Cannabis e fibromialgia: possibilidade de tratamento em uma patologia desafiadora

Estudo aponta que o uso da cannabis medicinal mostra-se promissor no tratamento da fibromialgia, com evidências positivas dessa abordagem.

A fibromialgia é uma patologia reumatológica não articular, crônica, com quadro álgico musculoesquelético, caracterizado por uma hipersensibilidade em centros aferentes, com consequente dor, principalmente em esqueleto axial 1. Além disso, caracterizando uma síndrome, os pacientes também podem apresentar sintomas ansiosos, insônia, depressão fadiga 2. É também uma patologia predominantemente presente no sexo feminino, com grande impacto na qualidade de vida, e prevalência variável em diversos países 3. No Brasil, estima-se uma prevalência de 2,5% na população, sendo a maioria do sexo feminino, e idade entre 35 a 44 anos 4.

O tratamento da patologia ainda é desafiador, e a abordagem multidisciplinar faz-se necessária para melhor controle da patologia e melhora da qualidade de vida dos pacientes com a síndrome. O tratamento medicamentoso compreende o uso de antidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos de recaptação de serotonina, analgésicos, relaxantes musculares, dentre outras drogas5. E embora uma ampla terapêutica disponível na prática clínica, uma parcela dos pacientes ainda apresenta controle irregular da doença com consequente impacto na funcionalidade e qualidade. Dessa forma, a cannabis medicinal mostra-se promissora na abordagem da fibromialgia. Existem 2 receptores conhecidos de canabinóides endógenos (endocanabinóides): CB1 e CB2, onde o CB1 é encontrado principalmente no sistema nervoso central e CB2 é encontrado em diferentes órgãos do corpo, e a ativação de CB1 resulta em uma diminuição dos sinais sinápticos e da excitabilidade neurológica, podendo ser o mecanismo fisiopatológico para controle de sintomas na fibromialgia6.

Em um estudo publicado no periódico Journal of clinical rheumatology7 avaliou o uso da cannabis medicinal em pacientes israelenses com fibromialgia. Foram incluídos no trabalho 26 pacientes, sendo 19 pacientes do sexo feminino (73%), com idade média de 37,8 ± 7,6 anos. Após o início do uso da cannabis medicinal, todos os pacientes relataram uma melhora significativa em todos os parâmetros do questionário RFYQ (do inglês Revised Fibromyalgia Impact Questionnaire), e 13 pacientes (50%) pararam de tomar qualquer outro medicamento para fibromialgia. Oito pacientes (30%) tiveram efeitos adversos muito leves.

Com dados observacionais, em um estudo prospectivo pacientes com fibromialgia acompanhados em clínicas especializadas em cannabis foram acompanhados por 6 meses de tratamento, entre os anos 2015 e 20178. Entre os 367 pacientes com fibromialgia, a média de idade foi de 52,9 ± 15,1, dos quais 301 (82,0%) eram mulheres. A intensidade da dor (escala 0-10) reduziu de uma mediana de 9,0 no início do estudo para 5,0 (p < 0,001), e 194 pacientes (81,1%) obtiveram resposta ao tratamento. Em uma análise multivariada, idade acima de 60 anos (odds ratio [OR] 0,34, 95% IC 0,16–0,72), preocupações com o tratamento com cannabis (OR 0,36, 95% C.I 0,16–0,80), espasticidade (OR 2,26, 95% C.I 1,08) –4,72) e uso prévio de cannabis (OR 2,46 95% C.I 1,06–5,74) foram associados aos resultados positivos do tratamento. Os efeitos adversos mais comuns foram leves e incluíram tontura (7,9%), boca seca (6,7%) e sintomas gastrointestinais (5,4%).

A partir dos resultados de estudos publicados até o momento, os dados com cannabis e tratamento de fibromialgia são promissores, com evidências positivas a cerca dessa abordagem. Ressalta-se ainda que novos ensaios clínicos robustos com números maiores de participantes são necessários para melhor conhecer os benefícios nesse perfil clínico de pacientes, bem como confirmar os dados positivos de resposta e segurança clínica nessa população.

Autor:
Dr. Pedro Alvarenga

Graduado em Medicina pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (2017), concluiu residência em Medicina Interna (2020) pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG) e Especialização em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Belo Horizonte (2022). Possui mestrado em Medicina Molecular (2019) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Preceptor nos programas de residência médica do Complexo Hospitalar de Contagem e Complexo de Especialidades HAC/HJK da FHEMIG….
Veja mais em – Portal PEBMED: https://pebmed.com.br/cannabis-e-dor-da-fisiopatologia-aos-ensaios-clinicos/?utm_source=artigoportal&utm_medium=copytext

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
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