O estudo da morte não é novo e sempre foi objeto de interesse humano. Outrora ocupava apenas discussões filosóficas e teológicas, mas com o alvorecer da ciência temos a medicina e outras áreas de interesse discutindo o processo de morte e morrer. Essa proposição foi tratada como tanatologia, considerada como o estudo da morte ou do processo de morte morrer. Willlian Osler (1849-1919) foi o pioneiro sobre o assunto, quando em 1904 escreve a obra intitulada: A Study of death. Esta obra abordou pela primeira vez os aspectos físicos e psicológicos da morte, objetivando a diminuição do sofrimento psíquico frente a morte.
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As duas grandes guerras mundiais levaram a humanidade a se deparar diretamente com a morte de forma avassaladora. O desenvolvimento da tanatologia era questão de tempo e em 1959, o autor Feilel, escreve a obra Meaning of death, buscando o significado da morte em um tempo onde havia um contexto de proibição da discussão do tema. Mas foi em 1960 que a psiquiatra Elizabeth Kubler-Ross, escreve uma das maiores obras sobre terminalidade, intitulada: Sobre o processo de morte e morrer. Tal estudo trás o conceito da morte e a divide em fases, consideradas como fases do luto, sendo elas: negação, isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação.
Trazemos Elizabethe Kubler-Ross como a autora mais importante dessa geração, para nossa discussão, uma vez que trata da externalização dos afetos de pacientes frente a morte. O que promove a necessidade de um profundo conhecimento dos profissionais de saúde sobre o processo de adoecimento e morte. Esta autora faz referência à tristeza e à esperança, afetos que podem ser trabalhados por profissionais em suas práticas clínicas. No Brasil pesquisadoras como Wilma Torres na década de 1980 e Maria Helena Pereira Franco desenvolveram diversos estudos sobre a temática que valem a apreciação. As reflexões das autoras nos levam para o caminho de compreender as intervenções como um técnica plausível de aprendizado.
Mas afinal, é possível sofrer o luto frente a morte de outrem? A maioria dos estudos que relatamos o luto foi discutido sob a perspectiva da pessoa doente. Ou seja, uma condição subjetiva frente a própria morte. No entanto, o que estamos discutindo aqui é sobre o luto de entes queridos. Nosso pais, nosso filhos, nossos irmãos, amigos ou qualquer outra pessoa no qual estabelecemos profundo afeto, são entes queridos que quando entram no processo de morrer, estendem a nós a dor da morte. Os filósofos gregos diziam que quando um ente querido morre, morremos um pouco e isso acontecerá algumas vezes ao longo da vida, até que chegue nossa vez.
As fases do luto descritas por Elizabeth Klubler-Ross também podem ser utilizadas para paramentar a identificação e tratamento dessas pessoas, pesando na fase em que ela se encontra frente ao processo de morte de seu ente querido. Cabe salientar que utilizaremos tal epistemologia para elucidar as possíveis possibilidades de cuidado. Então, vamos conhecer as fases do luto:
Primeiro estágio: negação e isolamento
Quando recebemos a notícia de que um ente querido tem um mal prognóstico temos um tempo de processamento para que possamos encontrar ações reais e objetivas de cuidado e convivência com a nova existência. Cabe salientar que a negação está mais para os processos não naturais, ou seja, quando pais sofrem com o adoecimento e morte de filhos. Ou quando o ente querido ainda tinha muito por ver em um processo natural, ou mesmo quando a morte é uma ruptura instantânea causada por uma tragédia.
É possível que haja a negação do acontecimento ou o isolamento, ambas as condições são uma tentativa comportamental de compreensão do acontecimento. É necessário muito cuidado e sensibilidade dos profissionais de saúde para que eles possam dar esperança e fazer com que as pessoas caminhem para outras fases sem se estacionar em uma delas. O objetivo é que venha a aceitação ou pela menos a compreensão, afinal a morte é uma certeza que nossa sociedade refuta, mas ainda é a única certeza da humanidade.
Segundo estágio: raiva
A raiva é um dos estágios mais percebidos pelos profissionais de saúde e por aqueles que estão junto as pessoas que passam por um processo de adoecimento e morte de um ente querido. Muitos afetos negativos são externalizados junto a raiva. É necessário que possamos compreender que a dor pode fazer essas pessoas mudarem seu humor e comportamento. A equipe de saúde precisa prever essa condição e criar estratégias para que a pessoa possa falar de seus sentimentos, não deixando que sentimentos negativos tome a existência humana e piore o processo de partida e luto.
No entanto, não podemos impedir a expressão da raiva, pois ela pode ser um mecanismo de defesa para a dor e ser um caminho para que a pessoa chegue a aceitação ou a compreensão. É comum que algumas pessoas contestem suas crenças de forma negativa, chamamos isso de coping religiosos-espiritual negativo. Esse processo pode levar pessoas a contestar Deus ou os Deuses, a criação e a própria religião. Estratégias devem considerar a integralidade da pessoa, suas crenças, valores, culturas e todo o processo de cuidado relacionado com o ente querido que pode ser objeto desse afeto negativo.
Terceiro estágio: barganha
Quando há a morte do ente querido a pessoa pode ficar muito tempo presa em uma condição de reflexão da falta e ter um pensamento intenso frente a falta física da pessoa. Uma mistura de saudade e dor por não poder mais ter a pessoa perto, pode impossibilitar a pessoa de seguir e frente. Mas é no terceiro estágio do luto, que há uma tentativa de reaver o que foi perdido, a pessoa tenta se afastar do processo inconsciente da morte e do luto, trazendo a consciência outras possibilidades de compreensão do acontecimento. O coping religiosos-espiritual positivo está muito presente nesse processo de busca por sentido, sendo comum a pessoa pedir a Deus ou as divindades a pessoa de volta.
No processo de adoecimento, a pessoa pode tentar diversas medidas frente a equipe que possam não ser possíveis, cabendo compreensão de tal fase do profissional e o acolhimento da pessoa em sofrimento. O profissional de saúde pode ajudar a pessoa a mudar essa situação criando projetos terapêuticos singulares, afinal o sofrimento psíquico da perda, do luto e da morte são aqueles mais difíceis da existência humana. É muito difícil perder quem amamos, por isso seja sensível a essas pessoas.
Quarto estágio: depressão
O quarto estágio aqui tratado pode aparecer anterior a diversas fases. A tristeza é assimilada por todos aqueles que perdem um ente querido. A falta diária, os telefonemas, o abraço, o encontro, as palavras, o beijo, o sorriso, o conselho, ou olhar de uma crina para com um pai ou uma mãe. A dor da falta física é imensurável e a tristeza toma o corpo, a mente e vida da pessoa. Encara-se o vazio da perda e a solidão da falta da pessoa tão querida. Muitas vezes a rotina é o que mais afeta a pessoa, pois a falta é diária. Esse processo leva a pessoa a tristeza que evolui para sentimentos depressivos mais severos, podendo haver transtornos depressivos severos. E é por isso, que devemos prever esse mal e intervir antes do acometimento da doença.
Sabemos que pessoas da comunidade perdem seus entes queridos e enquanto profissionais o que fazemos? Esperar que o tempo cure essas pessoas não faz parte de uma trajetória de cuidado integral proposta pelo sistema de saúde. entendam que prevenir o adoecimento mental pode estar em ações simples que façam com que os profissionais de saúde fiquem atento as perdas dos membros da comunidade. E, o que seria mais valioso que a perda de um ente querido?
Quinto estágio: aceitação
Na aceitação temos diversos processos envolvidos. A compreensão que a vida continua pode ser dada por muitas coisas. Isso muitas não tem a ver com quem se foi, pois a dor da saudade sempre continuará. Se relaciona com quem ficou e com nós mesmos em nossa caminhada. Aqui nós seres humanos percebemos que é hora de seguir em frente definitivamente e que não podemos voltar no tempo. Não esquecemos dos bons momentos, das coisas boas, do carinho, do amor, mas conseguimos seguir a vida. Afinal, quem escreve esse texto também já perdeu alguém, como a maioria de nós. Mas quando estamos frente a uma pessoa que perde seu ente querido, precisamos acompanhá-la até aqui, permitindo que ela passe por seu próprio processo de luto, mas sem permanecer ou adoecer em uma dessas fases. A aceitação é o que esperamos para essas pessoas.
Sabemos que nos últimos anos, muitos de nós perdemos entes queridos. Nós, profissionais de saúde, presenciamos milhares de pessoas perdendo seus avós, país, irmãos, filhos e amigos. Precisamos nos capacitar melhor para o cuidado frente a perda que é constante e desvela problemas gravíssimos a sociedade. A assistência a perda, ao luto e a morte são necessárias e devem ser melhor compreendidas. Além disso, políticas públicas devem ser criadas para que programas ministeriais possam dar mais atenção a essa questão que afeta milhares de pessoas que perdem seus entes queridos todos os dias. Por mais, a sensibilidade pode ser aprendida e espera-se que mais discussões sobre a temática sejam realizadas em nossa sociedade.