Hipertensão Arterial Sistêmica: plano terapêutico

Mês passado fizemos uma revisão da abordagem prática ao paciente hipertenso. Agora é o momento de avaliarmos o que faremos com o tratamento do paciente.

Mês passado fizemos uma revisão da abordagem prática ao paciente hipertenso. Foram apresentadas estratégias de monitoramento da pressão arterial (PA) e os exames laboratoriais básicos do hipertenso. Agora é o momento de avaliarmos o que faremos com o tratamento do paciente.

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Passo 1: defina uma meta para a PA

Pacientes com menos de 60 anos de idade devem iniciar anti-hipertensivos com o objetivo de manter a PA < 140/90 mmHg – essa é a meta! Resumimos na TABELA 1 as principais indicações da diretrizes mais atuais. Todavia, para pacientes idosos, há controvérsias: alguns autores defendem uma PA sistólica mais alta, entre 150-160 mmHg. Essa foi, por exemplo, a posição norte-americana no VIII Joint. Um argumento é que a PA muito baixa poderia aumentar o risco de quedas.

É bom lembrar que a rigidez vascular aumenta com a idade e é comum uma divergência entre a PA sistólica e a diastólica. No tratamento do idoso, deve-se evitar uma PA diastólica abaixo de 60 mmHg, mesmo às custas de uma maior PA sistólica. Além disso, a população idosa é mais susceptível aos efeitos colaterais das medicações e à polifarmácia. Contudo, há poucos estudos nesta população e ainda é cedo para conclusões definitivas. O bom senso e as evidências atuais sugerem dividirmos os idosos em dois grupos:

  • Idoso “saudável”, poucas comorbidades, maior expectativa de vida: meta < 140/90 mmHg.
  • Idoso “frágil”, muitas comorbidades, demência senil, menor expectativa de vida: aceitar meta mais “complacente”, com PA sistólica até 160 mmHg.

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Antigamente, pacientes de alto risco cardiovascular, como diabéticos e renais crônicos (DRC), também tinham metas diferenciadas. Contudo, as diretrizes mais recentes suspenderam esta recomendação. Uma das principais evidências veio do estudo ACCORD BP. Nele, pacientes com DM tipo 2, nos EUA e Canadá, foram randomizados para dois grupos: um com meta de PA < 120 mmHg (tratamento intensivo) e outro com meta < 140 mmHg (controle).

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Os resultados mostraram que não houve diferença significativa entre os grupos no desfecho primário principal – morte cardiovascular, AVC e IAM. Houve, contudo, uma redução na taxa apenas de AVC, mas às custas de maior risco de eventos adversos (bradicardia, hipotensão, síncope, hipocalemia e insuficiência renal). O mesmo se aplica à população com DRC. A grande exceção são os pacientes com proteinúria significativa (> 1000 mg/24h). Neste subgrupo, a redução da PA, em especial com o uso de inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), reduz a perda progressiva da função renal e o alvo é uma PA < 130/80 ou 125/75 mmHg.

O estudo SPRINT: recentemente foi publicado um grande ensaio clínico com pacientes não diabéticos de alto risco cardiovascular, comparando duas estratégias de controle da PA: intensivo (meta PAS < 120 mmHg) ou controle (PAS < 140 mmHg). Após o acompanhamento desses pacientes por uma média de 3,5 anos, no grupo que recebeu tratamento intensivo foram observadas reduções de 27% na mortalidade e de 25% no desfecho primário composto de infarto do miocárdio, síndrome coronariana aguda, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca congestiva (ICC), ou morte cardiovascular.

Contudo, há duas grandes críticas. Primeiro, o método utilizado para aferir a PA foi um aparelho oscilométrico por um profissional não médico. É sabido que nestas circunstâncias a medida da PA é cerca de 5 a 10 mmHg inferior da mesma medida feita por um médico com aparelho convencional. Será então que o grupo controle estava mesmo com PA na meta? Ou em uma situação real não estaria com HAS leve? Outra limitação é a capacidade de generalizarmos os resultados para o mundo real. Os critérios de inclusão foram bem precisos, criando restrições, de modo que de 14 mil pacientes avaliados, apenas 9 mil de fato entraram no estudo. Com isso, ainda há muito espaço para discussão em torno da melhor meta da PA. Talvez mais importante que garantir um alvo específico, seja aumentar nossa capacidade de atendimento e adesão ao tratamento. Lembrem que menos de 20% dos hipertensos no Brasil estão com a PA adequada!

Passo 2: defina as mudanças do estilo de vida

Não há remédio que funcione se o paciente não aderir a alguns hábitos saudáveis. É sabido pelos professores que a maioria dos alunos “pula” essa parte do livro. Mas não se enganem: na vida real você pode dar quilos de diurético – se não restringir o sal na dieta, pouco adiantará! Resumimos na TABELA 2 abaixo as principais recomendações do estilo de vida. As medias com maior impacto na vida real são: alimentação saudável, redução na ingesta de sódio e perda de peso. Algumas dicas práticas:

  • A dieta mais estudada na HAS é a DASH (Dietary Approach to Stop Hypertension), que consiste em aumentar vegetais, legumes, frutas, fibras, grãos integrais (inclui castanhas) e peixes e reduzir laticínios, carne vermelha e gordura saturada. Ou seja, ficar mais saudável.
  • Lembrar que sódio e sal não são a mesma coisa. A recomendação é restringirmos a 2g de sódio (Na+), equivalente a 6g de sal de cozinha (NaCl). E esse conceito não se aplica ao sal adicionado. Na conta devemos levar em consideração o sódio já presente nos alimentos. Enlatados, embutidos, macarrão instantâneo, molho de soja, presunto e similares, pizza e molhos prontos são “vilões” presentes no nosso dia-a-dia.
  • A perda de peso será mais rápida, eficaz e sustentada se aliada a um programa de exercícios físicos regulares. O ideal é um mínimo de 30 minutos 5x/semana ou 1 hora 3x/semana, de intensidade no mínimo moderada, e não passar mais que dois dias sem exercício. A HAS não é contra-indicação ao exercício, mesmo o tipo anaeróbico (musculação e afins). Contudo, você deve avaliar o paciente antes. Jovens, com HAS leve, assintomáticos e poucas comorbidades precisam apenas de avaliação clínica e um ECG em repouso. Já os idosos, com HAS mais grave e/ou na presença de sintomas devem realizar um teste ergométrico para analisarmos o comportamento da PA e do traçado de ECG durante o exercício.

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Passo 3: a escolha da medicação

Atualmente, os fármacos de primeira linha no tratamento da HAS são: diuréticos tiazídicos, inibidores do SRAA (iECA e BRA) e bloqueadores dos canais de cálcio. Os beta-bloqueadores tiveram, em alguns estudos, resultados inferiores aos demais e hoje são drogas “reservadas” para situações de doença arterial coronariana e/ou insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida. Inúmeros ensaios clínicos compararam as diversas classes entre si.

No paciente sem comorbidades significativas, todas as três classes mencionadas anteriormente estão aprovadas. Entretanto, há situações clínicas que indicam uma classe medicamentosa em especial e estão detalhadas na TABELA 3 abaixo. Para as outras, você pode escolher em função dos custos, posologia e efeitos colaterais. Esteja apenas atento a algumas dicas práticas:

  • Diuréticos são excelente opção: boa eficácia, tomada única diária, baixo custo. São especialmente úteis em idosos, negros e obesos. O maior problema são os efeitos colaterais, como hipopotassemia, hiperuricemia, câimbras e piora do perfil metabólico. O mais utilizado é a hidroclorotiazida, contudo a clortalidona é a mais potente, tem maior meia vida e foi a mais estudada nos ensaios clínicos.
  • Os bloqueadores de canais de cálcio mais utilizados são os di-hidropiridínicos, sendo o anlodipino o protótipo da classe. Infelizmente, não fazem parte da Farmácia Popular, e o custo pode ser um problema. A dica aqui é começarem com o uso gradual, pois o principal efeito colateral é o edema de MMII, que é dose dependente. Apesar de muito intensivistas utilizarem anlodipino 20 mg/dia, na bula o limite de eficácia são 10 mg/dia.
  • Para a maioria dos autores, iECA e BRA são equivalentes, sendo que o iECA tem maior percentual de efeitos colaterais – tosse e angioedema. Mas nem todos concordam. Uma linha de pesquisa, da qual faz parte um importante grupo brasileiro, defende que o acúmulo de bradicinina e angiotensina-(1-7) promoveriam efeitos vasodilatadores e anti-inflamatórios e, por isso, poderiam ter vantagens clínicas relevantes no longo prazo. Há alguns estudos neste sentido. Uma meta-análise sugeriu que os BRA não seriam eficazes em reduzir o risco de IAM em comparação com os iECA. Contudo, estudos subsequentes questionam estes resultados. Não há uma resposta definitiva ainda. Hoje, nas principais diretrizes, você poderá escolher entre iECA ou BRA para as mesmas indicações.
  • A Losartana é um BRA com efeito único, não compartilhados com outros BRAs: redução da hiperuricemia. Por isso, é uma das drogas de escolha nos pacientes com gota.
  • Muito se discute da dose máxima dos anti-hipertensivos, em especial anlodipino e losartana. Na bula, aprovado, a dose máxima são 10 mg/dia anlodipino e 100 mg/dia losartana. Acima disso, ganha-se pouco na eficácia anti-hipertensiva e muito em efeitos colaterais. Outra boa discussão também com estas drogas é a posologia diária. Mais uma vez recorrendo à bula, àquilo que é aprovado, ambas podem ser feitas 1x/dia. No paciente que você suspeite de má adesão, não pense duas vezes: faça tomada única, pois é a melhor chance de sucesso. Contudo, no paciente mais grave, pode ser interessante melhorar a cobertura noturna, desde que isso não atrapalhe a adesão. Só por curiosidade, o anlodipino tem meia vida de 30 a 50 horas e, no paciente em uso regular, seus efeitos duram > 24h. Já a losartana tem uma meia-vida entre 6 e 9 horas e as diretrizes falam em “uma ou duas tomada diárias”.
  • Um anti-hipertensivo leva 3 a 4 semanas para atingir seu efeito pleno de redução da PA. Exceto em urgências hipertensivas, não adianta reavaliar o paciente em um período de tempo inferior a isso. Tenha paciência!

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O paciente que não atingir a meta de controle da PA com três fármacos, incluindo um diurético, deve ser avaliado quanto à presença de HAS resistente. O primeiro passo é solicitar uma MAPA ou um MRPA para afastar um “efeito do jaleco branco”. Se de fato for HAS resistente, a 4ª droga poderá ser clonidina ou espironolactona. O estudo nacional REHOT, comparando estas duas drogas, ainda não publicou os resultados oficiais, mas a análise preliminar mostrou resultados similares entre elas.

Uma lição importante no tratamento da HAS é estar sempre atento à adesão. Quantos residentes não foram surpreendidos por pacientes hipertensos e diabéticos que, após a internação, precisaram reduzir a dose dos anti-hipertensivos e da insulina? Verifique posologia. Peça o paciente para trazer as medicações e mostrar, um a um, o que está tomando (e não apenas um check list da receita). Pergunte o que ele comeu no último almoço. Recentemente, uma residente na UFF se surpreendeu com esta pergunta e a resposta da paciente: “Rabanada com Leite condensado!“. Confiança, dieta (hábitos) e adesão são o tripé do tratamento médico.

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