Antibióticos administrados na infância influenciam na doença celíaca no futuro?

Compreender os diversos fatores que predispõem ao desenvolvimento da doença celíaca é um grande desafio. Saiba mais.

A doença celíaca (DC) é caracterizada por ser uma doença de caráter autoimune, com manifestações sistêmicas em indivíduos com predisposição genética prévia, quando expostos ao glúten. Nos últimos anos, o diagnóstico tem se tornado cada vez mais comum, devido às melhorias dos métodos diagnósticos e à disseminação das informações sobre os sinais e sintomas da DC.  

Compreender os diversos fatores que predispõem ao desenvolvimento da doença celíaca é um grande desafio. Dentre esses fatores, destacam-se os fatores genéticos como a presença dos HLA DQ2 e DQ8 e os diversos fatores ambientais.  

caixa de remedio aberta

Métodos

Com o objetivo de avaliar a correlação entre o desfecho diagnóstico precoce de doença celíaca e o uso prévio de supressão ácida, através da utilização de inibidor de bomba de prótons (IBP) ou de ​​antagonistas do receptor de histamina-2 (H2RA) e também do uso de antibióticos durante os primeiros seis meses de vida, Nylund e colaboradores realizaram um estudo de coorte retrospectivo, utilizando o banco de dados do Military Healthcare System (MHS), avaliando crianças nascidas de 1º de outubro de 2001 a 30 de setembro de 2013, com relato em prontuário de uso de antibióticos, IBP e H2RA nos primeiros seis meses de vida. 

Resultados

Após a utilização da regressão de riscos proporcionais de Cox para calcular a razão de risco (RR) de desenvolver DC com base na exposição às medicações acima citadas, em crianças com o diagnóstico de doença celíaca, os resultados  relevantes após um tempo médio de 4,6 anos de seguimento foram os seguintes:  

  • Um total de 968.524 crianças atenderam aos critérios de inclusão e tiveram os dados das consultas presentes na MHS; 
  • 472.564 (49%) pacientes eram do sexo feminino 
  • Um total de 256.262 (26%) nasceram de cesariana; 
  • Cerca de 37.145 (4%) eram prematuros;  

Em relação ao uso de antibióticos e supressores ácidos: 

  • 181.166 (19%) tinham prescrição de antibiótico; 
  • 79.319 (8%) tinham prescrição de H2RA; 
  • 18.911 (2%) receberam prescrição de IBP;

Um total de 1.704 crianças foram diagnosticadas com DC durante o período do estudo. 108 pacientes foram excluídos por terem diagnóstico de doença celíaca presente em seu prontuário antes dos 6 meses de idade. 

Os dados apresentados evidenciaram um risco aumentado para o desenvolvimento de DC associado à exposição a IBP (RR, 2,23; IC 95%, 1,76-2,83),  ao H2RA (RR, 1,94; IC 95%, 1,67-2,26) e também exposição a antibióticos (RR , 1,14; 95% CI, 1,02-1,28). Não houve um significância estatística em relação à prematuridade (RR, 1,06; IC 95%, 0,84-1,35) nem o tipo de parto, cesariana versus parto vaginal (RR, 1,03; IC 95%, 0,93-1,15) com o aumento do risco de DC. 

De forma geral,  a maior tempo de duração da exposição  à supressão ácida foi associado a maior risco. A prescrição de IBP inferior a 60 dias foi associada à taxa de risco de 1,94 (IC 95%, 1,42-2,65) e aumentou para 2,71 (IC 95%, 1,96-3,75) quando a prescrição se estendeu além de 60 dias. O mesmo se aplicou para o  H2RA, que com menos de 60 dias de uso foi associado à uma taxa de risco de 1,65 (IC 95%, 1,35-2,01) que aumentou para 2,34 (IC 95%, 1,92-2,86) quando o uso era superior a 60 dias . 

Quando os pacientes receberam várias classes de medicamentos (IBP, H2RA ou antibióticos), a taxa de risco para o desenvolvimento subsequente de DC aumentou com cada classe de medicamento adicional. Uma classe de medicamentos teve o risco absoluto de 1,34 (IC 95%, 1,20-1,50). Se duas classes foram prescritas, isso aumentou para 2,51 (IC 95% 2,03-3,12) e com a exposição a todos os três (IBP, H2RA e antibióticos) o RR aumentou para 5,43 (IC 95%, 3,73-7,91).  

Considerações 

Diversos fatores modificáveis estão implicados na  predisposição para doença celíaca. Como os citados no artigo em questão, o uso de medicações antibióticas e supressores ácidos mostraram-se como fatores que potencializam a possibilidade de desenvolvimento da DC, especialmente quando utilizados no primeiro ano de vida.  

Várias teorias tentam explicar tais resultados apresentados neste trabalho, como a teoria relacionada à degradação de proteínas, as alterações da permeabilidade da mucosa e alterações do microbioma. 

Acredita-se que a diminuição da supressão ácida resulte em  uma degradação incompleta das proteínas e que isso possa ser um gatilho para o desenvolvimento de DC.  Em relação à permeabilidade da mucosa e a interação com o microbioma, há evidências de que alterações da permeabilidade podem facilitar o desenvolvimento da DC, visto que  a  zonulina, um regulador das junções estreitas intestinais e da permeabilidade intestinal, em níveis mais altos estão ligados a maior permeabilidade da mucosa e translocação bacteriana, sendo sua produção mais expressiva em indivíduos com DC.

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Mensagem prática 

Nesse contexto, reforçam as medidas que fomentam o uso racional dos medicamentos, principalmente antibióticos e agora os supressores ácidos, por estarem relacionados a agravos bem conhecidos como a resistência antimicrobiana, alteração da composição da microbiota intestinal, alterando sua permeabilidade e causando disbiose e agora, predispondo ao desenvolvimento da doença celíaca.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Boechler M, Susi A, Hisle-Gorman E, Rogers PL, Nylund CM, Acid Suppression and Antibiotics Administered During Infancy Are Associated with Celiac Disease, The Journal of Pediatrics (2022), doi: https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2022.10.013.