A enfermeira, assistente social, cantora e compositora Yvonne Lara da Costa, conhecida como Dona Ivone Lara, é uma das maiores influências da música brasileira, mas também uma das precursoras do cuidado a pessoas em sofrimento psíquico do Brasil. Filha de José da Silva Lara, exímio violonista e educada musicalmente por Lucília Villa-Lobos, esposa do maestro Heitor Villa-Lobos, Ivone cantava e tocava cavaquinho desde criança.
Dona Ivone Lara e sua trajetória
Muito jovem Ivone se formou pela faculdade de enfermagem do Rio, hoje conhecida como faculdade Alfredo Pinto (UNIRIO). Dedicou muitos anos de sua vida como enfermeira, vindo a cursar posteriormente o curso de serviço social. Sua satisfação era percorrer pavilhões e enfermarias do instituto de psiquiatria Pedro II, na busca de informações, histórias e experiências que levassem o encontro dos pacientes com seus familiares. Lembramos que muitos desses usuários do serviço de saúde, devido a história da psiquiatria eram perdidos ou esquecidos nas instituições psiquiátricas.
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Em 1942 fez concurso público para o ministério da saúde antes de iniciar na colônia Juliano Moreira, onde permaneceu por mais de 30 anos cuidando de pessoas com sofrimento psíquico, atuando junto a Nise da Silveira, famosa psiquiatra brasileira que se rebelou contra atos de tortura, compreendidos na época como tratamento. Ainda com Nise, fez especialização em terapia ocupacional, onde conseguiu juntar a música e suas habilidades artísticas, ajudando os usuários no enfrentamento da doença mental. Sobre Ivone, Sheffer (2016) revela que sua trajetória profissional teve início na enfermagem, como visitadora social na Escola Anna Nery (EAN). Após trabalhar durante seis anos, foi fazer o curso de Serviço Social, concluído em 1947”. Integrando assim a uma profissão, a enfermagem, oficiadas por pessoas, em sua grande maioria, pretas e de baixa renda. Podemos compreender sua trajetória nas próprias palavras de Dona Ivone em entrevista realizada à tese de doutorado de Santos (2005).
“Quando eu me formei (enfermeira), tive a felicidade também de ficar bem colocada e aí fui admitida no Serviço Nacional de Doenças Mentais. E aí eu comecei a trabalhar. Quer dizer, a minha opção foi essa [Enfermagem] por causa disso (questões financeiras). Porque, por exemplo, eu não tinha dinheiro pra continuar fazendo outras coisas aqui fora, ou escolher o que eu quisesse. Num é isso? Então a melhor opção foi essa. E me adaptei muito bem. Agora, depois de oito anos, mais ou menos uns cinco anos que eu já tava nisso, surgiu o Serviço Social, que antes era Visitadora Social. Era obrigatório. Quem fizesse Enfermagem logo a seguir fazia Visitadora Social. Eu tava fazendo Visitadora Social quando surgiu a Assistência Social. Quer dizer que só mudou o título. Eu já estava ali, as matérias eram iguais. Eu só fiz o seguinte: depois disso eu me aperfeiçoei mais na Ana Nery. Mas os outros cursos que tinha… então eu fui pra Ana Nery e fiz esses outros pra pós-graduação. E pronto”. (LARA, P. 162, APUD SCHEFFER, P.489)
Ivone estava nas rodas de samba desde sua mocidade. Aos 12 anos fez sua primeira composição inspirada em um pássaro, presente de seus primos e futuros parceiros no samba, Hélio e Fuleiro. O “Tiê de Sangue”, inspirou Ivone a compor Tiê, Tiê. Entre enredos e sambas, Ivone foi desempenhando seu papel no cuidado à saúde mental de pessoas em sofrimento psíquico, até sua aposentadoria, se dedicando inteiramente ao samba. Foi quando em 1978, já aposentada, pOde ver Gal Costa gravar “sonho meu”, samba em parceria com Délcio Carvalho. A música foi premiada como a melhor canção do ano e Ivone passou a estrelar nos diversos palcos nacionais e internacionais. Muitas outras canções foram feitas e Ivone se tornou a maior compositora de samba do Brasil.
Faleceu em 16 de abril de 2018 deixando um grande legado no samba e na história da reforma psiquiátrica. No dia 18 de maio, temos o dia da luta antimanicomial. Lembramos desse ícone da enfermagem e da música popular brasileira, referenciando sua importância e dedicação.
Dona Ivone Lara foi autora de diversos sambas entre eles: “sonho meu”, “alguém me avisou”, “ sorriso negro”, “acreditar”. Com uma discografia de 19 álbuns e interpretações em filmes, Ivone deixa um grande legado para a música popular brasileira. Suas canções continuam vivas sendo regravadas por muitos músicos. O seu legado na atenção à saúde de pessoas em sofrimento psíquico fez com que famílias pudessem reencontrar seus entes queridos. Aproximava pessoas em sofrimento de seus lares e tudo isso com muita música que estava junto da sua própria condição criadora de existir. Se você é profissional da enfermagem, conheça mais da história dessa enfermeira que é referência para todos nós.
Referências Bibliográficas
- SCHEFFER, Graziela. Serviço Social e Dona Ivone Lara: o lado negro e laico da nossa história profissional. Serv. Soc. Soc. , São Paulo, n. 127, pág. 476-495, dezembro de 2016. https://www.scielo.br/j/sssoc/a/ns7LLKhc85GndG4DnmqGDtN/abstract/?lang=pt