Efeito abscopal da radioterapia: você sabe o que é?

Estima-se que mais da metade dos tumores em algum momento necessitará de radioterapia durante o curso de sua enfermidade.

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A radioterapia é um tratamento de extrema importância na oncologia. Estima-se que mais da metade dos tumores em algum momento necessitará de radioterapia durante o curso de sua enfermidade. Durante muito tempo, o benefício da radioterapia se resumia ao seu efeito citotóxico e antiproliferativo através de constantes lesões em múltiplas moléculas celulares, principalmente danos em seu DNA, levando a um estresse oxidativo e, em última análise, à destruição de células tumorais.

Ao longo de décadas, vários estudos pré-clínicos sugerem que a eficácia da radioterapia também envolve mecanismos de interação entre a célula tumoral e o estroma tecidual. Ao serem submetidas à radioterapia, células tumorais liberam na circulação vários mediadores inflamatórios e imunogênicos causando o recrutamento de células apresentadoras de antígenos no leito tumoral, levando a uma resposta imune adaptativa. Através dessa resposta imune, algumas respostas em áreas não irradiadas ocorrem, sendo isto chamado de “efeito abscopal”. Novas descobertas nos mecanismos de ação da radioterapia trouxeram conhecimento que, através da liberação de antígenos pela destruição neoplásica, uma estimulação imunológica adaptativa e inata pode ocorrer, revertendo uma tolerância do sistema imune que ocorre em tumores pouco imunogênicos.

Entretanto o efeito abscopal permanece um evento raro, principalmente quando radioterapia é usada isoladamente. De fato, a presença de recorrências locais e à distância em tumores localmente avançados tratados com radioterapia isolada mostra que a imunoindução é inadequada ou que, no mínimo, precisa ser coestimulada para manter uma resposta em longo prazo. Nos últimos cinco anos, com o advento da imunoterapia, novas descobertas sobre o papel sinérgico entre radioterapia e sistema imune forem descritas, levando ao racional que radioterapia e terapias imunes podem trabalhar conjuntamente com respostas sustentadas ao longo prazo.

Reprodução

Os mecanismos biológicos do efeito abscopal decorrem da habilidade da radioterapia em elicitar resposta imune. Tecidos neoplásicos irradiados liberam vários antígenos que são detectados por células dendríticas com sua posterior ativação e recrutamento de células T levando a uma migração de células CD8 citotóxicas ao leito tumoral sistêmico.

Evidências clínicas

Postow et al. (1) foi o primeiro a descrever, em 2012, um caso de efeito abscopal em um paciente portador de melanoma metastático que havia progredido em uso de ipilimumab, um agente imunoterápico  anti CTLA-4. Desde então vários casos foram publicados, demostrando a existência do efeito abscopal em paciente em imunoterapia.

Grimaldi et al. examinaram o desfecho de pacientes com melanoma metastático irradiados após progressão ao ipilimumab. Efeito abscopal foi visto em 52% dos pacientes com uma mediana de intervalo entre a radioterapia e o efeito de um mês. Além disso, houve um claro benefício em sobrevida global associado ao efeito abscopal com 22 meses versus oito meses em paciente sem o fenômeno (2).

Algumas perguntas como dose total e fracionamento da radioterapia ainda precisam ser respondidas. Em estudos pré-clínicos, a dose por fração parece ser decisiva no efeito terapêutico quando combinada com agentes anti CTLA-4 (3). Neste estudo, doses únicas não obtiveram respostas enquanto doses de 8 GY e 6 GY entregues em 3 ou 5 frações respectivamente foram mais eficazes. Apesar de controverso, radioterapia estereotáxica permanece como a principal forma de radioterapia neste contexto, pois aumentaria a estimulação de agentes inflamatórios e recrutamento de células dendríticas.  Schaue et al. (4) mostrou que doses de cerca de 8Gy resultaram  em maior indução de imunidade que doses de 5Gy.

Exemplo de efeito abscopal em paciente tratado com radioterapia estereotáxica com 26 Gy em um adenocarcinoma de pulmão. Imagens posteriores mostram regressões de metástases em adrenal e em úmero esquerdo (5).

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Conclusões

Radioterapia é usualmente considerada como uma terapia local, contudo evidências clínicas demostram que existe um  poder indutor de respostas sistêmicas, especialmente associadas a novas terapias neoplásicas como os agentes imunoterápicos como anti CTLA-4 e anti PD-1, sendo a regressão de lesões fora do campo de radioterapia, chamado de efeito abscopal. Os mecanismos de indução desse efeito são claramente multifatoriais e complexos por natureza, contudo pacientes que experimentam esse efeito parecem ter benefícios tanto em termos de resposta quanto de sobrevida global. Existe uma clara necessidade de melhor entendimento dos efeitos da incorporação de radioterapia em estratégias de tratamento futuros, principalmente no cenário da doença metastática. Sua combinação, dose e modalidade podem levar a novas conquistas e resultados promissores no tratamento oncológico.

Referências:

  • (1) Postow MA, Callahan MK, Barker CA, Yamada Y, Yuan J, Kitano S, et al. Immunologic correlates of the abscopal effect in a patient with melanoma. N Engl J Med 2012;366:925e31
  • (2) Grimaldi AM, Simeone E, Giannarelli D, Muto P, Falivene S, Borzillo V, et al. Abscopal effects of radiotherapy on advanced melanoma patients who progressed after ipilimumab immunotherapy. Oncoimmunology 2014;3:28780.
  • (3) Dewan MZ, Galloway AE, Kawashima N, Dewyngaert JK, Babb JS, Formenti SC, et al. Fractionated but not single-dose radiotherapy induces an immune-mediated abscopal effect when combined with anti-CTLA-4 antibody. Clin Cancer Res 2009;15: 5379e88.
  • (4) Schaue D, Ratikan JA, Iwamoto KS, McBride WH. Maximizing tumor immunity with fractionated radiation. Int J Radiat Oncol Biol Phys 2012;83:1306e10
  • (5) S. Siva et al. / Cancer Letters 356 (2015) 82–90

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