Uso da cannabis medicinal na síndrome de burnout

Conheça o estudo que indica que o uso do canabidiol pode ser uma alternativa promissora para a redução dos sintomas de burnout.

As atividades relacionadas ao trabalho exercem grande parcela no tempo de cada indivíduo, bem como impactam diretamente no convívio em sociedade 1.  A despeito de estar diretamente relacionado ao bem estar, assim como à prosperidade relacionada ao desempenho laboral, o trabalho também pode desencadear experiências negativas 2. E, além do prejuízo direto ao trabalhador, é inerente também os reflexos negativos ao ambiente de trabalho: há aumento no absenteísmo, no número de licenças médicas, no remanejamento de profissionais e mudança de setores, além de desligamento e novas contratações/treinamento de novos integrantes da equipe 3.

As mudanças relacionadas ao ambiente de trabalho e os novos modelos organizacionais das empresas, que requerem novas exigências de qualificação e de competências do trabalhador, geram diversos impactos, e os agravos mentais são um deles 2. A síndrome de burnout, também conhecida como síndrome do esgotamento profissional, é um transtorno que surge da cronificação do estresse no ambiente de trabalho. É uma patologia que envolve três dimensões: a exaustão emocional, a despersonalização e a falta de realização profissional. As manifestações incluem percepção de sobrecarga no ambiente de trabalho, perda de interesse e motivação na realização de suas funções e sensações negativas acerca do seu desempenho – como a perda da sensação de autoeficácia. 1 Essas manifestações são bastante comuns entre profissionais de saúde 4.

Em um ensaio clínico publicado no periódico JAMA, um grupo de pesquisa brasileiro avaliou a eficácia e a segurança do uso do canabidiol no tratamento da síndrome de burnout nos profissionais da linha de frente ao combate à COVID-19. O canabidiol é um fitocanabinóide não psicomimético com bom perfil de segurança e tolerabilidade, apresentando efeitos ansiolíticos em indivíduos saudáveis e naqueles com transtornos ansiosos 5-9.

Na pesquisa 10, foram recrutados 240 profissionais de saúde da linha de frente (médicos, enfermeiros e fisioterapeutas) que trabalhavam com pacientes com COVID-19 no Hospital Universitário da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, São Paulo. Desses, 120 participantes foram randomizados e 118 participantes receberam intervenção. Foram incluídos participantes de ambos os sexos (com idades entre 24 e 60 anos) e excluídos caso estivessem usando algum medicamento que pudesse ter interações potenciais com o CBD, gestantes, aqueles com histórico de reações adversas ou indesejáveis ​​ao CBD ou aqueles que pertencessem a um grupo de risco COVID-19. O desenho inicial do projeto previa um delineamento controlado por placebo. No entanto, por se tratar de um ensaio clínico de uma nova intervenção farmacológica entre profissionais que trabalhavam diretamente com pacientes com casos graves de COVID-19 e em situações potencialmente de alto risco, o comitê de ética local recomendou a alteração para um protocolo aberto de pesquisa.

Após o recrutamento, os pacientes foram divididos em dois braços. O grupo intervenção (grupo CBD) utilizou dosagem de 300mg/dia (150mg duas vezes ao dia) de canabidiol (99,6%), além do tratamento padrão, que consistia em vídeos motivacionais e instrucionais sobre exercícios físicos de baixo impacto, além de consultas semanais com psiquiatras que ofereciam apoio psicológico (por exemplo, conversas e apoio espiritual). Já o grupo controle recebeu apenas a abordagem comportamental descrita. Todos os participantes foram avaliados remotamente (via celular ou computador) por meio de escalas semanais de autoavaliação, sendo essas escalas utilizadas para a avaliação final dos desfechos e resultados do trabalho. Foram utilizadas as escalas MBI-HSS para Burnout (do inglês Maslach Burnout Inventory-Human Service Survey), GAD-7 para ansiedade (do inglês: General Anxiety Disorder-7) e PHQ-9 para depressão (do inglês Patient Health Questionnaire)

Dos 120 participantes (61 para o braço de tratamento e 59 para o braço de controle), a maioria eram mulheres (66,9%) com idade média de 33,6 anos (IC 95%, 32,3 -34,9 anos). E em ambos os grupos, profissionais da enfermagem bem como os que trabalhavam em ambiente de terapia intensiva representavam maior parcela dos participantes.

Em comparação com os participantes que receberam apenas tratamento padrão, aqueles que utilizaram CBD tiveram reduções substanciais nos escores MBI-HSS no 14o dia (diferença média, 4,14 pontos; IC 95%, 1,47-6,80 pontos). Os sintomas da síndrome de burnout (com base no CID) também diminuíram entre o baseline (24 participantes [40,7%]) e a semana 4 (17 participantes [28,8%]; P = ,08) no grupo de tratamento; no entanto, a diferença não foi estatisticamente significativa. Em relação aos sintomas de ansiedade e depressão, os resultados também foram significativos no grupo CBD em relação ao grupo controle.

Os efeitos adversos mais comuns em ambos os braços foram sonolência (34 participantes [28,8%]), fadiga (27 participantes [22,9%]), aumento do apetite (19 participantes [16,1%]). Cinco reações classificadas como graves foram observados durante o período do estudo, todos ocorridos no grupo de tratamento; esses eventos incluíram 4 casos de enzimas hepáticas elevadas (> 3 vezes acima do limite superior) e 1 caso de farmacodermia grave. Todos os participantes se recuperaram totalmente após a interrupção da terapia com CBD.

Sendo assim, segundo o estudo, a administração diária de CBD 300 mg, combinada com o tratamento padrão reduziu os sintomas de ansiedade, depressão e exaustão emocional entre os profissionais de saúde da linha de frente que trabalham com pacientes com COVID-19. O uso do canabidiol pode ser um  agente promissor e eficaz para a redução dos sintomas de burnout em uma população vulnerável, com perfil de segurança adequado aos pacientes. Contudo, ensaios clínicos maiores, randomizados, duplo cego e controlados por placebo são necessários para ampliar as evidências positivas preliminares desse estudo.

 

 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
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