Doença arterial coronária em candidatos ou submetidos ao TAVI: como manejar?

O manejo da doença coronária em pacientes candidatos ou submetidos ao TAVI é frequentemente uma preocupação na prática clínica.

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A concomitância de doença arterial coronária (DAC) e estenose aórtica (EAO) é frequente, sobretudo devido ao fato de ambas possuírem fatores de risco relacionados. Desta forma, o manejo da doença coronária em pacientes candidatos ou submetidos ao TAVI é frequentemente uma preocupação na prática clínica, porém ainda um tema repleto de lacunas.

A prevalência de doença coronária é de, aproximadamente, 50%, em média, nos estudos randomizados clássicos de TAVI. Porém vem caindo de maneira significativa na medida em que as indicações deste procedimento vem se expandindo para pacientes mais jovens e com menos comorbidades. Quando presente, a doença coronária costuma ser extensa – 50% dos pacientes têm doença multiarterial, 50% apresentam doença grave na artéria descendente anterior proximal e 10% possuem acometimento do tronco de coronária esquerda.

Embora a DAC represente uma preocupação frequente, seu real impacto clínico nestes pacientes ainda não está bem determinado. Estudos observacionais mostram resultados conflitantes quanto à influência prognóstica da DAC nestes pacientes. A deles são bastante heterogêneos entre si, com diferentes critérios para definição de DAC, inclusão ou não da avaliação funcional da lesões e diferentes endpoints.

Na maioria destes estudos, os critérios para o tratamento das lesões eram deixadas à cargo do heart team institucional, o que dificulta uma análise mais objetiva do papel da revascularização nestes pacientes. Evidências observacionais mais recentes sugerem, em sua maioria, que a coronariopatia representa um marcador de comorbidades, mas não um fator independente de risco. Corroborando esses dados, duas metanálises não demonstraram associação independente entre DAC e resultados clínicos pós-TAVI, embora estes dados devam ser interpretados com cautela. 

Como avaliar?

O método padrão ouro para o diagnóstico de DAC é a angiografia coronária através do cateterismo cardíaco. Entretanto, especialmente devido às mudanças epidemiológicas do perfil dos candidatos ao TAVI, a angiografia por tomografia computadorizada vem ganhando espaço. Uma grande parte dos pacientes, sobretudo os mais jovens e com menos comorbidades, podem ser adequadamente avaliados pela tomografia (no mesmo momento em que se avalia a anatomia vascular e o anel valvar). Uma limitação importante à este método são os pacientes com calcificações coronárias, o que pode superestimar as lesões.

O estudo funcional das estenoses coronárias através da reserva de fluxo fracionada (FFR) e/ou da relação da pressão no período livre de onda (iFR) têm emergido como técnicas potencialmente úteis para guiar a revascularização nestes pacientes. Entretanto, sabe-se que os valores de corte destes métodos em pacientes com estenose aórtica não devem ser os mesmos já validados em outras situações. Dois estudos randomizados em andamento devem contribuir para determinar o papel destas técnicas neste cenário.

Como revascularizar?

Estudos observacionais e uma metanálise recente não encontraram diferenças de mortalidade em pacientes submetidos ao TAVI isolado e TAVI com intervenção coronária percutânea (ICP) em pacientes com DAC estável, Isso tem sido interpretado como uma evidência de segurança da ICP neste contexto. Dois estudos randomizados em andamento deverão determinar o efeito do TAVI isolado versus TAVI + ICP em pacientes com doença coronária estável.

Apesar de uma falta de evidência clara de benefício em revascularizar pacientes com doença coronária estável que serão submetidos à TAVI, a maioria dos guidelines atuais recomendam revascularizar estenoses >70% em segmentos proximais das coronárias. 

Nos pacientes em que a indicação de ICP é estabelecida, há ainda espaço para se discutir qual o melhor momento para realizá-la. Nos estudos randomizados clássicos que compararam o TAVI versus cirurgia convencional, a ICP no grupo TAVI era realizada semanas antes do implante valvar. Entretanto, esta estratégia pode estar relacionada à potenciais complicações, como o comprometimento de acessos vasculares (potencialmente necessários para o implante valvar), múltiplas exposições ao contraste iodado e a necessidade de realizar o implante valvar já em uso de dupla antiagregação plaquetária (o que, em teoria, pode aumentar o risco de sangramentos). Um estudo comparou a estratégia de se realizar a ICP com mais versus menos de 30 dias de antecedência do implante valvar e identificou uma maior taxa de complicações vasculares menores e sangramentos no grupo que realizou o implante em menos de 30 dias da ICP. 

Dados de vários estudos recentes mostraram segurança em se realizar a ICP no mesmo procedimento do TAVI. Entretanto, deve-se ter em mente que esta estratégia aumenta o volume de contraste do procedimento, implicando em um risco maior de nefropatia induzida pelo contraste, sobretudo na presença de complexidade anatômica. O esquema antiplaquetário preferível neste contexto é a combinação de AAS com clopidogrel, devido à ausência de dados com outros antiagregantes.

Eventos coronarianos pós-TAVI

A incidência de síndrome coronariana aguda (SCA) em pacientes pós-TAVI é de, aproximadamente, 10% no seguimento de 2 anos. Na maioria dos casos, a apresentação clínica é de uma SCA sem supradesnivelamento do segmento ST, com uma alta incidência de infarto tipo 2 – até 36% dos casos. Nesse contexto, o impacto da SCA é bastante preocupante, com até 37% de mortalidade em 21 meses, o que pode ser explicado, em boa parte, pela avançada idade e múltiplas comorbidades, comuns nestes pacientes.

Apesar de a maioria dos eventos coronarianos serem de origem aterosclerótica, outros mecanismos podem estar relacionados nestes pacientes. Distúrbios de fluxo decorrentes da prótese, embolização de trombos presentes nos folhetos e, até mesmo, hipersensibilidade causada pelo material da válvula são alguns exemplos desses mecanismos.

Outra preocupação pertinente é uma possível dificuldade de cateterização seletiva das coronárias causada pela proximidade de estruturas da prótese em relação aos óstios coronários. A taxa de sucesso de cateterização seletiva varia de 50 a 100% em séries contemporâneas e está ligada a particularidades anatômicas do paciente, ao tipo de prótese e à experiência da equipe. Vale lembrar que boa parte dos pacientes com SCA serão tratados em centros com experiência limitada em TAVI.

Conclusões

A doença coronária é, sem dúvida, uma das comorbidades mais frequentes em pacientes candidatos à TAVI. A sua investigação ainda tem como método padrão ouro a angiografia coronária por cateterismo. Porém, a angiotomografia de coronárias pode ser utilizada em boa parte dos pacientes, sobretudo os mais jovens e com menor probabilidade pré-teste de doença.

Embora ainda não se conheça o impacto prognóstico da DAC estável nestes pacientes, recomenda-se o tratamento das lesões >70% em segmentos proximais das coronárias epicárdicas, que, na maioria da vezes, pode ser realizada no mesmo procedimento do implante da prótese aórtica.

A ocorrência de eventos coronários agudos em pacientes submetidos ao TAVI se relacionam com mortalidade elevada. Outros mecanismos, além da aterosclerose, podem estar envolvidos. O tratamento pode ser desafiante, sobretudo devido a uma possível dificuldade em cateterizar as coronárias causada pela presença da prótese.

Estudos futuros são necessários para compreender o impacto e o tratamento da DAC neste contexto, especialmente considerando a rápida expansão das indicações do TAVI em diversos cenários clínicos.

 

Referências:

  • Coronary Artery Disease and Transcatheter Aortic Valve Replacement: JACC State-of-the-Art Review. J Am Coll Cardiol 2019;74:362-372.

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