O próximo dia 28 de junho é reconhecido mundialmente como o Dia do Orgulho LGBTQ+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transsexuais, queer ou questionando), data histórica marcada pela Rebelião de Stonewall símbolo de resistência diante dos abusos policiais em Nova York no ano de 1969.
Apesar da história de luta e resistência por direitos, até hoje pessoas LGBTQ+ sofrem perseguições, violências e discriminação em relação a sua orientação sexual ou identidade de gênero, e particularmente no acesso aos serviços de saúde.
LGBTQ+ e saúde
No contexto de saúde, apesar da atenção dada a redução das disparidades na população LGBTQ+ na última década ter aumentado, quando comparado a pessoas cisgênero e heterossexuais essas minorias continuam enfrentando iniquidades em saúde. No contexto brasileiro, ainda que haja iniciativas como a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, na prática pessoas LGBTQ+ declaram que os médicos não estão preparados para atendê-las.
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Segundo dados publicados pelo projeto irlandês The Rainbow, 20% das pessoas LGBTQ+ não saberiam onde acessar suporte ou aconselhamento em relação à sua saúde mental e bem-estar; 30% dos entrevistados não procuraram ajuda quando experenciaram depressão e 40% nunca acessaram centros de saúde sexual. Quando questionados o porquê associado a não procura por serviços de saúde sexual, entrevistados referiram que preocupações em relação a discriminação, experiências pessoais negativas e ainda uma relutância em discutir questões com o médico, foram os principais motivos.
A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), refere que apesar do acesso à saúde estar garantido por lei, os desafios para que essa população seja assistida em sua integralidade são inúmeros e se dão principalmente pelo estigma e preconceito praticados muitas vezes pelos próprios profissionais de saúde que colocam estes indivíduos em situação de risco de receberem tratamento desrespeitoso e abusivo em locais que deveriam acolher e preservar o bem-estar e a dignidade humana.
Sendo o acesso à saúde uma dificuldade enfrentada para que essas pessoas sejam assistidas integralmente, o cuidado direcionado aos pacientes com doenças avançadas e progressivas que necessitam da abordagem do Cuidado Paliativo (CP) é ainda mais desafiador, principalmente na fase final de vida, período em que fica mais evidente as situações de vulnerabilidade dessa população.
Por definição Cuidado Paliativo é uma abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes (adultos e crianças) e seus familiares, que enfrentam doenças que ameaçam a vida. Previne e alivia sofrimentos por meio de identificação precoce, avaliação correta de dor e outros sintomas ou problemas sejam de ordem física, psicossocial ou espiritual. Deve ser integrado desde o diagnóstico e intensificado de acordo com a progressão da doença e ainda mais na fase final de vida.
Ainda são poucos os grupos de pesquisa que se debruçam em compreender a experiência do adoecimento e os desafios que a comunidade LGBTQ+ enfrenta diante de doenças progressivas, avançadas e em fase final de vida, no entanto, alguns estudos podem elucidar algumas questões e nos direcionar para construção de um sistema de saúde mais justo. Segue abaixo alguns destaques.
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Cuidados paliativos
Principais questões e desafios relacionados ao Cuidado Paliativo e comunidade LGBTQ+:
- Homofobia e transfobia de muitos profissionais da saúde;
- Pessoas LGBTQ+ antecipam a possibilidade de discriminação e violência e, portanto, procuram menos os serviços de saúde e consequentemente quase não recebem CP;
- Muitos serviços de saúde ao ofertar a abordagem do CP não atendem as necessidades espirituais de pessoas LGBTQ+ e de sua rede apoio da mesma maneira que ofertam aos outros pacientes;
- Existe uma sobrecarga maior nos cuidadores de pessoas LGBTQ+ principalmente em relação ao acesso tardio a abordagem do CP e menor rede de apoio, muitos pacientes têm seu primeiro atendimento quando já estão na fase final de vida;
- Necessidade forçada pela equipe de saúde para que a pessoa declare sua orientação sexual ou identidade de gênero;
- Discriminações sofridas anteriormente no acesso à saúde que dificultam a aceitação do cuidado na fase final de vida;
- Barreiras financeiras, legais e institucionais que limitam a participação dos parceiros ou entes queridos na tomada de decisão;
- Obstáculos legais para que os parceiros recebam benefícios sociais, gerando sofrimento adicional ao paciente;
- Suposições falsas de que a morte está relacionada a HIV/AIDS;
- O luto privado, ou seja, dor dos parceiros que muitas vezes não podem reconhecer publicamente o seu sofrimento e, portanto, não são apoiados ou não recebem os cuidados necessários;
- Invisibilidade social de pessoas LGBTQ+ idosas;
- Muitos pacientes optarão por estar cercados de amigos e grupos de apoio ao invés da família biológica, podendo gerar conflitos adicionais;
- Problemas com comunicação por parte dos profissionais de saúde: falta de conhecimento, educação, treinamento de competências, preconceitos conscientes e inconscientes, crenças em suposições ao invés da compreensão da experiência com pacientes LGBTQ+ criam barreiras adicionais na comunicação eficaz e consequentemente no cuidado prestado.
Principais recomendações para melhoria do acesso à saúde e Cuidado Paliativo:
- Treinamento e aquisição de competências constante das equipes de saúde;
- Criar oportunidade e espaço para que os pacientes durante os encontros divulguem sua orientação e / ou identidade de gênero, preferências de cuidado e valores;
- Instituições devem acolher o desconforto dos profissionais da saúde e promover a auto reflexão e análise crítica da equipe de saúde em relação aos preconceitos;
- Treinamento para aquisição de habilidades de comunicação e de escuta qualificada;
- Agregar sempre à assistência os princípios do cuidado centrado na pessoa;
- Reconhecer e saber orientar a existência de recursos e apoio à comunidade LGBTQ+
- Viabilizar um trabalho intersetorial onde serviços de saúde possam contar com grupos de apoio à comunidade LGBTQ+;
- Promoção de serviços de saúde em que pessoas LGBTQ+ sintam-se seguras e acolhidas;
- Permitir que o paciente defina quem é a família e o papel da família em relação aos seus cuidados e tomada de decisão;
- Acolher a rede de apoio que o paciente escolhe como família;
- Estender os serviços de luto e apoio ao luto para família escolhida e outras pessoas próximas;
- Promover o cuidado espiritual e os rituais desejados;
- Promover a continuidade de cuidado;
- Sistemas de saúde com objetivo de promover um cuidado integral e acesso à saúde devem priorizar ações que visibilizem minorias e capacitem profissionais para o atendimento de excelência dessa população, além disso, todos os envolvidos devem admitir que a experiência do adoecimento é única e deve ser acolhida nas suas mais diversas singularidades.
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O mais importante é que profissionais da saúde compreendam que as desigualdades já enfrentadas cotidianamente pelas pessoas LGBTQ+ se tornam ainda mais intensas durante a descoberta de uma doença ameaçadora de vida.
Ofertar o Cuidado Paliativo e especialmente cuidados em fase final de vida para pacientes, familiares e cuidadores dessas pessoas, é uma necessidade urgente que começa pela discussão e desconstrução das práticas vigentes em saúde ofertadas às pessoas LGBTQ+ e ainda mais pela busca contínua dos princípios da dignidade da pessoa humana e da garantia de acesso à saúde.
Referências bibliográficas:
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- Marie Curie UK (org). “Hiding who I am”: The reality of end of life care for LGBT people. [Internet]; 2017; [citado em junho de 2020].
- Honorato L. Apesar de políticas, população LGBT enfrenta dificuldades no acesso à saúde. Jornal Estadão. [Internet]; 2019; [citado em junho de 2020]