Imagem 2: Tomografia Computadorizada de Alta Resolução (TCAR), janela pulmonar, em expiração, corte no nível da carina. Observa-se espessamento das paredes brônquicas pela hiperdensidade (setas vermelhas), bronquiectasia (traçado amarelo) e áreas de aprisionamento aéreo em hipoatenuação (círculo azul).
Diagnóstico
O padrão de pavimentação em mosaico consiste em áreas de opacidade em vidro fosco – atenuação pulmonar aumentada, sem apagamento das margens brônquicas ou vasculares, ocasionando preenchimento parcial do espaço aéreo –, com septos interlobulares espessados de permeio (Imagem 2). É um achado comum a diversas condições, como pneumonia intersticial aguda e proteinose alveolar pulmonar, porém não se encontra no caso em questão.
O espessamento das paredes brônquicas pode ser percebido na TC e condiz com o quadro inflamatório. A bronquiectasia, por sua vez, também está presente e é uma consequência comum da fibrose cística, em que a dilatação irreversível dos brônquios é consequência do processo contínuo do fibrose. As áreas de aprisionamento aéreo também são visualizadas, sendo resultado da destruição gradual dos septos alveolares que acontece nesta doença.
A Tomografia Computadorizada de Alta Resolução (TCAR) é considerada o componente padrão para avaliação dos pacientes com fibrose cística, uma vez que indica alterações morfológicas inclusive em pacientes assintomáticos. A radiografia de tórax é insuficiente na maioria das vezes, somente sugerindo o diagnóstico da doença que apresenta sinais precoces, como hiperinsuflação e espessamento das paredes brônquicas.
O diagnóstico de fibrose cística pode ser realizado pelo teste do pezinho, pelo teste do suor ou por teste genético. O teste do suor é padrão-ouro, sendo baseado na análise dos níveis de cloreto no suor do recém-nascido.
Imagem 3: Tomografia computadorizada de tórax, corte axial, com padrão de pavimentação em mosaico. Fonte: Fleischner Society: Glossary of Terms for Thoracic Imaging.
Discussão do caso
A fibrose cística é uma doença autossômica recessiva que afeta múltiplos órgãos – sistema digestório, glândulas sudoríparas, sistema reprodutor e pulmões. Por mutação em um único gene do cromossomo 7, há variação na produção da proteína RTFC, que funciona como um canal de cloreto (Cl–) e como um regulador de outros canais iônicos das células. As possíveis mutações nesse gene são organizadas em cinco classes, variando da não produção de RTFC (classes I e II) até a produção de pequenas quantidades de RTFC funcional (classe V), passando pela RTFC processada sem funcionalidade normal (classes II e III). As diferentes classes geram diferentes níveis de gravidade da doença.
Todos os tecidos afetados pela fibrose cística apresentam anormalidades no transporte de íons. Nos pulmões, o defeito consiste na menor secreção ativa de Cl– e na absorção ativa desregulada de íon sódio (Na+), ocasionando menor volume de líquido nas vias respiratórias. O muco pulmonar e as camadas de líquido periciliar ficam desidratados, dificultando sua mobilidade e expulsão por mecanismos ciliares ou tosse. A persistência do muco predispõe a infecções respiratórias, sendo comum a colonização crônica por Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus.
O acometimento pulmonar é a maior causa de morbimortalidade relacionada a esta doença, acarretando, normalmente, os primeiros sintomas já na infância. São comuns: sinusite crônica, pólipos nasais e tosse persistente. A tosse apresenta-se com expectoração de escarro viscoso e purulento e comumente esverdeado. Intercalam-se períodos longos de estabilidade clínica com períodos de exacerbações, as quais costumam ser desencadeadas por infecções virais. Com o decorrer dos anos, as exacerbações tornam-se mais frequentes e a função pulmonar deteriora-se gradualmente, resultando em insuficiência respiratória. Classifica-se a fibrose cística em doença pulmonar mista – restritiva e obstrutiva.
O tratamento da fibrose cística objetiva eliminar secreções e evitar infecções pulmonares, cujas complicações são causa de morte de mais de 95% dos pacientes. Fisioterapia pulmonar, inalação de solução salina hipertônica e tratamentos farmacológicos são conjuntamente empregados. A cultura do escarro orienta a prescrição de antibióticos, que pode também incluir a azitromicina para diminuição da inflamação. Os agonistas beta-adrenérgicos inalatórios podem ajudar na abertura das vias respiratórias. Complicações devem ser abordadas imediatamente.
A prevalência de fibrose cística varia conforme a etnia, sendo mais prevalente entre os caucasianos. A incidência é de 1 a cada 3000 recém-nascidos na América do Norte e na Europa, em contraste com 1 a cada 17.000 recém-nascidos afrodescendentes. No Brasil, estima-se que seja de 1 a cada 7.300.
Aspectos relevantes
- A fibrose cística é uma doença autossômica recessiva que afeta múltiplos órgãos;
- A incidência de fibrose cística no Brasil é de cerca de 1:7.300;
- O acometimento pulmonar é a maior causa de morbimortalidade relacionada a esta doença;
- Nos pulmões, há alterações iônicas que ocasionam menor volume de líquido nas vias respiratórias;
- Intercalam-se períodos longos de estabilidade clínica com períodos de exacerbações;
- Com o decorrer dos anos, as exacerbações tornam-se mais frequentes e a função pulmonar deteriora-se gradualmente, resultando em insuficiência respiratória;
- Fisioterapia pulmonar, inalação de solução salina hipertônica e medicamentos compõem as opções terapêuticas;
- A TCAR é considerada o componente padrão para avaliação dos pacientes com fibrose cística;
- O diagnóstico de fibrose cística pode ser realizado pelo teste do pezinho, pelo teste do suor ou por teste genético.
Referências bibliográficas:
- Fleischner Society: Glossary of Terms for Thoracic Imaging – Radiology: Volume 246: Number 3 – 03/2008
- Kasper, DL. et al. Harrison Medicina Interna, v.2. 18a. Edição. Rio de Janeiro: McGrawHill, 2006.
- Capone D, Salles REB, Freitas MR, Azevedo L, Lucas R, Montessi O, et al. A radiologia do tórax na fibrose cística. Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto. 2011;10(4):66-72.