AAP 2023: Como lidar com uma crise comportamental na emergência pediátrica

O dr. Theodore Kouo falou sobre como o pediatra pode lidar com a crise em pacientes com deficiência intelectual na emergência pediátrica.

Crianças com deficiência intelectual possuem alto potencial de apresentar uma crise comportamental, o que pode levar a um intenso estresse familiar com procura do serviço de emergência para resolução do quadro. É comum que os profissionais que irão assistir a criança não sabem o que fazer nessas situações, demandando um enorme tempo da equipe, estressando a família e piorando a crise da criança.  

No AAP 2023, o dr. Theodore Kouo, do Mary´s Bridge Children´s Hospital falou em sua palestra sobre como o pediatra pode lidar com a crise em pacientes com deficiência intelectual dentro do contexto da emergência pediátrica. O dr. Kouo é um pediatra emergencista que tem experiência em implementar estratégias de suporte para crianças com autismo durante seus atendimentos na emergência pediátrica.  

Fatores de risco para crise comportamental na emergência  

O dr. Kouo iniciou sua palestra referindo quais são os principais fatores de risco para que uma crise comportamental se apresente na emergência pediátrica. Alguns tipos de transtornos do desenvolvimento, em especial o transtorno do espectro autista (TEA), apresentam maior risco de apresentarem essas crises. Esses pacientes possuem rigidez de rotinas e desregulação emocional que podem prejudicar suas habilidades de lidar com conflitos. Também podem apresentam dificuldades na linguagem, tanto expressiva quanto receptiva, que prejudicam a comunicação dos seus desejos, necessidades e da presença de dor, o que pode levar a uma crise comportamental como forma de comunicação. Podem haver distúrbios sensitivos específicos, e o ambiente da emergência pode ser muito estressante para esses pacientes. Os alarmes dos monitores, por exemplo, podem desencadear ou piorar quadros de crises. Conhecer esses elementos antes do atendimento é fundamental.  

Os pacientes também podem apresentar dificuldades cognitivas e nas funções executivas, o que pode impedi-los de seguir ordens ou comandos ou de simplesmente compreender os próximos passos durante o atendimento. Experiências traumáticas prévias também podem dificultar a calma do paciente. Tentar entender com os familiares quais são as dificuldades especificas dessa criança e orientar o exame físico para o que é extremamente importante podem colaborar nessas situações.  

Outras causas de agitação no paciente com transtorno neurocognitivo 

Nem sempre um paciente com déficit cognitivo que apresenta agitação apresenta uma crise comportamental. Outros diagnósticos devem ser aventados pelo pediatra. Lembrar que possivelmente o paciente não conseguirá descrever sua dor ou desconforto.  

Deve-se sempre avaliar se uma crise é causada pela doença de base ou se há início de um transtorno psiquiátrico associado. É sabido que crianças com transtornos do desenvolvimento apresentam maior risco de comorbidade psiquiátrica associada.  

Avaliar também se há presença de outros quadros no diagnóstico diferencial, como epilepsia, alterações no sistema nervoso central e constipação, que são comorbidades associadas ao TEA e podem justificar a agitação do paciente.  

Questionar a respeito de mudanças nos esquemas medicamentosos. Por exemplo, o levetiracetam pode causar efeitos colaterais no comportamento, como agressão, hostilidade e irritabilidade. Na presença de derivação peritoneal, avaliar se há bom funcionamento da válvula, ou se a disfunção da mesma causa cefaleia com irritabilidade na criança. Avaliar também a possibilidade de intoxicação por drogas, tanto recreacionais como as acidentais.  

Incluir a possibilidade de ingestão de corpo estranho com dor abdominal associada. O palestrante sugeriu que, a não ser que haja um motivo claro para o gatilho de uma crise comportamental, deve-se considerar uma radiografia de abdome para descartar ingestão de corpo estranho. Avaliar também a possibilidade de traumas não percebidos (ou mesmo não acidentais), através de bom exame cutâneo e neuromuscular.  

Estratégias para melhorar a comunicação e desescalar comportamentos 

Os três pilares para tratar as crises comportamentais verdadeiras são:  

  • Identificar e mitigar potenciais gatilhos;
  • Adaptar a comunicação (estilo e abordagem);
  • Caso não haja melhora, considerar realização de contenção química.  

Lembrar que o ambiente da emergência pode não ser acolhedor, e devemos tomar cuidados para que o paciente não apresente mais gatilhos para a crise. Assim, reduzir ao máximo barulhos e iluminação, realizar apenas as medições que serão fundamentais e que trarão resultados que influenciarão na conduta, reduzir o número de profissionais atendendo o paciente e interpretar adequadamente as estereotipias, que em um primeiro momento podem parecer agressivas mas que são apenas mecanismos de adaptação do paciente, são fundamentais para toda a equipe.  

O palestrante trouxe dados de uma revisão da literatura que avaliou estratégias para melhorar a comunicação e desescalar comportamentos em pacientes autistas, e que foram implementadas com sucesso nas emergências pediátricas. Para começar, deve-se realizar a coleta de informações como preferências de maneiras de comunicação do paciente (verbal, não verbal, em telas), quais são os principais gatilhos do paciente, comportamentos específicos (incluindo estereotipias ou comportamentos agressivos) e reforçadores (brinquedo e jogos, por exemplo). Utilizar essas informações de maneira adequada.  

O uso de instrumentos visuais (como desenhos, por exemplo) pode colaborar com a compreensão dos pacientes com relação ao que será realizado e em qual sequência, reduzindo o estresse da disrupção da rotina e comunicando melhor sobre os diferentes procedimentos dentro do setor.  

O uso de reforçadores, ou seja, recompensas para os comportamentos adequados pode ser uma boa técnica. Por exemplo: se você realizar a tomografia, poderá brincar depois com bolas de sabão. Utilizar instrumentos visuais para a comunicação.  

O uso de itens sensoriais, como cobertores e fones de ouvido, além de brinquedos sensoriais, pode ser utilizado, porém, uma das dificuldades associadas é a necessidade de higienização rotineira desses itens, o que pode dificultar sua utilização.  

Quando, apesar da retirada dos gatilhos e da melhora da comunicação não houver resolução da crise comportamental, muitas vezes será necessário o uso de medicações para conter o paciente e permitir que ele e sua família se acalmem.  

Nesses casos, pode-se tentar uma sedação mais leve com o uso de difenidramina (VO/IM), clonidina (VO), ou ainda, uma dose de alguma medicação que já foi prescrita para o paciente durante alguma situação de agitação. Outras opções para quadros mais graves incluem a risperidona VO, clorpromazina VO/IM ou ainda, olanzapina (VO/IM – dose IM não disponível no Brasil).  

Na alta do paciente, sempre tentar avaliação por equipe multidisciplinar e psiquiátrica, principalmente para o acompanhamento de longo prazo do paciente, caso ainda não tenha disponível esse acompanhamento.  

Mensagens para guardar

  • Pacientes com distúrbios neurocognitivos podem se apresentar nos setores de emergência pediátrica com crise comportamental, podendo essa ser a causa da visita ou podendo ocorrer durante a estadia no setor.  
  • Nem toda crise é comportamental. Lembrar que esses pacientes apresentam dificuldade de comunicar-se, inclusive dificuldade na comunicação de dor.  
  • Investigar doenças neurológicas, ajuste medicamentoso recente, ingestão de corpo estranho e traumas como causas da crise.  
  • Para resolução da crise, deve-se tentar inicialmente identificar e mitigar os gatilhos da crise e adaptar a comunicação com o paciente. Caso não haja resolução, deve-se tentar contenção química.

Confira todos os destaques do AAP 2023!

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