ACEP 2022: Quais os melhores fluidos cristaloides para ressuscitação volêmica?

Palestra do congresso destaca evidências a respeito dos efeitos do soro fisiológico para a medicina de emergência.

A polêmica sobre qual o melhor cristaloide para ressuscitação volêmica ainda está viva e os últimos anos trouxeram o resultado de importantes estudos sobre o assunto. Uma palestra ministrada por Marie-Carmelle Elie durante o ACEP 2022 discutiu os efeitos do soro fisiológico (SF 0,9%) e qual o seu papel nos dias de hoje. Vamos aproveitar para revisar os resultados de importantes trabalhos publicados recentemente.

Efeitos fisiológicos do SF 0,9%

A composição do SF 0,9% difere bastante do plasma, especialmente em função da sobrecarga de cloreto na solução (figura 1). O excesso de cloreto induz a ocorrência de acidose metabólica, uma vez que aumenta a excreção renal de bicarbonato, na tentativa de manter a eletroneutralidade do sangue. Além disso, o SF 0,9% apresenta sobrecarga de sódio, com cada litro da solução apresentando uma quantidade de sódio equivalente a 8 embalagens de 100g de Batata Ruffles 2. Nos pacientes com lesão renal aguda ocorre maior dificuldade para eliminação do excesso de sódio, o que pode acarretar maior tendência à hipernatremia nessa população. 

Além disso, o aumento do cloro no plasma aumenta a quantidade desse ânion filtrada pelos rins. O excesso de cloro que chega à mácula densa é interpretado pelo rim como “taxa de filtração glomerular aumentada”, induzindo vasoconstrição da arteríola aferente e vasodilatação da arteríola eferente (balanço túbulo glomerular). O efeito final disso é a redução da taxa de filtração glomerular, com aumento das escórias nitrogenadas no sangue. 

Estudos clínicos que avaliaram o SF 0,9%

Em termos de estudos randomizados (RCT), o uso de SF 0,9%, em comparação a soluções balanceadas, demonstrou causar maior incidência de eventos adversos renais (MAKE 30) e possivelmente maior mortalidade, em uma metanálise que avaliou os maiores trabalhos sobre o assunto 3

Alguns estudos como o SALT-ED 5 e SMART 4, demonstraram que o uso de soluções balanceadas promoveu uma redução do “major adverse kidney events within 30 days” (MAKE30), que engloba morte, necessidade de diálise, ou disfunção renal persistente (aumento de creatinina acima de 2x o valor basal). No entanto, ambos estudos foram unicêntricos, realizados na Universidade de Vanderbilt (Estados Unidos). Enquanto isso, o estudo SPLIT, multicêntrico, realizado pela ANZICS (Australian and New Zealand Intensive Care Society), não encontrou nenhuma diferença na incidência de lesão renal aguda, independente da solução utilizada.

O estudo BaSICS 6 (brasileiro) e o estudo PLUS 7 (ANZICS) foram construídos para tentar esclarecer essa questão. O BaSICS incluiu 11.000 pacientes avaliando a utilização de Solução balanceada ou SF 0,9%, incluindo um subgrupo com pacientes vítimas de traumatismo cranioencefálico (TCE). Não foi encontrada diferença entre os grupos na mortalidade em 90 dias (Solução balanceada 26,4% x soro fisiológico 27.2%; HR 97; IC 95% 0,90-1,05; p=0,47). No entanto, o subgrupo de pacientes com TCE que utilizou SF 0,9% apresentou redução de mortalidade (SF 0,9%,  21,1%  versus solução balanceada 31,3%; HR 1,48; IC 95% 1,03 – 2,12; p=0,02).

O estudo PLUS era programado para englobar 8.800 pacientes, porém incluiu apenas 5.037 pacientes, em função do início da pandemia de COVID-19. Não foram incluídos pacientes com TCE. Nesse trabalho também não foi observada diferenças em mortalidade, incidência de LRA ou diálise entre os grupos que receberam solução balanceada ou SF 0,9%. 

Uma metanálise conduzida pelo New England Journal of Medicine 3 avaliou os dados de 13 RCT com boa qualidade, englobando 35.884 pacientes, com a realização de uma análise bayesiana. Lembre-se que esse tipo de análise determina a probabilidade de um desfecho positivo e a probabilidade de um desfecho negativo, considerando que ambas as possibilidades coexistem (sem utilização de p-valor). Esse trabalho talvez seja o mais importante no assunto, por sintetizar toda informação produzida por estudos prévios. Ele demonstrou que o uso de soluções balanceadas, em relação ao SF 0,9%, promove:

  • Mortalidade em 90 dias:  Redução do risco relativo (RR) em 9% ou aumento em 1%
  • Mortalidade na sepse: Redução do RR em 14% ou aumento em 1%
  • Mortalidade no TCE: Redução do RR em 2% ou aumento em 60%

Conclusão

Com a evidência que dispomos no momento, as soluções balanceadas (Ringer Lactato e Plasmalyte®) ainda são os fluidos de escolha para a maioria das situações clínicas. O SF 0,9% possui diversos efeitos adversos, especialmente a redução da taxa de filtração glomerular e a acidose metabólica. Atualmente, seu uso como fluido de escolha deve ser reservado aos pacientes vítimas de TCE, onde objetivamos manter a natremia mais elevada, e pacientes com alcalose metabólica (ex: alcalose por excesso de diuréticos de alça).

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
    1. Kellum JA. Abnormal saline and the history of intravenous fluids. Nat Rev Nephrol. 2018 Jun;14(6):358-360. doi: 10.1038/s41581-018-0008-4. PMID: 29654298.
    2. Besen BA, Gobatto AL, Melro LM, Maciel AT, Park M. Fluid and electrolyte overload in critically ill patients: An overview. World J Crit Care Med. 2015 May 4;4(2):116-29. doi: 10.5492/wjccm.v4.i2.116. PMID: 25938027; PMCID: PMC4411563.
    3. Naomi E. Hammond; Balanced Crystalloids versus Saline in Critically Ill Adults — A Systematic Review with Meta-Analysis, NEJM january 18 2022, doi.org/10.1056/EVIDoa2100010.
    4. SMART trial: Balanced Crystalloids versus Saline in Critically Ill Adults. N Engl J Med. 2018 Mar 1;378(9):829-839. doi: 10.1056/NEJMoa1711584
    5. SLAT-ED trial: Balanced Crystalloids versus Saline in Noncritically Ill Adults. N Engl J Med. 2018;378(9):819-828. doi:10.1056/NEJMoa1711586
    6. Zampieri FG, Machado FR, Biondi RS, Freitas FGR, Veiga VC, Figueiredo RC, Lovato WJ, Amêndola CP, Serpa-Neto A, Paranhos JLR, Guedes MAV, Lúcio EA, Oliveira-Júnior LC, Lisboa TC, Lacerda FH, Maia IS, Grion CMC, Assunção MSC, Manoel ALO, Silva-Junior JM, Duarte P, Soares RM, Miranda TA, de Lima LM, Gurgel RM, Paisani DM, Corrêa TD, Azevedo LCP, Kellum JA, Damiani LP, Brandão da Silva N, Cavalcanti AB; BaSICS investigators and the BRICNet members. Effect of Intravenous Fluid Treatment With a Balanced Solution vs 0.9% Saline Solution on Mortality in Critically Ill Patients: The BaSICS Randomized Clinical Trial. JAMA. 2021 Aug 10;326(9):1–12. doi: 10.1001/jama.2021.11684.
    7. Finfer S, Micallef S, Hammond N, Navarra L, Bellomo R, Billot L, Delaney A, Gallagher M, Gattas D, Li Q, Mackle D, Mysore J, Saxena M, Taylor C, Young P, Myburgh J; PLUS Study Investigators; Australian New Zealand Intensive Care Society Clinical Trials Group. Balanced Multielectrolyte Solution versus Saline in Critically Ill Adults. N Engl J Med. 2022 Mar 3;386(9):815-826. doi: 10.1056/NEJMoa2114464.

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