Espiritualidade: como abordar esta demanda na prática médica?

Na quarta publicação da série Comunicação Médica, trazemos aspectos importantes para abordar com empatia a espiritualidade dos pacientes.

A espiritualidade é um elemento intrínseco da experiência humana, que engloba a busca de cada um por sentido na vida e de transcendência. Estudiosos a definem como a busca do indivíduo por significado, sentido e transcendência, além de haver um experimento desse aspecto nas relações que envolvem o self, a família, a comunidade e a natureza.  

O aspecto espiritual diferencia-se da religiosidade na medida em que esta envolve, dentro de uma coletividade, a expressão de espiritualidade através de uma organização com tradições, rituais, crenças, práticas, normas e celebrações em comuns. 

Leia também: Explorando emoções e percepções do paciente 

A espiritualidade durante o adoecimento 

Todo processo de doença envolve dores, e pode apresentar origem física, psicossocial e/ou espiritual. Dessa forma, a espiritualidade deve estar integrada na abordagem de cuidados paliativos, principalmente no atendimento a pacientes que se encontram em situação de doença ameaçadora de vida.

Na prática clínica, contudo, é notado que existem barreiras que dificultam a abordagem do sofrimento espiritual dos pacientes na assistência de saúde, devendo ressaltar os seguintes pontos: 

  • Desconhecimento dos profissionais sobre o conceito de espiritualidade e como abordá-lo
  • Preocupação em instituir pontos de vista religiosos
  • Ideia de que essa abordagem não faz parte do seu escopo de trabalho

Espiritualidade e desfechos em saúde 

Um estudo prospectivo provido por Phelps e colaboradores observou que a presença de coping religioso positivo está associada com maior preferência e recebimento de medidas agressivas no final da vida (ex: ventilação mecânica ou ressuscitação na última semana de vida). Os autores desse estudo sugerem que esta associação pode estar relacionada com a crença dos pacientes de que Deus pode curar através dessas medidas. Por outro lado, há também outros estudos que demonstram associação positiva entre pacientes com medidas elevadas de espiritualidade e melhor qualidade de vida.

Empatia às necessidades espirituais

À medida que a doença progride, os pacientes podem desenvolver angústias espirituais. As angústias mais comuns incluem: desesperança, sentimento de futilidade, falta de sentido, desapontamento, remorso, ansiedade de morte e ruptura de identidade.  

Boa parte dos pacientes com doença avançada desejam que suas necessidades espirituais sejam levadas em conta pelo seu médico, pois desta forma sentem que suas crenças e desejos são respeitados e que podem ajudá-los no enfrentamento da situação. Há uma ferramenta validada para o português, denominada Spiritual Needs Assessment for Patients (SNAP), que avalia as necessidades espirituais em pacientes oncológicos, incluindo pacientes em cuidados paliativos. 

Para acesso do questionário SNAP, acesse o artigo em: www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5215246

Como implementar a assistência espiritual? 

O screening espiritual tem como objetivo avaliar a presença ou não de angústia espiritual e identificar aqueles pacientes que necessitam de uma avaliação espiritual mais profunda. Há ferramentas que podem ser usadas, como o FICA, que descrevem elementos-chave que precisam ser abordados.

Instrumento FICA para avaliação de espiritualidade:

Faith (Fé) – Você se considera uma pessoa espiritualizada ou religiosa? Tem alguma fé? Se não, o que dá sentido à sua vida?

Importance (Importância) – A fé é importante na sua vida? Quanto?

Community (Comunidade) – Você faz parte de alguma igreja ou comunidade espiritual? 

Address (Abordagem) – Como nós (equipe) podemos abordar e incluir essa questão no seu atendimento?

A avaliação espiritual é um processo complexo e profundo, com necessidade de boa escuta do paciente e compreender suas necessidades, para traçar um diagnóstico e plano de cuidado espiritual. Normalmente, é realizada por capelão ou algum profissional com treinamento específico em cuidado espiritual. 

 Como abordar a angústia espiritual?

O sofrimento espiritual pode ser abordado em três níveis de complexidade: pela equipe, pelo capelão e pelo sacerdote:

Equipe multiprofissional treinada para essa abordagem: São capacitados para auxiliar casos mais simples em que há capacitação para suprir demandas espirituais por conexão e sentido. A pessoa é convidada para compartilhar sua história e o profissional deve ouvir e explorar o conteúdo, com empatia e compaixão, validando seu sofrimento.  

▪ Capelão: O ideal é referenciar ao capelão casos considerados mais complexos, principalmente quando há relação com necessidade de perdão, falta de conexão com Deus e com outros ou angústia existencial intensa. 

▪ Sacerdote: Geralmente são referenciados pela equipe ou pelo capelão para abordagem de sofrimentos relativos a aspectos religiosos específicos (como ritos e dogmas).

Conclusão 

A espiritualidade é uma parte fundamental da vida de alguns pacientes. Os profissionais de saúde devem estar preparados para avaliar essa característica dos pacientes sob seu cuidado, incluindo isso no seu plano de cuidado. Diversos profissionais podem auxiliar o médico nessa tarefa.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Manual de Cuidados Paliativos / Coord. Maria Perez Soares D’Alessandro, Carina Tischler Pires, Daniel Neves Forte ... [et al.]. – São Paulo: Hospital Sírio-Libanês; Ministério da Saúde; 2020.
  • SAPORETTI, LA. Espiritualidade em Cuidados Paliativos. In: OLIVEIRA, R. A. (org.). Cuidado Paliativo. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2008, p. 521-531. 

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