Hematúria: sangue na urina

A hematúria se dá pela eliminação anormal de células do sangue na urina, seja pelos rins ou por outras partes do trato urinário.

Hematúria é definida como a presença de sangue na urina que pode ser detectada a olho nu, de coloração vermelha ou marrom (hematúria macroscópica) ou após a avaliação do sedimento urinário por microscopia (hematúria microscópica).  

A hematúria pode ser sintoma de uma doença subjacente e suas causas variam com a idade, sendo as causas mais comuns: inflamação/infecção da bexiga, cálculos e, em pacientes mais velhos, malignidade do trato urinário ou hiperplasia prostática benigna. 

Saiba mais: Infecção do trato urinário complicada: fisiopatologia, sintomas e diagnóstico 

Quando da suspeita de hematúria macroscópica, o primeiro exame a ser realizado será o EAS (elementos anormais de sedimentoscopia), também conhecido como “urinálise”, “urina tipo I” ou “exame de urina”. A centrifugação da amostra de urina definirá se a coloração vermelha ou marrom da urina está no sedimento urinário ou no sobrenadante.  

A hematúria é responsável pela coloração vermelha ou marrom apenas no sedimento urinário, com o sobrenadante apresentando coloração clara. O sobrenadante vermelho/marrom deverá ser testado para presença de heme (hemoglobinúria ou mioglobinúria) com uma fita reagente. Se negativo para heme, sugere porfiria, uso de fenazopiridina ou ingestão de beterraba. 

Geralmente, a hematúria microscópica refere-se ao achado de alteração do EAS, já que não há característica visível da urina que levasse à suspeição. 

Hematúria: sangue na urina

Hematúria: sangue na urina

Triagem para hematúria 

Até o presente momento não há recomendação de triagem para hematúria em pacientes que não apresentem sintomas sugestivos de doença do trato urinário, ou que não tenham fatores de risco para malignidades uroteliais ou doença glomerular hereditária. 

Abordagem diagnóstica 

Após o exame de urina confirmar a presença de hematúria, devemos levar alguns fatores em conta: 

  • A presença de hematúria microscópica em uma mulher durante a menstruação ou logo após exercício físico vigoroso ou trauma agudo deverá ser confirmada por repetição posterior do exame de urina. No caso do exercício ou trauma, o exame deverá ser repetido em seis semanas. 
  • Pacientes que apresentem dor unilateral em flanco sugestiva de nefrolitíase associada à hematúria deverão ser submetidos à tomografia computadorizada (TC) de abdome sem contraste ou ecografia de abdome, como exames complementares iniciais. 
  • Pacientes com sintomas sugestivos de infecção do trato urinário (febre, disúria, leucocitúria, presença de nitrito na urina) deverão ser tratados com esquema antimicrobiano e o exame de urina deverá ser repetido após seis semanas para determinar se a hematúria é persistente. 

A história clínica pode fornecer detalhes importantes que podem indicar certos diagnósticos e ditar o andamento da investigação diagnóstica (confira a Tabela 1). 

Dados clínicos  Hipóteses diagnósticas 
Piúria e disúria concomitantes  Geralmente são indicativas de infecção do trato urinário, mas também podem ocorrer com malignidade da bexiga 
Infecção de vias aéreas superiores (IVAS) recente ou sintomas relacionados à IVAS  Glomerulonefrite pós-infecciosa ou relacionada à infecção, nefropatia por imunoglobulina A (IgA), vasculite, doença anti-membrana basal glomerular (MBG) ou nefrite hereditária 
História familiar positiva de doença renal  Nefrite hereditária, doença renal policística ou doença falciforme 
Dor unilateral no flanco, que pode irradiar para a virilha  Geralmente sugere obstrução ureteral devido a um cálculo ou coágulo sanguíneo, mas ocasionalmente pode ser observada com malignidade ou nefropatia por IgA 
Sintomas de obstrução prostática em homens mais velhos (hesitação e gotejamento)  Hiperplasia prostática benigna (HPB). *A presença de HBP não deve dissuadir o clínico de buscar uma avaliação mais aprofundada da hematúria, principalmente porque os homens mais velhos são mais propensos a ter distúrbios mais graves, como câncer de próstata ou bexiga 
Exercício vigoroso recente ou trauma na ausência de outra causa possível  Hematúria induzida por atividade física ou Rabdomiólise 
História de um distúrbio hemorrágico ou sangramento de vários locais devido à terapia anticoagulante excessiva  Uso de anticoagulantes. *Há indícios de que a hematúria em um paciente anticoagulado deve ser avaliada da mesma forma que em outros pacientes (Culclasure, Bray & Hasbargen, 1994) 
Hematúria cíclica em mulheres (que é mais proeminente durante e logo após a menstruação)  Endometriose do trato urinário. *A contaminação com sangue menstrual é sempre uma possibilidade e deve ser descartada repetindo a urinálise quando a menstruação tiver cessado 
Pacientes negros  Traço ou doença falciforme (que pode levar a necrose papilar e hematúria) 
Viagem ou residência em áreas endêmicas para Schistosoma haematobium ou Mycobacterium tuberculosis  Esquistossomose ou Tuberculose 
Piúria estéril com hematúria  Tuberculose renal, nefropatia por analgésicos, nefropatia tóxica e outras doenças intersticiais 

Tabela 1. Dados da história clínica e achados em investigação complementar que indicam hipóteses diagnósticas quando da investigação de hematúria, adaptada de UpToDate, 2022. 

 

Leia também: Urinálise: fatores pré-analíticos a serem considerados 

Em pacientes que não se encaixem nesses fatores, a avaliação subsequente dependerá da classificação da hematúria. Os tipos possíveis são: 

Hematúria macroscópica: se houver presença de coágulos visíveis na urina, o que pode levar à obstrução do trato urinário, deve-se realizar TC de abdome e pelve com contraste e o paciente deverá ser encaminhado para avaliação da Urologia e realização de cistoscopia. 

Quando não há presença de coágulos na urina, porém há outras condições associadas: 

  • Lesão renal aguda ou achados sugestivos de glomerulopatia (presença de hemácias dismórficas, proteínas e/ou cilindros celulares no EAS): encaminhar à Nefrologia; 
  • Pacientes não grávidas sem lesão renal aguda ou glomerulopatia: realizar TC de abdome com contraste e cistoscopia; 
  • Pacientes grávidas: realizar ecografia de rins e vias urinárias para descartar urolitíase e obstrução ureteral. Se a ecografia demonstrar hidronefrose deverá ser realizada ressonância magnética (RM) de abdome sem contraste para definição do ponto de obstrução. A avaliação adicional, se possível, deverá ser evitada até o parto. 

Hematúria microscópica:  

  • Lesão renal aguda ou achados sugestivos de glomerulopatia: encaminhar à Nefrologia; 
  • Pacientes grávidas: realizar ecografia de rins e vias urinárias. Evitar avaliação adicional até o parto, se possível; 
  • Pacientes não grávidas com fatores de risco para malignidade do rim ou da bexiga (Tabela 2) ou com história prévia de distúrbio urológico (hiperplasia prostática benigna ou nefrolitíase): realizar TC de abdome com contraste e cistoscopia; 
  • Pacientes não grávidas, sem glomerulopatia, sem fatores de risco para malignidade e sem história prévia de distúrbio urológico: não necessitam de avaliação complementar, exceto se apresentarem hematúria microscópica persistente e inexplicável por vários anos. 
Sexo masculino 
Idade > 35 anos 
Histórico de tabagismo passado ou atual (o risco se correlaciona com a extensão da exposição) 
Exposição ocupacional a produtos químicos ou corantes (benzenos ou aminas aromáticas), como pintores e trabalhadores de fábricas de produtos químicos 
História de hematúria macroscópica 
História de sintomas miccionais irritativos 
História de infecção crônica do trato urinário 
História de irradiação pélvica 
História de exposição à ciclofosfamida 
História de corpo estranho residente crônico 
História de exposição ao ácido aristolóquico (derivado de planta utilizada na medicina tradicional chinesa) 
História de abuso de analgésicos 

Tabela 2. Fatores de risco para malignidade do trato urinário na presença de hematúria microscópica assintomática, de acordo com a American Urological Association. 

 

Mensagem prática 

A investigação de hematúria exige uma história clínica detalhada e depende da avaliação laboratorial da urina, além de exames radiológicos como TC e RM de abdome. O nefrologista e o urologista poderão ser acionados para complementação e conclusão da propedêutica.  

Vale ressaltar que a hematúria que não é explicada por uma condição subjacente óbvia (por exemplo, infecção do trato urinário ou nefro/ureterolitíase) é bastante comum. Em muitos desses pacientes, particularmente pacientes adultos jovens com idade inferior a 35 anos, a hematúria é transitória e sem consequências. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Perazella MA, O’Leary MP. Etiology and evaluation of hematuria in adults [Internet]. Glassock RJ, Lam AQ, ed. UpToDate. Waltham, MA: UpToDate Inc. (Accesso em 23 de outubro, 2022). 
  • Davis R, Jones JS, Barocas DA, Castle EP, Lang EK, Leveillee RJ, et al. (2012). Diagnosis, Evaluation and Follow-Up of Asymptomatic Microhematuria (AMH) in Adults: AUA Guideline. The Journal of Urology, 188(6), 2473–2481. doi:10.1016/j.juro.2012.09.078 
  • Grossfeld GD, Litwin MS, Wolf JS Jr, Hricak H, Shuler CL, Agerter DC, Carroll PR. Evaluation of asymptomatic microscopic hematuria in adults: the American Urological Association best practice policy--part II: patient evaluation, cytology, voided markers, imaging, cystoscopy, nephrology evaluation, and follow-up. Urology. 2001;57(4):604. 
  • Culclasure TF, Bray VJ, Hasbargen JA. The significance of hematuria in the anticoagulated patient. Arch Intern Med. 1994;154(6):649.

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