Nesta sessão do ESICM 2023, moderada pelos professores Laurent Brochard e Giacomo Grasseli, o professor Jean-Daniel Chiche conversou sobre a fisiopatologia e a prevenção da lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica com foco em lesão pulmonar autoinfligida pelo paciente.
Veja também: ESICM 2023: Fluidos na síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)
Introdução
A lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica (VILI) pode ser definida como a piora da lesão pulmonar prévia ou uma nova lesão pulmonar resultante do uso inadequado da ventilação mecânica.
Quais são os principais tipos de lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica?
- Volutrauma → Uso de volumes correntes elevados resultando em hiperdistensão alveolar.
- Barotrauma → Pressão alveolar excessiva resultando em complicações com pneumotórax.
- Atelectrauma→ Recrutamento e desrecrutamento cíclico das unidades alveolares durante o ciclo respiratório.
- Biotrauma → Os mecanismos acima podem resultar na liberação de mediadores inflamatórios pulmonares provocam disfunção orgânica à distância (Cross-talk entre pulmão e outros órgãos).
Além disso, dois conceitos importantes relacionados a VILI que são o de stress e strain. O stress reflete a pressão transpulmonar (Ptp), ou seja, a força aplicada ao alvéolo, enquanto o strain representa a deformaçao alveolar (hiperdistensão) em relação à capacidade residual funcional resultante da pressão transpulmonar. VILI ocorre se o stress e strain ultrapassarem o limite da capacidade elástica alveolar.
A estratégia ventilatória protetora consagrada nos pacientes com Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) consiste em utilizar uma ventilação mecânica invasiva com volume corrente baixo (<6ml/kg de peso corpóreo predito), pressão de platô < 30cmH2O, pressão de distensão (driving pressure) < 15cmH2O e a menor FiO2 necessária para atingir um alvo de saturação (>88-80%), de forma a minimizar a VILI. Além disso, a utilização de uma pressão expiratória final positiva (PEEP) adequada previne o atelectrauma.
Nos últimos anos, principalmente durante a pandemia de covid-19, muito se discutiu em relação aos riscos e benefícios de se permitir ventilação espontânea (contração diafragmática) durante a ventilação mecânica, nas fases iniciais da SDRA.
Benefícios da ventilação espontânea
- Melhora da relação V/Q pela movimentação posterior diafragmática
- Redução da atrofia diafragmática induzida pela ventilação mecânica
Entretanto, se durante a ventilação espontânea, o paciente aumentar o esforço respiratório, pode ocorrer aumento da pressão transpulmonar (Ptp = Pressão Alveolar – Pressão Pleural) e consequentemente resultar em lesão pulmonar autoinfligida pelo paciente (P-SILI, do inglês Patient Self Inflected Lung Injury) agravando a lesão pulmonar prévia e piorando o desfecho do paciente.
Para entender esse conceito, devemos recordar que a contração diafragmática espontânea vigorosa reduz a pressão pleural a valores negativos, aumentando a Ptp.
Além disso, a P-SILI pode ocorrer em pacientes com suporte respiratório não invasivo, como cateter nasal de alto fluxo e ventilação não invasiva.
Quais são os mecanismos responsáveis pela P-SILI na ventilação espontânea?
- Aumento da pressão transpulmonar pelo esforço respiratório.
- Assincronia paciente-ventilador (Duplo disparo).
- Pendelluft → Movimento pendular (“roubo”) do ar das zonas não dependentes para zonas dependentes durante a inspiração associado ao aumento da Ptp basal resultando em recrutamento cíclico e maior inflamação regional com hiperdistensão alveolar basal e colapso apical.
- Pacientes com lesão pulmonar prévia são mais suscetíveis a P-SILI.
Como identificar pacientes em ventilação espontânea com maior risco de P-SILI?
- Aumento de esforço respiratório subjetivo à beira leito.
- Monitorização do esforço respiratório com manobra de oclusão respiratória (Δ Pocc), pelo cateter de pressão esofagiana para avaliação da pressão pleural e monitorização do drive pela monitorização do P0.1
- Presença das assincronias ventilatórias de duplo disparo.
- Aumento do volume corrente.
Mensagens para prática
- A ventilação espontânea em pacientes com ventilação mecânica invasiva pode ser benéfica por aumentar a contração diafragmática dorsal, melhorando a relação V/Q, além de reduzir o risco de disfunção diafragmática induzida pela ventilação mecânica.
- Entretanto, o paciente em ventilação espontânea pode ter um risco aumentado de P–SILI por expor o paciente com esforço respiratório significativo à elevada pressão transpulmonar (stress), hiperdistensão alveolar (strain), assincronias e pendelluft.
- Em alguns pacientes, com esforço respiratório importante e risco significativo de P–SILI, um breve período de bloqueador neuromuscular pode ser considerado para minimizar seu risco.