Diagnóstico e manejo da miocardite em pediatria: novo posicionamento da AHA

Um recente posicionamento com relação ao diagnóstico e manejo da miocardite em pediatria foi divulgado pela American Heart Association (AHA) e publicado no jornal Circulation.

Um recente posicionamento com relação ao diagnóstico e manejo da miocardite em pediatria foi divulgado pela American Heart Association (AHA) e publicado no jornal Circulation. A seguir, sintetizamos pontos-chave destacados nessa declaração científica.

miocardite

Definição 

A miocardite continua sendo um desafio clínico em pediatria. No entanto, os esforços para definir miocardite têm evoluído. Inicialmente, a evidência patológica de uma cardiomiopatia inflamatória era necessária. Atualmente, as taxas de biópsia estão diminuindo à medida que os médicos dependem cada vez mais da ressonância magnética cardíaca (RMC) e da inclusão de critérios clínicos e laboratoriais. A AHA reconhece quatro estratos que podem confirmar o diagnóstico:

  • Biópsia comprovada;
  • Suspeita clinicamente confirmada por RMC;
  • Suspeita clínica;
  • Miocardite provável.

Segundo o posicionamento da AHA, a suspeita clínica de miocardite representa uma constelação de achados que dão suporte ao diagnóstico quando a biópsia e a RMC não podem ser realizadas ou apesar de seus resultados negativos. Até o momento, não há critérios definitivos usando apenas as características clínicas para confirmar o diagnóstico de miocardite ou para diferenciar a suspeita clínica de uma possível miocardite.

A miocardite aguda comumente tem causa infecciosa, sendo as causas virais as mais prevalentes. Causas virais específicas foram mostradas por análise de reação em cadeia da polimerase (PCR) do tecido do miocárdio e demonstraram que a prevalência de vírus específicos mudou ao longo do tempo de predominantemente adenovírus e enterovírus para eritrovírus B19 e herpesvírus humano 6

Causas não infecciosas de miocardite incluem:

  • Autoimunidade;
  • Hipersensibilidade a medicamentos, toxinas, alérgenos e aloantígenos.
  • Manifestações clínicas

A miocardite se apresenta como vários perfis clínicos distintos. Em geral, há um ventrículo com mau funcionamento com ou sem dilatação, sintomas recentes de insuficiência cardíaca e sintomas infecciosos virais prévios relatados nas semanas anteriores. A miocardite fulminante se apresenta como choque cardiogênico: taquiarritmias são frequentes. Inclusive, pode ser necessário suporte circulatório inotrópico ou mecânico. Por fim, a miocardite crônica persistente ocorre no contexto de sintomas cardíacos, como dor torácica, frequentemente com função sistólica preservada e evidência histológica de inflamação miocárdica persistente. Há relatos de pacientes pediátricos com miocardite recorrente, definida como episódios de miocardite aguda com intervalos de resolução clínica.

Características clínicas na apresentação do paciente pediátrico com miocardite e suas frequências relatadas são descritas no quadro 1:

Quadro 1: Características clínicas da miocardite em pediatria com suas frequências relatadas (em %)

História Pródromo viral (41-69)

Arritmias (11-45)

Síncope (4–10)

Morte súbita cardíaca (9)

Sintomas Fadiga (25-70)

Respirações mais curtas (35-69)

Febre (31-58)

Náusea / vômito ou dor abdominal (28-48)

Rinorreia (38-44)

Dor no peito (24-42)

Dispneia (22-25)

Tosse (17-44)

Palpitações (16)

Diarreia (8)

Sinais Taquipneia (52-60)

Taquicardia (32-57)

Hepatomegalia (21-50)

Desconforto respiratório (21-47)

Gemência (26)

Galope (20)

Pulsos diminuídos (16-21)

Edema (7)

Cianose (2)

Fonte: Adaptado de Law et al., 2021.

Diagnóstico

Os biomarcadores disponíveis carecem de especificidade e nenhum pode diferenciar miocardite de outras causas de disfunção miocárdica aguda, lesão ou isquemia. Marcadores tradicionais de lise de cardiomiócitos, como creatina quinase MB e troponinas, podem estar elevados na miocardite aguda. A troponina I e a T são mais comumente usadas em pediatria e podem estar elevadas em crianças com miocardite aguda, mas não parecem ser marcadores sensíveis ou específicos o suficiente de miocardite comprovada por biópsia.

A RMC pode demonstrar marcadores de inflamação e necrose que caracterizam a miocardite histologicamente. É o padrão ouro para quantificação dos volumes ventriculares, fração de ejeção e massa, além de caracterizar o tecido. 

As características do eletrocardiograma (ECG) em crianças são variáveis e incluem taquicardia sinusal, alterações inespecíficas da onda ST-T, inversão da onda T, elevação do segmento ST, complexos QRS de baixa tensão nas derivações dos membros e atrasos na condução atrioventricular. Um padrão de lesão miocárdica ou infarto pode ser observado com as alterações do segmento ST e pode ser difuso ou em um padrão de distribuição coronariano definido. A pericardite também pode estar presente demonstrada por elevação do segmento ST e depressão PR. Bloqueio atrioventricular, taquicardia ventricular e fibrilação, taquicardia supraventricular e fibrilação atrial ou flutter podem ocorrer e podem ser o sinal de apresentação. Por fim, a miocardite deve sempre ser descartada em um paciente com novo início de bloqueio cardíaco de terceiro grau.

O ecocardiograma (ECO) é a modalidade de imagem de primeira linha e mais amplamente utilizada para avaliação da estrutura e função cardíaca em pacientes com suspeita de miocardite. Esse exame reflete, de forma confiável, os achados variáveis associados à miocardite, incluindo mudanças sutis a profundas na função sistólica global do ventrículo esquerdo (VE) ou do ventrículo direito (VD), como anormalidades regionais de movimento da parede; graus variáveis de ampliação do VE; miocárdio espessado por edema de parede; derrame pericárdico; trombo intracardíaco e regurgitação valvar funcional.

É necessário cuidado antecipado. É crucial que seja feita uma triagem criteriosa da disposição dos pacientes atendidos em ambulatórios ou locais de atendimento de emergência para exames complementares ou para tratamento de suspeita de miocardite. Também é importante determinar se o monitoramento em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica é necessário. A capacidade de monitorar de perto o estado cardiovascular, incluindo o ritmo continuamente, deve ser considerada. Se a trajetória desse paciente for em direção ao comprometimento hemodinâmico, deve ser considerada a transferência para um centro que fornece suporte circulatório mecânico pediátrico e até mesmo transplante em casos extremos.

O tratamento de suporte é semelhante a outros cenários de insuficiência cardíaca aguda (ICA), com atenção ao baixo débito cardíaco, que deve ser abordado imediatamente. Em geral, a milrinona é o inotrópico usado como terapia de primeira linha. Inotrópicos como adrenalina e dopamina, que possuem propriedades vasopressoras, são reservados para pacientes hipotensos e com choque cardiogênico. Isso porque têm potencial mais cronotrópico e arritmogênico. 

Se uma infecção viral em atividade for diagnosticada, a terapia antiviral deve ser considerada, mesmo sem prova de infecção do miocárdio. Contudo, agentes antivirais específicos não foram rigorosamente testados para miocardite. A seguir estão os antivirais disponíveis nos Estados Unidos: 

  • Aciclovir para herpes simplex;
  • Ganciclovir / valganciclovir para citomegalovírus e herpesvírus humano 6; 
  • Oseltamivir e baloxivir para influenza; 
  • Cidofovir para adenovírus; 
  • Remdesivir para SARS-CoV-2;
  • Múltiplas opções para HIV e hepatite C. 

Imunoterapias como imunoglobulina intravenosa (IVIG) e corticosteroides têm efeitos amplos e sobrepostos. Embora a IVIG seja comumente usada em crianças, não é bem estudada nem em crianças nem em adultos. Não é considerada imunossupressora, mas tem efeitos antiinflamatórios, antivirais e imunomoduladores e é considerada segura e familiar para a maioria dos pediatras. Já os corticosteroides são considerados imunossupressores, mas também têm efeitos anti inflamatórios potentes e há estudos que apoiam que a imunossupressão é eficaz para a fase autoimune da miocardite sem infecção viral ativa em adultos.

Leia também: Sepse em pediatria: como identificar a partir dos dados de rotina clínica?

A demonstração da eficácia de terapias futuras requer ensaios bem planejados, nos quais um pré-requisito é um diagnóstico de trabalho uniforme e aceito.

Seguimento

É prudente realizar acompanhamento cardiológico regular, incluindo ECG, ECO e exames laboratoriais em uma frequência semelhante à da ICA recentemente diagnosticada por cardiomiopatia. As controvérsias giram em torno da necessidade de biópsia de acompanhamento, RMC e duração dos medicamentos para ICA. Pragmaticamente, se a função ventricular, biomarcadores inflamatórios ou atividade viral, como PCR sérica continuar anormal, é razoável realizar uma biópsia ou RMC no acompanhamento.

Referência bibliográfica:

  • Law YM, Lal AK, Chen S, et al. Diagnosis and Management of Myocarditis in Children: A Scientific Statement From the American Heart Association [published online ahead of print, 2021 Jul 7]. Circulation. 2021;CIR0000000000001001. doi:10.1161/CIR.0000000000001001

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