Alternativa de neuropatia induzida por vincristina em Linfoma Difuso de células B

Um estudo retrospectivo desenvolvido em dois centros austríacos avaliou 987 submetidos ao esquema R-CHOP para tratamento de LDGCB.

Sabemos que o tratamento de primeira linha mais utilizado para Linfoma Difuso de Grandes Células B (LDGCB), um subtipo de Linfoma Não-Hodgkin, é o regime R-CHOP, que consiste na associação das seguintes drogas: rituximabe, ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisona. Acontece que um dos principais eventos adversos dessa terapêutica é a polineuropatia periférica induzida pela vincristina, uma complicação com características sensitivo-motoras que pode ser limitante para o paciente.

No meu caso, a paciente em questão, na faixa etária entre 50 e 65 anos com o diagnóstico de um LDGCB não centro germinativo com IPI de alto risco e CNS-IPI intermediário evoluiu com uma síndrome do pé-caído (toxicidade CTCAE grau 3 a 4) sem evidências de invasão do sistema nervoso central pela análise de líquor e imagem de neuroeixo.  

Após suspensão da vincristina e início de vinorelbina na dose de 30mg endovenoso no D1 do ciclo, mantendo-se as outras drogas nas mesmas dosagens, a paciente apresentou melhora do quadro neurológico e manteve resposta completa obtida até o quinto ciclo com esquema inicial R-CHOP. O estudo publicado por pesquisadores austríacos no periódico Suportive Care in Cancer em fevereiro de 2021 trata desse tema.

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Métodos 

É um estudo retrospectivo, desenvolvido em dois centros austríacos que avaliou 987 submetidos inicialmente ao esquema R-CHOP para tratamento de LDGCB pacientes admitidos em ambos os serviços entre os anos de 2001 e 2020. Pacientes portadores do HIV, linfomas indolentes transformados, linfoma de Burkitt ou Burkitt-like e pacientes que não receberam doses completas do esquema R-CHOP em regime de 21 dias foram excluídos. Importante destacar aqui que os ajustes nas doses não foram estabelecidos previamente em protocolo, tendo em vista que são dados obtidos a partir de prontuário, o que pode ser colocado como uma fraqueza do estudo. Dos 987 pacientes, apenas 605 correspondiam à coorte na qual foi avaliada a troca de esquema (um total de 199 pacientes realizaram a referida troca: regime VINO-R-CAP).  

Os pesquisadores utilizaram a versão 3.0 do guideline do CTCAE para graduação da neuropatia periférica induzida pela vincristina (NPIV). Utilizaram também o score cTNS (Clinical Total Neuropathy Score), validado para aferição da NPIV e que leva em consideração sete parâmetros sensitivo-motores para essa avaliação. 

Resultados 

Apesar de não ser o objetivo primário do estudo, os pesquisadores pegaram a coorte de um dos centros (387 pacientes) e avaliaram a sobrevida global (SG) e a sobrevida livre de progressão (SLP) em cinco anos de indivíduos que foram submetidos às doses totais de vincristina (1,4mg/m² até um máximo de 2mg por dose) versus pacientes que tiveram a dose reduzida para 1mg/dose ou suspensão da droga. Os resultados foram: SG de 72.6% (95% IC, 75.9 – 69.1) e SLP 63.1% (58.3 – 68.0) para o primeiro grupo, e SG 60.6% (64.4 – 66.5) e SLP 51.7% (41.1 – 61.0%) em pacientes do segundo grupo (log-rank p = 0.022; p = 0.028 para SG e SLP, respectivamente).

Observação importante: o estudo não foi inicialmente desenvolvido para tanto e, no segundo grupo, tivemos pacientes submetidos à redução de dose ou suspensão da droga sem detalhamento adequado com relação ao número de ciclos prévios ou número absoluto de pacientes de cada intervenção. Os dados citados anteriormente reduzem a força da associação observada, porém estão em acordo com dados da literatura que sugerem uma diminuição de eficácia com a retirada da droga.  

A segunda coorte, de 605 pacientes, tinha uma mediana de idade de 65 anos, 49% do sexo feminino, mediana de NCCN-IPI de 03 pontos, 50% de pacientes com estadiamento de Lugano entre III e IV ou manifestação extranodal ou células não centro germinativo. A taxa de resposta global do grupo foi de 90% com uma SG de 70% em 5 anos. 199 pacientes foram submetidos ao regime VINO-R-CAP em substituição ao R-CHOP após uma mediana de 2 ciclos pelo desenvolvimento de NPIV. Uma melhora pôde ser observada em 79% dos pacientes quando avaliados pelo CTCAE e 53% dos pacientes avaliados pelo cTNS (apenas 2% e 6% de piora, respectivamente).

A redução foi de 1,1 pontos na primeira escala e 0,6 na segunda. Importante: apesar da descrição de melhora com resultado estatisticamente significativo, não podemos estabelecer que essa melhora foi sentida clinicamente. Entendemos que, para um paciente com neuropatia grau 4 do CTCAE, uma redução para grau 3 pode não fazer diferença para as atividades de vida diária ou qualidade de vida.  

Houve ainda, por parte dos autores, uma tentativa de comparação de SG e SLP em 5 anos entre o grupo que trocou para vinorelbina versus indivíduos que realizaram o esquema R-CHOP em dose completa. Neste sentido, a SG foi de 75% para o grupo intervenção versus 70% do grupo tratamento padrão (p = 0,063; resultado não significativo) enquanto a SLP foi de 73% versus 62% (p=0,045; estatisticamente significante). Tal superioridade em termos de SLP foi observada quando da análise multivariada para variáveis de alto risco como IPI, perfil de célula de origem, duplo expressor, dentre outros. Infelizmente, o estudo não foi desenvolvido com esse objetivo e, portanto, não podemos chegar a recomendações. 

Conclusões 

O estudo aborda uma possível alternativa aos pacientes que desenvolvem neuropatias limitantes com a vincristina e propõe um esquema viável do ponto de vista operacional com base em dados de vida real. Importante notarmos que a redução de dose da vincristina tem demonstrado em diversos estudos uma tendência à piora nos resultados observados nos pacientes com LDGCB. Quando muito, mostra não haver impactos, mas nunca uma melhora nos resultados.  

Mensagem prática 

A vinorelbina é um alcalóide da vinca utilizado há mais tempo na prática clínica sem diferenças em termos de perfil de segurança com relação à vincristina em coortes semelhantes de pacientes. No mais, apesar do estudo não ter força estatística suficiente, houve uma tendência de benefício aos pacientes submetidos ao regime VINORCAP. Porém, frente às observações já feitas, não é viável recomendar que este seja o tratamento de primeira linha para os pacientes.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Hatzl, S., Posch, F., Rezai, A. et al. Vinorelbine as substitute for vincristine in patients with diffuse large B cell lymphoma and vincristine-induced neuropathy. Support Care Cancer 29, 5197–5207 (2021). https://doi.org/10.1007/s00520-021-06059-2