população. A Organização Mundial de Saúde (OMS) já vem alertando para o problema.
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Efeitos pós-pandemia
A pandemia aumenta o estresse, a ansiedade, pensamentos negativos, raiva, conflitos pessoais, sociais e econômicos. Esses problemas são observados na depressão, na ansiedade, na síndrome da gaiola, na atrofia social e por isso há íntima relação entre a situação que a pandemia provoca e no desenvolvimento das doenças.
O confinamento dificulta a adesão a tratamentos de saúde e gera mais vulnerabilidades, provoca distúrbios alimentares e do sono, expõe a pessoa ao excesso do uso de tecnologias, e, assim, às notícias que podem levar a pessoa ao aumento do estresse, da ansiedade e a sintomas depressivos. A doença ligada aos eventos da pandemia tem característica diferente na origem. É mais vulnerável quem já possui doença psíquica, quem passou por problemas severos durante a pandemia, como a perda de familiares, ou profissionais que ficaram na linha de frente do cuidado. Mas a origem das doenças relacionadas com os acontecimentos proveniente dos problemas gerados pela pandemia é algo novo. Quando falamos sobre doenças pós-pandemia, salientamos que é estas ainda são esperadas.
Os profissionais de enfermagem são muito afetados pela pandemia. Trabalharam incansavelmente para cuidar de pessoas e familiares. Mas o resultado final da pandemia vai gerar a continuidade desse trabalho. No final pessoas sairão afetadas psicologicamente por tudo que temos passado. O que vamos fazer frente a isso é que pode mudar a história da vida das pessoas. Hoje, estamos falando sobre o adoecimento pós-pandemia., refletimos sobre um dos sintomas que afeta e irá afetar a sociedade, outros virão e precisaremos criar práticas para cuidar de si e do outro.
O que podemos fazer frente à depressão?
Muito se pergunta o que faz o enfermeiro de saúde mental. A pergunta muitas vezes para na função da medicalização ou do cuidado realizado aos corpos, como os cuidados com a higiene e alimentação. Mas estamos para além disso, não menosprezando a importância desses cuidados é claro. Mas enalteço que sem os enfermeiros, os técnicos de enfermagem, as auxiliares de enfermagem e as parteiras práticas, não haveria sistema de saúde. Portanto, olhar a enfermagem a partir de outro lugar que não seja a enfermagem é caminhar em cima da ignorância. O que um enfermeiro faz na saúde mental? bom, ele cuida! E se achar isso pouco é porque não entende-se ainda a dimensão do cuidado. Pessoas com depressão não precisam apenas de medicamentos. Elas precisam de cuidado! Em todas as dimensões possíveis, seja ela espiritual, social, econômica, afetiva, emocional. E não se pode fazer isso se não conhecendo o outro e construindo cuidado junto ao outro.
Podemos realizar diversos cuidados, mas todos eles devem passar pelo afeto. Esse quando valorizado se torna parte da técnica e nos ajuda a perceber o outro, a acolher, a criar vínculo, a observar os sinais e sintomas, não por fazer parte de um protocolo, mas porque irá compor o processo de cuidado, que tornou-se caro para o cientista do cuidado, que é o enfermeiro. Na depressão a mão estendida, a companhia e a fala positiva, deixa de ser apenas uma prática comum para ser realizada no momento certo, de maneira certa, com sutileza, atenção e proposição de cuidado técnico. O cuidado com o corpo não é mera higiene mas uma possibilidade do encontro da pessoa com o auto cuidado. O toque deixa de ser um mero encontro de duas pessoas para ser propositalmente percebido, como um movimento de intenção que manifesta importância. Na Depressão observamos a tristeza profunda e podemos com o movimento que muitos entendem como ato de um mero acompanhante, levantar uma pessoa da cama, objetivo muitas vezes central de um medicamento, dar ânimo. O que quero dizer é que nós podemos cuidar de pessoas em sofrimento, mas precisamos analisar e refletir o que é o cuidado.
O cuidado à pessoa com depressão deve ser realizado com técnica, mas o maior desafio é que muitos profissionais, já realizam diversos cuidados e não compreendem que são cuidados. Quando levantamos a grade de segurança, para que uma pessoa em uso de medicamentos benzodiazepínicos, sedativos, não corra o risco de sofrer queda, estamos realizando um cuidado. Mas eventualmente é um cuidado que a equipe de enfermagem não registra. Veja, um cuidado preventivo de tamanha importância, pouco é considerado ato técnico, infinitamente negligenciado por isso. Se pensarmos em pessoas com depressão pós-pandemia. Precisamos compreender quais são os problemas de saúde, quais são as vulnerabilidades da depressão, compreendendo a peculiaridade da depressão e precisamos nos atentar sobre a importância de atribuições muitas vezes não consideradas como cuidado, mas inerentes ao processo de cuidar.
Conquanto a queixa seja dificuldade de se relacionar, dificuldade de sair de casa, se sentir deprimido, com distúrbio do sono ou alimentar. Quando nós enfermeiros levamos uma pessoa em frente ao mar, conversamos sobre os problemas, levamos uma pessoa a sorrir ou a comer, precisamos cuidadosamente registrar progresso no comportamento, não acreditando que apenas a medicação, tão necessária, é a única forma de alcance dos objetivos. Caso isso fosse verdade, a enfermagem não precisaria existir. Administrar medicação em alguém pode ser um cuidado, mas não é o único cuidado. Além disso, não podemos compreender como técnica, apenas os procedimentos invasivos, do contrário, a linguagem e expressão não seriam tão necessárias à formação em saúde. Quando estamos frente a uma pessoa com depressão, é comum que esta seja “desanimada”, o que podemos considerar como anedonia. Mas objetivando a remissão do sintoma, muitas vezes o médico utiliza o medicamento. O cuidado é tão fantástico que um sorriso, um toque terapêutico e um: “vamos sair de casa, o dia está lindo!” Pode ser uma ação de maior cuidado que um fármaco.
Essas reflexões estão aqui para fazer pensar que o desafio é muito grande e afetará muitas pessoas. Proposições de cuidado menos medicamentosas e que sejam plausíveis a todos, devem ser o centro das atenções dos profissionais de enfermagem, para além daquelas já conhecidas. Na verdade, essas proposições de cuidado que versam sobre o sensível, já existem, mas muitas não são compreendidas como cuidado. Na depressão, precisamos compreender e para isso devemos realizar o: acolhimento, vínculo, ações de afeto, cuidado com o corpo, cuidado com alimentação, cuidado com o físico, cuidado com as emoções, com proposições positivas, de esperança, ensinando sobre a doença, tendo escuta qualificada, compreendendo ou outro, ficando atento aos problemas, as dores, as perdas, ao sofrimento, a solidão e a morte. Quais são as atribuições do enfermeiro? A maior é construir a partir do outro. Elas virão facilmente se o cuidado for construído e não proposto sem a pessoa em sofrimento.
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Após a pandemia precisaremos criar cuidado na multiplicidade. A doença mental pode se tornar endêmica e isso faz com que o trabalho com grupos seja fundamental, porque o ser humano pode retirar a dor de si pela fala. Pode retirar a dor de si pela divisão dos problemas, pode retirar a dor de si com ajuda das pessoas. Profissionais devem fazer com que o cuidado aos sofrimento psíquico seja disseminado na sociedade Se é para ter alguma contaminação que seja esta, a contaminação do cuidado.
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