CBMEDE 2022: Reposição volêmica na pediatria

Confira a cobertura da palestra “Reposição volêmica – algo de novo?”, apresentada pela Dra. Joelma Gonçalves Martin no CBEMED 2022.

O Portal PEBMED está em Florianópolis/SC cobrindo as novidades no manejo do paciente pediátrico no setor de Emergência no VIII CBMEDE – Congresso Brasileiro de Medicina de Emergência Adulto e Pediátrica. Na manhã de 16 de setembro, na sessão “Miscelânea na Emergência Pediátrica”, a palestra “Reposição volêmica – algo de novo?”, apresentada pela Dra. Joelma Gonçalves Martin (Botucatu/SP), abordou estudos mais recentes como relação ao uso de coloides versus cristaloide na pediatria. Conforme descrito pela Dra. Joelma, ao longo do tempo, uma “guerra” vem sendo travada em relação às indicações de ambos na reposição volêmica, e essa batalha tem sido, em geral, ganha pelos cristaloides.   

Coloides são soluções aquosas compostas por proteínas de elevado peso molecular. Aparentemente são mais eficazes porque conseguiriam reter o líquido no intravascular de forma mais efetiva. Todavia seu custo e efeitos adversos associados a eles os excluem do primeiro lugar no ranking.  

Os cristaloides são soluções com diversas composições hidroeletrolíticas, de menor custo, sendo subdivididos em soluções não balanceadas e balanceadas. A Dra. Joelma destacou que o soro fisiológico tem quantidades mais elevadas de sódio e de cloro e que o nome “fisiológico” pode não ser o mais adequado. A solução salina é, de fato, a mais utilizada. No entanto, pode induzir à acidose hiperclorêmica e suas diversas complicações: repercussões renais, como redução da taxa de filtração glomerular; aumento da mortalidade por aumentar a síndrome da resposta inflamatória sistêmica, bem como diminuir a função imune do paciente; liberação de óxido nítrico (vasodilatador), piorando a instabilidade hemodinâmica; alterações do trato digestivo, e efeito cardiodepressor, gerando miocardiodepressão, arritmias e alterações de artéria pulmonar.   

Por conta disso, surgiram estudos na literatura que sugerem a otimização de soluções balanceadas que causam menos acidose e menos distúrbios hidroeletrolíticos.  O Plasma Lyte é um excelente cristaloide balanceado, mas é de custo elevado e, provavelmente, não é uma realidade disponível na maioria das Emergências Pediátricas brasileiras. Dessa forma, em termos de solução balanceada, o ringer lactato (RL) é mais usado na prática. O pH e a quantidade de potássio do Plasma Lyte são mais baixos que do RL, ao passo que a quantidade de sódio do RL é mais próxima à osmolaridade sérica do que do Plasma Lyte. 

Os dados comparando o uso de soluções não balanceadas e balanceadas em crianças são escassos, necessitando de maior casuística. A Dra. Joelma então ilustrou três situações em que essas soluções são usadas e o que a literatura tem, de fato, recomendado.   

(A-F) bundle é usado em paciente em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica

 Cetoacidose diabética  

A primeira situação, condição bastante frequente na pediatria, é a cetoacidose diabética (CAD). A principal solução usada para reposição volêmica na CAD é o soro fisiológico (solução salina), assim como no manejo do choque e nas hidratações de manutenção. A Dra. Joelma destacou as diretrizes de 2015 do NICE (The National Institute for Health and Care Excellence) que foram atualizadas em 2020. Na atualização, os autores descrevem a necessidade de se considerar monitorar mais detalhadamente a acidose hiperclorêmica e, eventualmente, trocar as soluções salinas por balanceadas. Dessa forma, é uma opção que surge para o pediatra (até então só se usava a solução salina). Em 2015, as reposições na CAD eram mais parcimoniosas devido ao risco de edema cerebral. Hoje, ao entendermos melhor a fisiopatologia do edema cerebral (que não se restringe apenas a questão da volemia, pois há o edema provocado por lesões citotóxicas e isquêmicas), surgiu a proposta de um manejo menos restrito na questão de reposição volêmica na CAD. 

Em 2021, a British Society for Paediatric Endocrinology and Diabetes publicou suas diretrizes que orientam considerar a necessidade de reposição de 10 mL/kg de solução salina em 30 minutos em pacientes desidratados e uma reposição mais maciça de solução salina em pacientes chocados (vale a pena pontuar que a prevalência de choque na CAD não é tão elevada). Se o choque ocorrer, a solução salina é proposta na dose de 20 mL/kg em 15 minutos com sucessivas alíquotas de 10 mL/kg – considerar inotrópicos após um total de 40 mL/kg. Para manutenção, calcular o volume por meio da tradicional fórmula de Holliday-Segar.  

Por fim, com relação à CAD, a Dra. Joelma mostrou que, recentemente, em 2022, uma revisão sistemática que comparou a solução salina com soluções balanceadas (RL ou Plasma Lyte) mostrou que, aparentemente, as soluções balanceadas conseguem atingir um pH adequado de forma mais rápida. No entanto, deve-se ter cuidado com relação ao controle da glicemia (pode haver retardo na normalização da glicemia).  

Grande queimado

No grande queimado, a meta é a normalização da volemia. A hipovolemia causa hipoperfusão tecidual, que aumenta a mortalidade. Em contrapartida, a hipervolemia pode ocasionar edema cerebral, edema pulmonar e síndrome compartimental, todas deletérias para o paciente. Portanto, dosar o volume do grande queimado é de grande importância. Não se sabe qual é a fórmula ideal para esse cálculo. Os trabalhos mais recentes sugerem a utilização de RL pela fórmula de Parkland 3,0 mL/kg por superfície corporal queimada. Não existem estudos randomizados comparando RL com a solução salina, mas o RL é a solução mais usada no grande queimado. Na fórmula de Parkland, o coloide não é prescrito nas primeiras 24 horas e, nas crianças com menos de 30 kg, devemos complementar a solução com glicose, devido ao risco de hipoglicemia. O que há de comum em todas as soluções elencadas? Metade do volume calculado deve ser infundido nas primeiras oito horas (momento em que há maior extravasamento de líquido para o interstício). O restante deve ser infundido nas outras 16 horas.   

 Propostas futuras de mudança na reposição volêmica do grande queimado de acordo com uma revisão de 2017 (Romanowski e Palmieri):  

  • Albumina: não há trabalhos que mostrem que ela é mais eficaz e reduza a mortalidade associada ao grande queimado. É cara, não sendo facilmente disponibilizada e feita de rotina. Um trabalho brasileiro de 2016 mostrou que sua infusão precoce (antes de 24 horas iniciais) pode reduzir a sobrecarga hídrica posterior e o tempo de internação. No entanto, a amostra foi pequena e a superfície corporal queimada variou muito entre os pacientes. Portanto, os resultados não podem ser extrapolados para outras populações. Esse trabalho gera a seguinte pergunta: pode ser usada a albumina antes de 24 horas? – excelente proposta de pesquisa;  
  • Plasma: interessante em termos de manutenção da volemia, mas pode causar mais edema pulmonar, o que torna seu uso mais difícil, além do risco de infecções;  
  • Coloides artificiais, como hydroxyethyl starch (HES): apesar de diminuírem a hipervolemia que vem em sequência à reposição volêmica do queimado, aumentam a mortalidade e a taxa de lesão renal, não sendo cogitados como proposta;  
  • Salina hipertônica: causa hipernatremia com facilidade (valores de sódio entre 160 e 170 são atingidos muito precocemente), portanto, deve-se ter cuidado com relação à dosagem sérica de sódio e ao débito urinário;  
  • Vitamina C: alguns trabalhos mostram que sua utilização pode otimizar o balanço hídrico de pacientes tratados com solução salina hipertônica.   

 Sepse/Choque séptico 

Em 2020, houve a primeira publicação robusta sobre sepse em pediatria no contexto da Surviving Sepsis Campaign. Até pouco tempo atrás, a proposta era de se fazer bastante volume no paciente pediátrico com sepse/choque séptico. No artigo de 2020, a ideia é de que os pediatras sejam mais parcimoniosos. Ao invés do soro fisiológico 20 mL/kg,  sugere-se o uso de RL 10 a 20 mL/kg. O tempo de infusão também mudou: no lugar de se prescrever bolus em seringa ou bomba em cinco minutos, a recomendação é de que esse volume seja administrado em 15 a 20 minutos em cada uma das avaliações. 

Mais um dado importante: o local também deve ser considerado, dependendo de quem dará seguimento aos cuidados com esse paciente. O volume a ser administrado depende se esse paciente irá para uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) ou não. Não indo para a UTIP, deve-se levar em conta também se esse paciente tem ou não hipotensão. 

Quando o paciente tem previsão de ser encaminhado para uma UTIP com facilidade, bolus de solução cristaloide balanceada 10 a 20 mL/kg a cada alíquota (máximo 60 mL/kg em uma hora) devem ser utilizados. No caso de não haver disponibilidade de UTIP e o paciente não apresentar hipotensão, a Surviving Sepsis Campaign não indica o uso de bolus, somente de hidratação de manutenção (nesse caso, a administração de bolus deve ser feita somente se houver perdas, como na diarreia). No caso de não haver UTIP de fácil acesso e o paciente apresentar hipotensão (que costuma ser um sinal tardio na faixa etária pediátrica), alíquotas de 10 a 20 mL/kg são indicadas, até no máximo 40 mL/kg em uma hora. Considerar medicamentos vasoativos em caso de não haver resposta à reposição de volemia ou se o paciente apresentar sinais de congestão.

Saiba mais: Veja o que recomenda a nova diretriz de sepse em pediatria

As três situações descritas (CAD, grande queimado e sepse/choque séptico) têm, em comum, a necessidade de reavaliações frequentes, investigando sinais de sobrecarga volêmica e alterações na perfusão tecidual: “Conduta tomada na emergência é conduta checada”. 

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