Donanemab: entenda a nova droga para doença de Alzheimer

Entenda como foi o estudo de fase 3 que avaliou o tratamento de pacientes com doença de Alzheimer com donanemab.

A doença de Alzheimer é a principal causa de demência no mundo. O desenvolvimento de drogas modificadoras dessa condição proporciona uma esperança para pacientes, para familiares e para profissionais envolvidos na área.  

Em junho de 2021, a aprovação por via excepcional pelo FDA do aducanumab poderia indicar uma mudança no paradigma terapêutica se não fosse pelo caráter controverso dessa aprovação. Esse marco proporcionou diversas reações da comunidade científica que discutiam sobre o curso, o risco e o benefício dessa droga, como: falta de evidências na eficácia clínica da droga, riscos de eventos adversos como Amyloid Related Imaging Abnormalities (ARIA), ausência de diversidade populacional nos ensaios clínicos, alto custo do fármaco. Após dois anos dessa aprovação, o aducanumab é raramente utilizado (inclusive nos Estados Unidos), sendo uma das causas relacionadas a restrições de seguros de saúde. No Brasil, a ANVISA indeferiu o registro do fármaco. 

Em 6 de julho de 2023, o FDA realizou a conversão de aprovação do lecanemab, outro anticorpo monoclonal, para a via tradicional. Nesse mês, foi publicado na revista JAMA o ensaio clínico TRAILBLAZER-ALZ 2 que estuda a eficácia clínica do donanemab como anticorpo monoclonal com potencial modificação do curso natural da doença de Alzheimer. Baseado nos resultados desse ensaio clínico, há chances dessa nova droga ser a terceira droga modificadora de doença a ser aprovada pelo FDA para essa condição tão prevalente no mundo. 

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senhora com Alzheimer andando na rua

Mecanismo de ação do donanemab 

É um anticorpo monoclonal com alvo terapêutico para o terminal N truncado da proteína beta-amiloide. Trata-se de uma forma insolúvel e presente apenas em placas amiloides cerebrais. A ligação dessa droga à proteína insolúvel beta-amiloide auxilia na remoção de placas através de processos de fagocitose mediados por micróglias. 

 

Métodos 

Trata-se de ensaio clínico de fase 3, duplo-cego, randomizado, multicêntrico, controlado por placebo, que se propôs a avaliar a eficácia clínica do donanemab em indivíduos com doença de Alzheimer estágio inicial e sintomático (CCL ou demência em estágio leve) que possuam evidências de biomarcadores para proteína amiloide e para proteína tau. 

Os critérios de inclusão foram participantes entre 60 e 85 anos com início de doença de Alzheimer sintomática (CCL ou estágio leve de DA), resultado de mini-exame do estado mental (MEEM) entre 20-28, presença de patologia amiloide e e tau acessados através de PET scan para ambos os marcadores. Os pacientes com PETscan para tau foram categorizados em carga de patologia baixo-médio ou alto. 

A randomização dos pacientes foi realizada na razão de 1:1, em que os participantes foram divididos em dois grupos: grupo intervenção versus grupo placebo, em que a administração seria realizada a partir de infusões intravenosas a cada 4 semanas até completar 72 semanas. No protocolo do estudo, se ocorresse um clareamento do nível de placa amiloide no participante que recebia donanemab – acessado por PETscan na 24ª semana e 52ª semana – este seria trocado para o grupo placebo, ainda com o cegamento mantido. Protocolos de RM de encéfalo foram realizadas nas semanas 4, 12, 24, 52 e 76. A avaliação de eficácia e de eventos adversos foi observado após 76 semanas. 

O desfecho primário proposto foi mudança dos resultados da escala integrated Alzheimer Disease Rating Scale (iADRS) — capaz de mensurar requisitos cognitivo-funcionais — após 76 semanas do tratamento com donanemab, tanto nos participantes com baixa-média carga de tau como naqueles com qualquer carga de patologia tau. Já os desfechos secundários envolveram: mudanças no resultado do sum of boxes of the Clinical Dementia Rating Scale (CDR-SB), o ADAS-Cog13, ADCS-iADL e resultado do MEEM. Além disso, desfechos relacionados à neuroimagem também foram avaliados: redução de placas amiloides no PETscan na 76ª semana, alteração de PETscan relacionado a proteína tau, mudança volumétrica no encéfalo a partir de RM encéfalo. Eventos adversos como reações infusionais, presença de ARIA e óbito foram também avaliados. 

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Resultados 

No total, 1736 participantes foram avaliados nesse ensaio clínico, sendo a idade média de 73 anos e 57,4% da amostra mulheres. Da amostra, 76% chegou a completar o trial. O grupo intervenção foi composto por 860 participantes e o placebo com 876. 

Após 76 semanas, foi observado mudança no least-square mean no escore de iADRS de -6,02 (IC 95% -7,01 a -5,03) no grupo do donanemab com baixa-média carga de patologia tau e de -9,27 (IC 95% -10,23 a -8,31) no placebo. Essa mudança indica uma representação de lentificação de 35,1% na redução da progressão da doença do grupo intervenção comparado ao placebo. Ao avaliar o grupo intervenção de acordo com participantes com qualquer grau de intensidade de patologia tau (baixa, média ou alta), foi demonstrado também uma mudança no least-square mean no escore de iADRS de -10,19 (IC 95% -11,22 a -9,16) no grupo intervenção e de -13,11 (IC 95% -14,10 a -12,13) no placebo. Esse resultado representaria uma lentificação da progressão da doença em 22,3%. 

Após 76 semanas, foi observada redução da placa amiloide cerebral em exame de PETscan em torno de 88,0 centiloides (IC95% -90,20 a -85,87) no grupo intervenção com baixa-média carga de tau versus aumento de 0,2 centiloides (IC 95% -1,91 a 2,26) no placebo. A redução de placas amiloides em PET também foi observada ao avaliar a amostra com qualquer carga de patologia tau: decréscimo de 87,0 centiloides no grupo intervenção e decréscimo de 0,67 centiloides no placebo. Em exames volumétricos de encéfalo através de neuroimagem com RM, foi observado redução volumétrica encefálica, menor decréscimo do volume hipocampal e aumento do volume intraventricular no grupo com donanemab ao comparar com o placebo. 

A terapia com donanemab apresentou associação com riscos significativos relacionados à segurança. A presença de ARIA ocorreu em 24% dos participantes no grupo intervenção e 2,1% no placebo. Além disso, houve três óbitos no ensaio clínico que foram considerados relacionados ao tratamento em participantes que apresentaram complicações como ARIA. 

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Comentários 

Nesse ensaio clínico, o donanemab proporcionou lentificação na progressão da doença de Alzheimer. Dados adicionais que corroboram a relevância clínica desse achado seria a estimativa de que 47% dos participantes com donanemab não apresentaram alteração no CDR-SB após um ano, comparado a 29% do grupo placebo. 

O tratamento com donanemab também possibilitou redução significativa das placas amiloides cerebrais: 80% de redução na amostra com baixa-média carga tau e 76% na amostra com qualquer carga patológica de tau na 76ª semana. Clareamento das placas amiloides após 76 semanas permanecem sendo avaliado em estudos de fase 4 que estão em andamento. 

Em avaliação post hoc, foi observado que os participantes com carga elevada de patologia tau não apresentaram diferenças (com valor p < 0.,5) no desfecho primário e em alguns desfechos secundários do grupo intervenção ao comparar com placebo em 76 semanas. Esse achado pode sugerir que o tratamento dos estágios iniciais de doença de Alzheimer pode resultar em efeitos clínicos mais substanciais. 

Uma das grandes limitações do estudo é a diversidade étnica do ensaio clínico em que 91,5% foram compostos por pessoas brancas, o que limita a generalização desse estudo para outras raças e etnias. 

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