O maior e mais abrangente estudo epidemiológico realizado sobre chikungunya, publicado na revista The Lancet Microbe no dia 6 de abril, avaliou o cenário atual da transmissão da doença nos estados brasileiros. Conforme os números, o Ceará já registrou 77.418 casos. No estado, o número de óbitos pela chikungunya nos últimos dez anos foi superior ao da dengue, com 1,3 óbito por mil casos diagnosticados, enquanto a taxa de mortalidade da dengue é de 1,1 por mil.
A partir das análises, os pesquisadores conseguiram identificar o padrão de disseminação da enfermidade e os fatores de risco que podem servir de base para a elaboração de estratégias efetivas de controle, prevenção e tratamento da chikungunya.
Entre 3 de março de 2013 e 4 de junho de 2022, foram notificados 253.545 casos de chikungunya confirmados em 3.316 (59,5%) dos 5.570 municípios, distribuídos principalmente durante as sete ondas epidêmicas de 2016 a 2022.
Cada região foi afetada de forma diferente em cada onda, com o Ceará sendo o estado mais afetado, t 77.418 casos nas três maiores ondas epidêmicas nos anos de 2016, 2017 e 2022.
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Resultados do sequenciamento de genomas
Os pesquisadores sequenciaram os genomas de vírus chikungunya que causaram a epidemia em 2022 no Ceará e identificaram que a recorrência de doença, após um intervalo de quatro anos, foi associada a uma nova introdução de uma linhagem leste-centro-sul-africana, provavelmente originária de outros estados brasileiros após introdução em 2014.
A pesquisa ainda estima que a nova linhagem de chikungunya foi introduzida no Ceará entre meados de 2021 e o final de 2022. E os cientistas alertam que esse padrão de recorrência continuará ocorrendo, podendo causar grandes ondas epidêmicas com milhares de casos e óbitos devido à heterogeneidade geográfica associada à disseminação ou recorrência do chikungunya, caso não haja nenhuma intervenção por partes das autoridades sanitárias.
“Esses resultados serão úteis para informar o setor de saúde pública para antecipar e prevenir futuras ondas epidêmicas de chikungunya no país”, frisou o virologista.
O mapeamento também apontou fatores de risco envolvidos nas infecções sintomáticas, mais prevalentes em mulheres, e nos óbitos, mais frequentes em crianças e idosos, que possuem sistemas imunes menos fortalecidos.
“Estimamos a taxa de mortalidade por chikungunya de 1,3 óbito por mil casos confirmados, o que é maior do que outros arbovírus endêmicos em países tropicais, como dengue e infecções pelo vírus zika. Essas informações podem fornecer informações para saúde pública no Brasil. A chikungunya afeta desproporcionalmente as mulheres, pois, provavelmente as pessoas se infectam mais em casa. Considerando que uma substancial parte das mulheres fica mais tempo em casa, pode aumentar o risco de exposição. Outro estudo anterior em Bangladesh, no sudeste asiático, mostra um padrão similar e os autores levantaram hipótese semelhante. Sobre maior morte em crianças e idosos, está provavelmente associada à imunidade nesta população, que geralmente pode ser menos efetiva que a população adulta jovem”, considera o virologista.
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Avanço do casos e óbitos de Chikungunya
Para o médico neurologista e infectologista Paulo Olzon Monteiro da Silva, que não participou do estudo, os achados – de certa forma – já eram esperados, uma vez que municípios e comunidades que vivem praticamente isoladas quase não entraram em contato com o vírus. E, então, quando essa comunidade entrou em contato com, no caso o mosquito Aedes aegypti, ocorreu um aumento no número de casos e óbitos de chikungunya.
“A questão do Aedes aegypti ter hábitos domiciliares ajudou no aumento da exposição de mulheres, crianças e idosos, também contribuindo no crescimento da mortalidade por parte dos indivíduos mais idosos pelas suas características de menor resistência à infecções”, ressaltou Paulo Olzon, em entrevista ao Portal de Notícias da PEBMED.
O infectologista lembrou ainda que o Brasil enfrentou uma forte epidemia de dengue entre os anos de 2015 e 2019, o que fez com que muitas pessoas ganhassem uma imunidade alta contra essa doença. Algo parecido também aconteceu com o zika: o espalhamento muito rápido e amplo da enfermidade pelo país a partir de 2015 reduziu o número de indivíduos suscetíveis nos anos seguintes.
Do ponto de vista do especialista, essa diferença nos cenários epidemiológicos ajuda a entender por que está ocorrendo um crescimento recente nos casos de chikungunya, uma vez que ainda existe um número grande de brasileiros suscetíveis a essa infecção.
O estudo foi conduzido em parceria por pesquisadores da University of Texas Medical Branch, nos Estados Unidos; do Laboratório de Saúde Pública do Ceará; do Ministério da Saúde; da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de Rondônia (UNIR); e do Imperial College London, na Inglaterra.
Este artigo foi revisado pela equipe médica do Portal PEBMED