Caso clínico: Grave trauma semelhante ao clássico caso de Phineas Gage

Em 1848, Phineas Gage teve um grave acidente de trabalho com uma barra de ferro com lesão transfixante em face e lobo frontal.

Os casos de Phineas Gage acidentado aos 25 anos e o paciente de 43 anos recentemente operado por nossa equipe, do sexo masculino estão separados por 175 anos 

Em 1848, Phineas Gage teve um grave acidente de trabalho com uma barra de ferro com lesão transfixante em face e lobo frontal. Foi tratado pelo médico John Harlow. O paciente após a terapêutica instituída ficou com a morbidade de alteração comportamental e sem seu olho esquerdo.

Após 175 anos, um caso com extrema semelhança pode nos ajudar a reconhecer uma importante função cerebral. 

O caso

Paciente de 43 anos em 2023 estava trabalhando na construção civil. Ao subir a escada para ajudar na montagem do telhado, o paciente sofreu uma queda e sobre seu olho esquerdo caiu a telha de amianto que segurava. Um grande fragmento transfixou a face pelo zigoma e órbita, penetrou pela cavidade craniana pelo teto da órbita com laceração do lobo frontal esquerdo. O paciente foi  tratado cirurgicamente e permaneceu com alteração comportamental e com perda do olho esquerdo.

Figura 1: Lesão transfixante orbitária com grave lesão ocular.

 

Figura 2: Aspecto pós operatório imediato do olho esquerdo.

Discussão 

Função do lobo frontal

O que casos tão semelhantes podem nos revelar sobre as funções do cérebro?

Tanto Phineas Gage quanto o paciente atual, tiveram acidentes semelhantes que acometeram a mesma topografia cerebral, com desfecho neurológico parecido. Em ambos casos houve lesão traumática sobre o lobo frontal esquerdo. Ambos pacientes desenvolveram alteração comportamental. O paciente de 43 anos ficou notadamente mais comunicativo após o acometimento de lobo frontal e após 15 dias de pós-operatório já se apresentava cheio de vitalidade e vontades de trabalhar e socializar. Foi como se o paciente tivesse “perdido o freio”. Comportamento semelhante foi notado com Phineas Gage. Isso ocorreu porque o Lobo Frontal Esquerdo é responsável por, dentre outras funções, pelo controle comportamental Piadas, comentários indiscretos, atitudes inadequadas e intempestivas passam a ser comuns nesse tipo de acometimento cerebral. Assim, esses casos, mesmo separados por 175 anos, nos ajudam a lembrar sobre essa importante função cerebral, o comportamento. Sobre essa função, o Lobo Frontal Esquerdo é fundamental.

Fatos relevantes do caso

Pode parecer incrível, mas tanto Phineas Gage quanto o paciente atual apresentam um resultado extremamente positivo após a terapêutica instituída. Sobre o procedimento cirúrgico do paciente de 43 anos, houve preparo pré operatório cauteloso para o sucesso cirúrgico. 

Para falar sobre o planejamento cirúrgico, o detalhamento do caso é fundamental. O exame inicial do paciente de 43 anos revelou ECG 13, devido à sonolência e confusão. Havia sangramento ativo na via aérea, com vômitos sanguinolentos e rinoliquorreia (notado pelo sinal do duplo halo).  A tomografia computadorizada (TC) de crânio revelou contusão cerebral com efeito de massa e presença de corpo estranho desde o zigoma até o lobo frontal, com hemorragia subaracnóidea (HSA) e fragmentos de crânio ao longo do trajeto com desvio de linha média (sinais de hipertensão intracraniana).

Figura 3: Tomografia computadorizada (TC) da cabeça que revelou lesão intracraniana grave com um corpo estranho transfixante da órbita ao lobo frontal esquerdo.

Uma craniectomia imediata para descompressão era necessária para evitar o deterioramento neurológico do paciente, que já estava sonolento e confuso, além de ser necessário o controle do sangramento pela via aérea e retirada do corpo estranho. 

Ato cirúrgico

Como entrar cirurgicamente neste paciente com segurança? Inicialmente tamponamento de via aérea por ser um corpo estranho de tão grande dimensão, a sua retirada poderia desencadear um sangramento arterial volumoso. Dessa forma, foi realizado tamponamento da nasofaringe e controle da carótida cervical esquerda. Realizada craniotomia bifrontal e aspirada contusão cerebral. Retirado o corpo estranho e fragmentos ósseos sob visão direta do componente Intracraniano. Posteriormente foi reconstituída a duramáter da base anterior do crânio, com retalho de pericrânio frontal pediculado. Dado o edema cerebral já presente no momento da cirurgia, o paciente foi deixado com janela de craniectomia descompressiva. A Equipe Oftalmológica procedeu à enucleação ocular e sutura facial. O paciente foi levado ao CTI para cuidados intensivos.

Seguimento do caso

A TC de crânio pós-operatória revelou hematoma intraparenquimatoso residual discreto devido à manipulação cirúrgica, pneumoencéfalo, edema cerebral em hemisfério esquerdo, herniação transcraniectomia e pequeno hematoma subgaleal.

Figura 4: Tomografia computadorizada (TC) pós-operatória revelou hemorragia subaracnóidea residual, hematoma intraparenquimatoso discreto por manipulação cirúrgica, pneumoencéfalo, edema à esquerda, herniação de defeito de craniectomia e pequeno hematoma subgaleal.

O paciente evoluiu com melhora neurológica e foi extubado no oitavo dia de pós-operatório. Sua força motora melhorou gradualmente ao longo de sua hospitalização.  Ele recebeu antibióticos por sete dias no pós-operatório e teve alta para reabilitação no dia 11 do pós-operatório. Em sua visita de acompanhamento de duas semanas, ele estava neurologicamente intacto e sem queixa aguda. A morbidade incluiu enucleação ocular e frontalização discreta.O paciente futuramente será submetido a cranioplastia para reconstituição da calota craniana. 

Conclusão 

A aplicação das diretrizes atuais apropriadas para o tratamento foi importante para o excelente resultado. Este caso apresenta o desfecho de um paciente tratado adequadamente pelo médico Leandro Tangari e seus residentes (eu me incluo aqui como R3 do serviço). É importante fazer o destaque para a preparação pré-operatória para possíveis complicações que poderiam ser encontradas no intraoperatório.

 

Autor: Daniel Resende Belut, colunista voluntário do Portal PEBMED | Instagram: @daniel.belut

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Macmillan, Malcolm B. (2012). The Phineas Gage Information Page. The University of Akron. Recuperado em 16 de maio de 2016
  • FUSTER, Joaquin. The prefrontal cortex. Academic press, 2015.