A hanseníase, por muito tempo, ocupou uma das principais posições de destaque como um problema de saúde pública e ainda ocupa em algumas regiões do Brasil, como Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O estado do Mato Grosso do Sul, permanece em primeiro lugar no ranking de portadores da doença e o Brasil ocupa a segunda posição no mundo de países com notificação de hanseníase, estando à Índia à frente. Esse fato é preocupante e evidencia a necessidade do fortalecimento de políticas públicas para a prevenção, manejo, tratamento e reabilitação da doença.
Estamos no janeiro roxo, em que acontece a Campanha Nacional de Combate, Prevenção e Enfrentamento à Hanseníase. Um dos focos das ações deste mês é a conscientização e as medidas de controle, bem como reforçar as formas de transmissão, que se dá por gotículas (fala, tosse e espirro) de pessoas com a doença em período de transmissão e lembrar que a doença tem tratamento.
Também é importante salientar que a hanseníase tem cura e todos os gastos do tratamento são custeados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O ideal é que as medidas de prevenção e diagnósticos precoce sejam realizadas no maior centro de capilaridade do SUS, as Unidades Básicas de Saúde (UBS), ou seja, na Atenção Primária (AP).
Para isso, é importante que os profissionais da saúde estejam sensibilizados e com conhecimento dos sinais e sintomas, para que possam identificar a doença no estágio inicial, por meio do exame clínico que identifica alterações que são características da doença, como alterações sensitivas e motoras. Além disso, o profissional capacitado é capaz de fornecer apoio, sanar dúvidas, encorajar o tratamento e reforçar as medidas de controle e notificações.
Uma estratégia importante para identificação precoce dos casos é a educação em saúde, por meio do Programa Saúde na Escola (PSE). Durante as ações de promoção à saúde nas escolas, as crianças aprendem os sintomas da doença e identificam no seu corpo ou no corpo de familiares, sinais que possam caracterizar a hanseníase. Para isso, é necessário demonstrar com imagens e testes simples a doença em seu estado inicial. Outro momento que pode ser abordada a temática é na reunião de pais e professores, educando os pares com relação ao agravo.
Pensando nisso, vamos relembrar algumas informações importantes sobre hanseníase?
O agente causal da hanseníase é a Mycobacterium leprae, responsável por acometimento da pele e dos nervos periféricos, resultando em manchas esbranquiçadas, avermelhadas ou amarronzadas na pele, com alteração da sensibilidade, que diminui paralelamente à força motora devido ao processo inflamatório que ocorre nos nervos. Afeta os membros superiores, inferiores, visão e surgem lesões ulcerativas ou nodosas, junto do espessamento dos nervos, diminuição dos pelos e suor. Pacientes que apresentem até cinco lesões de pele e/ou pacientes com até um tronco nervoso acometido são classificados como Hanseníase Paucibacilar e os que apresentam mais de cinco lesões de pele e/ou dois ou mais troncos nervosos acometidos são chamados de Multibacilar.
Com base no exposto, os profissionais de saúde realizam o exame de sensibilidade nas lesões encontradas durante o exame dermatológico, no qual deve abordar a sensibilidade térmica, a dolorosa e a tátil. Outro exame que pode ser realizado, para auxílio do diagnóstico, é a baciloscopia, no qual é realizado o pinçamento do lóbulo auricular e a realização do raspado intradérmico. Entretanto, a inexistência do exame não prejudica o diagnóstico da doença, visto que, caso o indivíduo se enquadre ao diagnóstico com a avaliação clínica, é recomendado o início do tratamento.
Entendemos que a hanseníase pode deixar múltiplas sequelas e que essas levam a incapacitações da população, comprometendo suas atividades laborais, de lazer e de relacionamentos interpessoais, muitas vezes levando ao afastamento social e desenvolvimento do adoecimento psíquico. Por isso, por muitos anos a pessoa que se contaminasse com o bacilo era tratada de forma marginalizada, chamada de “leproso” e acabava por apresentar piora do quadro. Hoje compreendemos o tratamento e a luta é para que a qualidade de vida do portador de hanseníase seja priorizada.
Pesquisa de Ilozumba e Lilford (2021), que objetivou explorar evidências sobre a qualidade de vida de portadores de hanseníase evidencia que o domínio de alterações físicas, reações hansênicas, dor relacionada às neuropatias e o estigma social, contribuem fortemente para a diminuição da qualidade de vida. Enquanto o diagnóstico precoce, com envolvimento de uma equipe multidisciplinar, junto à educação em saúde e prevenção às incapacidades, contribuem para a melhora dessa.
Janeiro Roxo
Por isso, o objetivo do janeiro roxo é sensibilizar as pessoas e fortalecer as melhores práticas de saúde para evitar a Hanseníase, apontando que a prevenção é a melhor solução. Uma forma eficaz de prevenir é a vacinação BCG, medidas sanitárias de higiene e detecção precoce da doença, sendo essa tríade é indispensável para o combate. Além disso, outras estratégias são importantes nessa linha de cuidado, sendo elas: fortalecer as recomendações nacionais para o combate da hanseníase, bem como realizar o controle da mesma e apoiar os locais de tratamento, ofertando suporte e qualificação dos serviços e dos profissionais e promover ações educativas.
No momento do diagnóstico e durante o tratamento, a pessoa deve portar a carteirinha de acompanhamento, “Caderneta de Saúde da Pessoa Acometida pela Hanseníase” pois é nela que ocorre os registros da evolução da doença, além de ter informações sobre o tratamento, direitos e medidas para a prática de autocuidado.
Tratamento
O tratamento atual é denominado poliquimioterapia única, pois associa três antimicrobianos, sendo a rifampicina, dapsona e clofazimina. O uso desses três componentes fortalece o tratamento e evita a resistência medicamentosa pela bactéria. O uso pode variar de seis meses, para a forma paucibacilar a doze meses para a forma multibacilar e o portador deve ser encorajado a concluir o tratamento e comparecer ao serviço de saúde para realizar as doses supervisionadas.
Ainda no início do tratamento, as chances de transmissão se anulam, porém todos que tiveram contato com a bactéria devem ser avaliados, por medidas de segurança. Nesse caso, a avaliação consiste no exame minucioso da pele, orientações sobre a forma de transmissão e dos sinais e sintomas da doença e aplicação de BCG, conforme indicação: Pessoas com ausência de cicatriz vacinal ou com apenas 1 cicatriz da BCG devem receber 1 dose da vacina, já as pessoas que apresentarem 2 cicatrizes não possuem indicação de realizar a profilaxia.
Por fim, afigura-se indispensável, celebrarmos o janeiro roxo como uma nova oportunidade de conhecimento, melhoria da qualidade da assistência e afastamento de todos os estigmas sociais relacionados aos portadores de hanseníase. Que possamos passar um pincel roxo de janeiro à dezembro, pois “a hanseníase tem cura e o preconceito também”.
Referências bibliográficas:
- Assembleia legislativa do estado do Mato Grosso. Mato Grosso ocupa há anos a liderança de casos da doença no cenário nacional. Por Eugênio de Paiva. Brasil, Mato Grosso, 2022. Disponível em: https://www.al.mt.gov.br/midia/texto/dr-eugenio-alerta-estado-sobre-importancia-de-tratamento-contra-a-hanseniase/visualizar Acesso em: 10 jan 2022.
- Brasil. Ministério da Saúde. Hanseníase. Brasil: Ministério da Saúde, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/h/hanseniase Acesso em: 10 jan 2022.
- Secretaria Municipal de Saúde (RJ) Secretaria de Atenção Primária, Vigilância e Promoção da Saúde. Superintendência de Atenção Primária. Hanseníase: Manejo Diagnóstico e Terapêutico. 1st ed. Rio de Janeiro: SMS, 2020.
- G1. Secretaria da Saúde de Sergipe orienta como identificar a hanseníase e tratar a doença. Sergipe, 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2022/01/12/secretaria-da-saude-de-sergipe-orienta-como-identificar-a-hanseniase-e-tratar-a-doenca.ghtml Acesso em: 10 jan 2022.
- Ilozumba O; Lilford RJ. (2021). Self-care programmes for people living with leprosy: a scoping review. Leprosy Review, 92(4), 317-337.