Beta-arrestina-1 e escores poligênicos como preditores de agonistas do GLP-1l

Os agonistas de GLP-1 podem agir de formas diferentes, gerando diferentes configurações ativas do GLP-1R, alterando o acoplamento relativo e a atividade de vias pós-receptor.

O tratamento do diabetes mellitus tipo 2 (DM2) vem passando por alterações significativas nos últimos anos. Com o advento dos CVOTs (Cardiovascular Outcome Trials) – estudos de segurança para medicações anti diabetes – foi observado que algumas medicações poderiam ter o potencial de, além de trazer um bom controle glicêmico, reduzir “per se” o risco cardiovascular em determinados pacientes. É o caso da maioria das medicações da classe dos agonistas de GLP-1. Por tal motivo, e por diversos outros benefícios que tais medicações vem demonstrando nos estudos e também na prática clínica, a via do GLP-1 tem sido cada vez mais profundamente estudada. 

Agonistas de GLP-1 agem a partir da interação com o receptor de GLP-1 (GLP1R), que ativa uma cascata de reguladores intracelulares, incluindo a subunidade Gαs, que ativa a adenilato ciclase, aumentando a concentração intracelular de AMPc e Beta arrestinas, que possuem papéis mais complexos na transdução do sinal. Ao final, existe maior liberação de insulina. Fisiologicamente o GLP-1 é produzido pelas células L intestinais mediante o aporte intestinal de glicose – por isso são consideradas “incretinas”, ou seja, moléculas capazes de induzir o aumento de produção de insulina mediado por glicose via enteral.  

Recentemente, em 2022, foi publicado no Lancet Diabetes and Endocrinology o artigo “Pharmacogenomics of GLP-1 receptor agonists: a genomewide analysis of observational data and large randomised controlled trials, que buscou avaliar o papel da análise de variantes genéticas capazes de predizer maior ou menor resposta dos agonistas do GLP-1 no tratamento do DM2. O artigo ainda recebeu o comentário do Dr. Robert Sladek (McGill University), do departamento de medicina e genética humana.  

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Bioquímica (relativamente) descomplicada: ligantes enviesados 

A forma de ação dos agonistas de GLP-1 no receptor é um exemplo do que é chamado de “Ligand-biased agonism”, ou numa tradução livre, agonistas enviesados. O receptor GLP1R, da célula beta pancreática, é acoplado a um sistema de segundos sinalizadores via proteína G (e suas subunidades) e a via da Beta arrestina. 

Numa interação normal entre ligante e receptor, um sistema não enviesado tem a capacidade de gerar a resposta 1:1 na sinalização entre vias (no caso do GLP-1, via Proteína G e via B arrestina). A via da proteína G, com amplificação do AMPc, aumento do cálcio intracelular e consequente liberação de insulina é a via de interesse para que haja ao final a liberação de insulina.  

Os agonistas de GLP-1 podem agir de formas diferentes, gerando diferentes configurações ativas do GLP-1R, alterando o acoplamento relativo e a atividade de diferentes vias pós-receptor. Ainda, é de grande interesse para o design de novas drogas para o diabetes. Inclusive, a tirzepatida (agonista dual de GIP e GLP-1) se utiliza desta tecnologia, agindo de forma enviesada no receptor de GLP-1 e também no GIP. 

Ainda, é importante entender que o receptor também pode ser enviesado por alterações presentes na própria via, onde a resposta à ação de um agonista pode não ser a esperada. Um exemplo é que proteínas G que por algum motivo não tem sua porção C-terminal, acabam desviando para a via da proteína G, enquanto que a maior expressão gênica de co-fatores ou mesmo da própria beta arrestina podem “desviar” a resposta para sua via. Da mesma forma, a hipoexpressão da beta arrestina poderia desviar a resposta para a via da proteína G, aumentando assim os efeitos dos agonistas de GLP-1 na secreção de insulina. 

É POSSÍVEL PREVER A RESPOSTA AOS AGONISTAS DE GLP-1? 

Essa foi a resposta que o estudo publicado no Lancet em 2022 tentou trazer. No estudo de Adem et al, os investigadores buscaram responder se variantes genéticas seriam capazes de predizer quais pacientes com DM2 respondem melhor ao tratamento com agonistas de GLP-1. 

Para tanto, foram utilizados dados de participantes tratados com agonistas de GLP-1 de 4 estudos observacionais (DIRECT, PRIBA, PROMASTER, and GoDARTS)  e 2 ensaios clínicos randomizados ((HARMONY phase 3 and AWARD), totalizando 4571 adultos (73% europeus brancos, 10% hispânicos). Foi avaliado a hemoglobina glicada (HbA1c) inicial e 6 meses depois do início da droga em todos os participantes. 

Para a seleção dos genes, os autores utilizaram um método “genome-wide” e variante candidata. Para a análise de variantes candidatas, foram escolhidas duas variantes não-sinônimas no gene GLP1R (rs6923761G→A (Gly168Ser) e rs10305420C→T (Pro7Leu), previamente reportadas por alterar a resposta aos agonistas de GLP-1. 

EFEITO NA RESPOSTA AOS AGONISTAS DE GLP-1 

Nos resultados, foi observado que a mutação missense no gene GLP1R (rs6923761G→A (Gly168Ser) teve relação direta com a resposta ao GLP-1. Para cada cópia de alelo serina, houve uma menor redução na A1c. 

Pela análise genome-wide, o gene da β-arrestina 1 (ARRB1), também teve correlação – a baixa frequência e variantes raras nesse gene estavam associados a maior redução na HbA1c, sendo que 4 variantes tiveram maior impacto (rs140226575G→A (Thr370Met, MAF=2∙2%), rs78979036G→A (Thr275Ile, MAF=0∙06%), rs58428187T→C (Ile158Val, MAF=0∙03%), and rs78052828T→C (Gly411Ser, MAF=0∙08%).  

Um Score poligênico combinando variantes dos dois genes (GLP1R e ARRB1) mostrou que a resposta ao agonista de GLP-1 foi diferente em perfis de diferentes expressões gênicas. Agrupando os 4% que apresentavam uma ou mais variantes ARRB1 e nenhum alelo serina (Gly168Ser) – ou seja, aqueles com variantes favoráveis a uma maior resposta aos agonistas de GLP-1 comparado aos 9% de pior resposta – que não carreavam nenhuma variante ARRB1 e 2 cópias do GLP1R Gly168Ser, a diferença na Hemoblogina glicada entre os grupos ao final de 6 meses foi de 0,3% (-1,3% vs -1,0%; p<0∙0001). 

OPINIÃO DE ESPECIALISTAS  

Segundo o Dr. Sladek, cujo comentário sobre o tema foi publicado no Lancet Diabetes em 2023, o estudo mostrou o quão complexa é a via de interação entre GLP-1 e seu receptor, envolvendo diversos pequenos “loci genéticos” com baixos efeitos individuais. Por tal motivo, encontrar um modelo preditor ou então genes e variantes alélicas que possam predizer a resposta aos agonistas de GLP-1, sobretudo caso tais variantes sejam incomuns, deverá ser uma tarefa difícil. A forma que ele sugere em seu comentário para tentar minimizar o problema é estudando coortes com ancestralidades diferentes (com intuito de encontrar variantes genéticas diferentes) e utilizar predição funcional in silico para testar variantes, com objetivo de entender se de fato ela pode surtir efeitos funcionais na via. Ainda, o mesmo destaca que a triangulação entre o efeito de variantes genéticas na sinalização do GLP1R e a resposta clínica dos agonistas de GLP-1 pode trazer dados importantes para o desenvolvimento de outras terapias-alvo no tratamento do DM2. 

CONCLUSÃO 

A farmacogenômica já é uma realidade e pode auxiliar na prática clínica. Apesar de ainda não se tratar da prática nacional, nos EUA, por exemplo, já estão disponíveis a nível clínico testes para avaliar o perfil de resposta a determinados antidepressivos. Considerando-se o custo dos agonistas de GLP-1, pode ser que um dia seja custo-efetivo avaliar se existe uma boa chance de resposta ou há algum preditor que indique o contrário. Por enquanto, os resultados ainda são embrionários e não muito significativos do ponto de vista clínico. No entanto, existe motivo para se animar: o avanço no tratamento do diabetes cresce a cada dia e existe a perspectiva da chegada de novas moléculas capazes de melhorar ainda mais o controle glicêmico e com benefícios adicionais como perda de peso e redução do risco cardiovascular, como a tirzepatida (já comercializada nos EUA) e outras medicações ainda em fase de estudo. 

 

Este artigo foi produzido em parceria com a Elsevier, utilizando os conteúdos baseados em evidências disponíveis na plataforma ClinicalKey. Clique aqui para saber mais.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Sladek R. Predicting the response to GLP-1 receptor agonists: an unexpected role for β-arrestin-1. Lancet Diabetes Endocrinol. 2023 Jan;11(1):3-4. doi: 10.1016/S2213-8587(22)00357-6. PMID: 36528348. https://www.clinicalkey.com/
  • !/content/journal/1-s2.0-S2213858722003576 Dawed AY, Mari A, McDonald TJ, et al. Pharmacogenomics of GLP-1 receptor agonists: a genomewide analysis of observational data and large randomised controlled trials. Lancet Diabetes Endocrinol. 2022; 11: 33-41  Smith JS, Lefkowitz RJ, Rajagopal S. Biased signalling: from simple switches to allosteric microprocessors. Nat Rev Drug Discov. 2018 Apr;17(4):243-260. doi: 10.1038/nrd.2017.229. Epub 2018 Jan 5. PMID: 29302067; PMCID: PMC5936084