O Sacubitril/valsartana possui benefícios mais claramente evidentes em pacientes com insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida (ICFER). Acontece que até hoje poucos estudos haviam avaliado a segurança e a eficácia do sacubitril/valsartana quando iniciado em pacientes hospitalizados por insuficiência cardíaca (IC) descompensada ou logo após uma descompensação da IC. Vamos falar hoje sobre dois estudos que abordaram esse tema.
O estudo PARAGLIDE-HF (Prospective comparison of ARNI with ARB Given following stabiLization InDEcompensated HfpEF) avaliou o uso de sacubitril/valsartana em comparação com valsartana entre pacientes com IC com FE> 40% e um evento de descompensação recente, dos quais 69,5% iniciaram a terapia ainda hospitalizados. Como o objetivo principal do PARAGLIDE-HF foi avaliar alterações nos níveis de peptídeo natriurético (BNP), o estudo não teve poder para avaliar resultados clínicos.
O estudo PIONEER-HF (Comparison of Sacubitril/Valsartan Versus Enalapril on Effect of NT-proBNP in Patients Stabilized From an AcuteHeart Failure Episode) testou o início durante a internação de sacubitril/valsartan em comparação com enalapril entre pacientes com IC com FE < 40% que foram hospitalizados com IC descompensada. O desfecho primário foi também a alteração nos níveis de peptídeo natriurético ao longo de 8 semanas com análise subsequente de um composto de morte cardiovascular ou reinternação por IC. Uma análise agrupada dos ensaios PIONEER-HF e PARAGLIDE-HF foi realizada para melhor estimar a segurança e eficácia do sacubitril/valsartan quando iniciado durante a hospitalização ou em até 30 dias após um evento de descompensação entre pacientes com IC em todos os espectros de FE.
Os dois estudos foram randomizados, multicêntricos e duplo cegos
Em ambos os ensaios, os pacientes apresentavam sinais e sintomas de IC, juntamente com uma concentração elevada de BNP ou NT-proBNP. Todos estavam hemodinamicamente estáveis — com uma pressão arterial sistólica > 100 mmHg nas 6 horas anteriores, sem aumento de diuréticos intravenosos ou uso de vasodilatadores intravenosos durante esse período e sem inotrópicos intravenosos administrados nas 24 horas anteriores. Os principais critérios de exclusão para ambos foram síndrome coronariana aguda, cirurgia cardíaca ou revascularização coronária percutânea no mês anterior ou disfunção renal grave.
O desfecho primário de eficácia em ambos os estudos foi a mudança proporcional do NT-proBNP desde o início até as semanas 4 e 8.
A incidência dos seguintes eventos adversos foi avaliada em ambos os ensaios: angioedema, hipotensão sintomática, hipercalemia (potássio > 5,5 mEq/L) e piora da função renal (aumento da creatinina em 0,5 mg/dL ou piora da taxa de filtração glomerular em 25% em relação ao valor basal).
A análise conjunta dos dois ensaios incluiu 1.347 pacientes (881 do ensaio PIONEER-HF e 466 do ensaio PARAGLIDE-HF). A mediana de idade foi de 66 anos. No geral, 36% dos pacientes eram mulheres e 31% se autodenominavam negros. A FE média foi de 30% e 92% da população tinha FE < 60%. Antes da descompensação, 42% dos pacientes não estavam usando nem BRA nem IECA.
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Resultados
68% dos pacientes iniciaram a dose mais baixa do medicamento e 32% no nível de dose 2. Na consulta da semana 8, as proporções de pacientes que receberam os níveis de dose 1, 2 e 3 como dose máxima foram de 26%, 22% e 51%, respectivamente, com uma proporção maior atingindo o nível de dose 3 no PIONEER-HF.
A redução média do tempo na concentração de NT-proBNP foi 24% maior no grupo sacubitril/valsartana versus o grupo controle (0,76; IC95%: 0,69-0,83; P < 0,0001). A maior redução na concentração de NT-proBNP com sacubitril/valsartana em comparação com a terapia de controle foi evidente já na consulta da semana 1.
Houve evidência de efeito do tratamento no subgrupo com FE abaixo do normal (< 60%), mas não naqueles com FE > 60%. A proporção de alteração com sacubitril/valsartana versus terapia controle foi de 0,73 (IC 95%: 0,66-0,81) no grupo com FE < 60% e 1,16 (IC 95%: 0,82-1,63) no grupo com FE > 60%.
Nesta análise pré-especificada dos ensaios randomizados PIONEER-HF e PARAGLIDE-HF, sacubitril/valsartana reduziu morte cardiovascular ou hospitalização por IC em comparação com enalapril ou valsartana entre pacientes com um evento recente de descompensação. O benefício da terapia ARNI ocorreu naqueles com IC crônica agudizada e IC de novo, naqueles que começaram a medicação ainda hospitalizados e também nos que começaram ambulatorialmente logo após descompensação.
Em comparação com a terapia de controle, o tratamento com sacubitril/valsartana resultou em uma redução 24% maior da concentração de peptídeo natriurético em relação ao valor basal e uma redução relativa de 30% na morte cardiovascular ou hospitalização por problemas cardíacos.
A análise revelou que aproximadamente uma morte cardiovascular ou hospitalização por IC poderia ser evitada nas primeiras oito semanas para cada 22 pacientes tratados com sacubitril/valsartana versus terapia de controle após um evento de descompensação.
Em relação aos efeitos adversos, o início precoce da terapia com ARNI foi geralmente bem tolerado, mas aumentou a taxa de hipotensão sintomática. Apesar desse aumento na hipotensão sintomática, a terapia com ARNI não resultou em aumento de hospitalizações, hipercalemia ou piora da função renal.
Considerações
Esses dados destacam a oportunidade de otimizar a terapia médica na população de alto risco logo após um evento de descompensação.
Os estudos tiveram limitações. Em primeiro lugar, ambos os ensaios tinham dados faltantes para a análise de desfecho primário baseado em NT-proBNP.
Em segundo lugar, a duração do acompanhamento de ambos os ensaios foi relativamente curta. No entanto, a avaliação da eficácia e segurança a longo prazo do sacubitril/valsartan foi estudada separadamente em grandes ensaios randomizados.
Em terceiro lugar, no momento da realização destes ensaios, poucos pacientes estavam usando um inibidor do cotransportador-2 de sódio-glicose. Estudos futuros serão necessários para estudar a eficácia e segurança combinadas dessas terapias para IC no cenário agudo.
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Conclusões
A análise conjunta dos ensaios PIONEER-HF e PARAGLIDE-HF fornece evidências adicionais que demonstram consistência da terapia ARNI para redução de NT-proBNP e morte cardiovascular ou hospitalização por insuficiência cardíaca (IC) em todo o espectro de FE <60%, incluindo aqueles com FE levemente reduzida.
Os profissionais devem estar atentos à possibilidade de hipotensão sintomática e ajustar a titulação da dosagem de sacubitril/valsartana conforme necessário, bem como considerar a alteração da terapia diurética concomitante ou de outros agentes redutores da pressão arterial.