HIV: prednisona pode prevenir IRIS associada à tuberculose

A infecção pelo HIV é uma condição que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. O início precoce de terapia antirretroviral pode reduzir a mortalidade dizem os estudos.

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A infecção pelo vírus HIV é uma condição que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Estudos mostram que o início precoce de terapia antirretroviral (TARV) traz benefícios em relação à redução de mortalidade e do desenvolvimento de infecções oportunistas, principalmente naqueles pacientes com imunossupressão mais grave, expressa por menores contagens de linfócitos T-CD4. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento da chamada síndrome inflamatória de reconstituição imune é uma preocupação constante na prática clínica dos médicos que lidam com esses pacientes.

A síndrome inflamatória de reconstituição imune (IRIS) é uma reação imunopatológica caracterizada por novas ou recorrentes manifestações inflamatórias associadas a uma infecção oportunista que se manifestam após o início de uma TARV efetiva. Uma de suas subcategorias é a chamada IRIS paradoxal, quando as manifestações de uma doença oportunista já em tratamento se exacerbam após o início do tratamento antirretroviral. Uma das manifestações mais comuns é IRIS associada à tuberculose, infecção oportunista mais frequente na infecção pelo vírus HIV, principalmente em países em desenvolvimento. A IRIS-TB paradoxal geralmente se apresenta com febre, sintomas recorrentes, piora de imagens radiológicas ou de linfonodomegalia, apesar de tratamento efetivo para tuberculose. Uma contagem de linfócitos T-CD4 mais baixa e um intervalo mais curto entre o início do tratamento para tuberculose e o início de TARV são fatores de risco reconhecidos para o desenvolvimento de IRIS.

Por ser uma condição de alta morbidade, levando à hospitalização em 25% dos casos, formas de prevenção do desenvolvimento de IRIS-TB são altamente desejáveis, especialmente se permitirem a administração de TARV o mais precoce possível. Entretanto, nenhuma estratégia foi estabelecida até o momento. Recentemente, um estudo investigando o uso de corticoide como forma de prevenção para IRIS-TB foi publicado na The New England Journal of Medicine, mostrando o que pode ser uma alternativa em pacientes de alto risco.

O estudo envolveu 240 pacientes com mais de 18 anos, diagnosticados com HIV e que ainda não haviam iniciado TARV e que estavam no primeiro mês de tratamento para tuberculose, possuindo ou diagnóstico microbiológico ou clínico com boa resposta ao tratamento empírico. Os participantes foram randomizados para receber 40mg/dia de prednisona por 14 dias, seguidos de 20 mg/dia por mais 14 dias, ou placebo, a serem iniciados em até 48h do início de TARV. Foram excluídos gestantes, pacientes com diagnóstico de Sarcoma de Kaposi, tuberculose meníngea ou com comprometimento de pericárdio, tuberculose resistente à rifampicina ou com tratamentos diferentes de RHZE, coinfectados com HBV, com resposta clínica insatisfatória ao tratamento para TB, com DM descompensado, neutropenia, TGO > 200UI/L ou que fizeram uso de corticoides nos últimos sete dias.

O desfecho primário foi o desenvolvimento de IRIS-TB paradoxal nas primeiras 12 semanas após o início de TARV. Pacientes suspeitos de terem desenvolvido IRIS foram submetidos a testes diagnósticos para exclusão de outras causas de piora clínica. Nos casos confirmados, o regime medicamentoso determinado pelo protocolo do estudo poderia, a critério médico, ser interrompido e o paciente poderia ser tratado com prednisona 1,5 mg/kg/dia se o médico assistente, de acordo com a gravidade do quadro clínico, assim julgasse necessário. Desfechos secundários incluíam tempo até o desenvolvimento de IRIS-TB, morte por qualquer causa e atribuída a IRIS-TB, hospitalização por qualquer causa e por IRIS-TB, IRIS-TB com comprometimento de SNC, entre outros.

Dos 120 pacientes alocados no grupo que recebeu prednisona, 39 (32,5%) desenvolveram IRIS-TB paradoxal, enquanto esse número foi de 56 (46,7%) entre os 120 pacientes alocados no grupo que recebeu placebo, o que se mostrou uma diferença estatisticamente significativa. Dentre os pacientes que desenvolveram IRIS, em ambos os grupos, nenhum apresentou comprometimento do SNC.

Em relação aos desfechos secundários, não houve diferença no tempo médio para o desenvolvimento de sintomas entre os pacientes que desenvolveram IRIS no grupo que recebeu prednisona e os que estavam no grupo que recebeu placebo. Menos pacientes no grupo que recebeu prednisona tiveram os episódios de IRIS tratados com glicocorticoides (risco relativo de 0,47, com IC 95% = 0,27 – 0,81). Entretanto, a diferença perdeu força estatística quando somente os 95 pacientes que desenvolveram IRIS foram analisados (risco relativo de 0,68, mas com IC 95% = 0,44 – 1,04).

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Não houve diferença na mortalidade ou no número de hospitalizações entre os grupos. Entretanto, a duração da internação foi menor no grupo que recebeu prednisona. Também não houve diferença significativa em relação ao desenvolvimento de infecções graves, eventos adversos relacionados ao uso de corticoides, na supressão da carga viral do HIV ou na contagem de células CD4.

Devido aos resultados de outro estudo, que mostrou uma maior incidência de câncer entre pacientes infectados com o vírus HIV e que receberam prednisolona para o tratamento de pericardite tuberculosa, os autores também investigaram o desenvolvimento de neoplasias nos participantes na 28ª semana e após 1 ano da participação no estudo. Dados de 220 pacientes após 1 ano estavam disponíveis e, dentre estes, somente 1 caso de desenvolvimento de câncer foi descrito: um paciente no grupo placebo que foi diagnosticado com Sarcoma de Kaposi, o qual foi tratado com sucesso com TARV.

Os resultados deste estudo são animadores, uma vez que mostraram uma incidência 30% menor de IRIS-TB no grupo que recebeu prednisona em relação ao grupo placebo, assim como menor uso de glicocorticoides para tratamento de IRIS, o que sugere que os pacientes no braço do uso de prednisona podem ter desenvolvido IRIS de uma forma mais branda. Entretanto, é importante destacar que ainda não existe recomendação oficial para o uso de corticoide como profilaxia de IRIS e que o uso de corticoides em outras infecções oportunistas, como neurocriptococose ou Sarcoma de Kaposi, está associado a desfechos adversos, inclusive com aumento de mortalidade.

Assim, embora promissor, mais estudos são necessários para estabelecer o uso rotineiro de prednisona como estratégia para prevenção de IRIS-TB e, nos casos em que sua adoção for considerada, o rastreio de outras infecções oportunistas não pode ser negligenciado, evitando-se a piora clínica nesse grupo de pacientes de alto risco.

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Referências:

  • Meintjes, G, Stek, C, Blumenthal, L, Thienemann, F, Schutz, C, Buyze, J, Ravinetto, R, van Loen, H, Nair, A, Jackson, A, Colebunders, R, Maartens, G, Wilkinson, RJ, Lynen L. Prednisone for the Prevention of Paradoxical Tuberculosis-Associated IRIS. The New England Journal of Medicine. 379;20. 2018

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