Lumateperona: nova medicação para o tratamento da esquizofrenia

Este texto trata de um ensaio clínico randomizado sobre a eficácia e segurança da substância lumateperona na esquizofrenia.

Este texto trata de um artigo publicado há poucos dias no JAMA Psychiatry, que é um ensaio clínico randomizado sobre a eficácia e segurança da substância “lumateperone” (aqui chamada de lumateperona em tradução livre) na esquizofrenia. Trata-se de um trabalho duplo-cego, controlado com placebo e em estágio 3 de pesquisa clínica, que avaliou os pacientes com reagudização psicótica após quatro semanas de tratamento.

Esquizofrenia

A esquizofrenia é uma doença crônica, debilitante e que costuma ser acompanhada de alterações funcionais significativas. Sua prevalência é de cerca de 1% da população geral. A atual proposta de tratamento para esta doença envolve o uso de antipsicóticos, que geralmente são eficazes no tratamento dos sintomas positivos da doença (ex: delírios e alucinações), mas que possuem eficácia limitada sobre os sintomas negativos, funcionamento social e prejuízo cognitivo.

Esses fármacos também estão associados à efeitos colaterais indesejáveis e que aumentam a morbimortalidade da doença, como alterações motoras ou envolvendo os níveis séricos de prolactina, ganho de peso, alterações metabólicas e fatores de risco cardiovasculares.

Lumateperona

A lumateperona seria um novo agente para o tratamento desta doença e possui um novo mecanismo de ação: conseguiria modular simultaneamente as neurotransmissões de serotonina, dopamina e glutamato. De forma mais específica, atua como um potente antagonista do receptor 5-HT2A, como agonista parcial do receptor pré-sináptico de dopamina D2, como antagonista pós-sináptico do receptor de dopamina D1, como modulador receptor-dependente de glutamato e como inibidor seletivo da recaptação de serotonina.

Além disso, não possui muitas interações com receptores fora de seu alvo, o que geralmente se relaciona aos efeitos colaterais. Este fármaco é rapidamente absorvido, com meia-vida estimada entre 13 a 21 horas, o que poderia garantir uma comodidade posológica (tomada uma vez ao dia).

Do ponto de vista metodológico, este estudo ocorreu entre 13/11/2014 até 20/7/2015, tendo a análise dos dados ocorrido entre agosto e setembro de 2015. Os pacientes foram recrutados em 12 clínicas no EUA e depois transferidos para unidades de internação em centros de pesquisas, onde permaneceram por alguns dias antes da randomização.

Foram seguidos protocolos e orientações, além de consentimentos para a pesquisa. A população tem entre 18 e 60 anos e possui o diagnóstico de esquizofrenia, segundo o DSM-5, e apresentava episódios agudos com início nas últimas 4 semanas, com a presença de sintomas positivos. Estes pacientes também deveriam ter resposta prévia à terapia com antipsicóticos.

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O estudo durou quatro semanas e era randomizado, duplo cego, controlado com placebo e ocorreu em ambiente intra-hospitalar. Foram separados três grupos: um tomou doses mais elevadas de lumateperona (42 mg), outro fez uso de doses menores (28 mg) e o terceiro grupo recebeu placebo. Após as quatro semanas do estudo ou nos casos de descontinuação precoce, os pacientes receberam o tratamento padrão por cinco dias já em preparação para a alta.

Durante o seguimento foi feita uma avaliação de segurança que durou aproximadamente duas semanas após a última dose da droga de estudo. A eficácia foi avaliada através de entrevistas estruturadas realizadas remotamente. Instrumentos específicos foram usados para avaliar segurança.

Dos 630 pacientes que passaram pela seleção, 450 foram distribuídos em três grupos: 150 com a dose maior do fármaco, 150 com a dose menor e 150 com o placebo. Desses, 366 (81,3%) concluíram o tempo de tratamento e 359 (79,8%) terminaram o estudo.

Dos que tomaram a dose mais alta, 85,3% completaram o estudo, assim como 80% dos participantes do grupo de menor dose e 74% dos que receberam tratamento com placebo. As razões mais comuns para descontinuação do estudo envolveram a retirada do consentimento e a falta de eficácia, sendo este maior no grupo que recebeu o placebo.

Resultados

O tratamento com a dose mais alta de lumateperona (42 mg) resultou numa melhora estatisticamente significativa nos testes de avaliação e em relação ao início da abordagem e ao uso de placebo. Diferenças significativas em relação ao placebo começaram a surgir a partir do dia 8 do estudo e continuaram ao longo dos dias restantes (até um total de 28 dias, 4 semanas).

Mesmo na dose menor (28 mg) foram observadas melhoras na escala de avaliação. As melhoras também se estenderam ao funcionamento psicossocial. Já as avaliações de escalas de depressão não se alteraram muito nem em relação ao início ou em relação ao grupo placebo.

Já a presença de efeitos colaterais foi sentida por 64,7% dos pacientes que usaram a dose mais alta, 56,7% dos que usaram a dose mais baixa e em 50,3% dos pacientes do grupo placebo. Os efeitos mais comuns foram sonolência, sedação, fadiga e constipação.

Dois pacientes apresentaram outros sintomas de maior intensidade e descontinuaram o tratamento: hipotensão ortostática e convulsões no grupo que fazia uso da menor dose da lumateperona (sendo que este paciente já tinha fatores de risco predisponentes e história médica pregressa de convulsões). Os demais efeitos tiveram intensidade de leve a moderada.

Outros sintomas que levaram à descontinuação do tratamento foram: cefaleia no grupo que fez uso da dose mais elevada e sintomas da esquizofrenia no grupo controle. Um paciente do grupo controle veio à óbito 13 dias depois do término do estudo e outro paciente também do grupo controle teve uma crise importante de asma.

Nenhuma reação séria ou inesperada ocorreu durante o trabalho. Não houve aumento na ideação ou comportamento suicida com ambas as doses do remédio. Efeitos colaterais relacionados aos sintomas extrapiramidais não foram encontrados em 5% ou mais em qualquer um dos grupos de tratamento.

O tratamento com ambas as doses da medicação não foi associado com o aumento dos sintomas extrapiramidais. Três pacientes do grupo com a dose mais elevada, 1 com a dose menor e 4 do grupo controle fizeram uso de benzotropina para auxiliar com queixas de sintomas extrapiramidais durante o tratamento.

As alterações de peso foram semelhantes entre os grupos, com uma alteração de cerca de 0,9 kg no grupo de maior dose, 0,6 kg no grupo de menor dose e 0,7 kg com o grupo que fez uso de placebo. Alterações de peso corporal maiores ou iguais a 7% e mudança do IMC de sobrepeso para obesidade foram infrequentes e semelhantes entre os grupos. Não houve alterações importantes nos parâmetros metabólicos.

Também não foram encontradas questões clínicas significativas, nem alterações no exame físico, sinais vitais ou no ECG.

O tratamento com a dose mais elevada (42 mg) de lumateperona melhorou significativamente os sintomas nos pacientes em episódios agudos de esquizofrenia em comparação com o placebo sem, contudo, causar vários dos efeitos adversos comumente observados nos antipsicóticos atualmente disponíveis. Estes achados corroboram os resultados de um estudo anterior com características semelhantes. A melhora com essa dose é observada através de uma significativa redução dos sintomas, que se manteve ao longo do tratamento.

Apesar de os pacientes tratados com a menor dose (28 mg) não apresentarem uma redução dos sintomas estatisticamente significativa em suas avaliações, observou-se uma diminuição dos sintomas positivos em subescalas, sendo estabelecida uma curva de dose-resposta para a eficácia da lumateperona. As avaliações também sugerem melhora estatisticamente significativa nas funções psicossociais.

Pesquisas anteriores indicam que a melhora dos sintomas da esquizofrenia após o tratamento com a lumateperona está associado com aproximadamente 40% da ocupação do receptor D2 no estriado durante o pico das concentrações plasmáticas, sendo essa taxa de ocupação inferior à normalmente atribuída aos antipsicóticos convencionais em doses eficazes (estes ocupam entre 60 a 80% dos receptores).

A capacidade de tratar os sintomas da esquizofrenia com uma menor taxa de ocupação dos receptores D2, poucos sintomas extrapiramidais e pequenas alterações na prolactina podem ser atribuídos a: uma afinidade substancialmente maior pelo receptor 5-HT2A do que pela modulação do receptor D2 (maior até que a da clozapina); uma interação como agonista parcial dos receptores pré-sinápticos e antagonista dos receptores pós-sinápticos com seletividade funcional mesolímbica e mesocortical; inibição da recaptação de serotonina e melhora indireta da neurotransmissão de glutamato relacionada à ativação dos receptores D1 (com a possível prevenção de três ou quatro efeitos antidepressivos, além do efeito antipsicótico).

Mais da autora: Síndrome de descontinuação: como fazer o desmame correto dos ISRS?

O perfil de segurança observado pode estar associado à uma menor ligação da lumateperona aos receptores histamínicos e muscarínicos, o que tradicionalmente está relacionado aos efeitos metabólicos e outros aspectos relativos à tolerância dos demais antipsicóticos.

Sobre o perfil de segurança, este parece ser semelhante ao placebo, confirmando os resultados encontrados em estudos anteriores. As baixas taxas de descontinuação atribuídas aos efeitos colaterais reforçam o seu perfil favorável de segurança. Um paciente apresentou convulsão, mas já possuía fatores de risco e história prévia.

Dessa forma, o risco específico de convulsão associado à medicação não pôde ser bem avaliado (na triagem, os paciente com história de convulsão foram excluídos, exceto este que na época tinha história médica incompleta e não soube fornecer informações mais detalhadas). Os efeitos adversos clinicamente relevantes foram sedação, sonolência, fadiga e constipação, sendo todos geralmente de baixa intensidade.

Claro que o estudo possui limitações, como uma população terapêutica restrita, o que pode trazer questionamentos sobre seu uso generalizado na população. Também não foi avaliado o uso a longo prazo do do remédio (apesar de alguns estudos de longo prazo já estarem sendo realizados). Finalmente cabe notar que as melhoras nos fatores sociais podem ser secundárias às melhoras dos sintomas positivos. No entanto, mais estudos devem ser conduzidos para avaliar os sintomas negativos.

É possível concluir que a lumateperona possui um mecanismo de ação farmacológica única, o que parece lhe conferir uma boa eficácia antipsicótica e ao mesmo tempo que apresenta perfis de segurança e tolerância favoráveis, tornando-o diferente das opções de tratamento vigentes.

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Referência bibliográfica:

  • Correll, C. U., Davis, R. E., Weingart, M., Saillard, J., O’Gorman, C., Kane, J. M., … Vanover, K. E. (2020). Efficacy and Safety of Lumateperone for Treatment of Schizophrenia. JAMA Psychiatry. doi:10.1001/jamapsychiatry.2019.4379

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