A importância da microbiota intestinal em processos de manutenção e promoção da saúde é reconhecidamente crescente. Os trilhões de microrganismos – e consequentemente, os milhões de genes presentes nesse corpus – compõem uma verdadeira usina de biomoléculas, o chamado metaboloma, conceito a ser tratado futuramente nesta coluna. Sua importância ultrapassa a mera participação nos processos digestivos: esse sistema que “nos” habita está envolvido determinantemente em vias metabólicas, modificando-as a ponto de influenciar, inclusive, alguns padrões comportamentais do hospedeiro (1, 2).
A determinação de uma “assinatura” ou perfil de microbioma inicia-se logo no nascimento (3), já no primeiro contato do neonato com a flora vaginal materna. É a ocasião em que os primeiros agentes iniciam a colonização da luz intestinal. Em comparação com neonatos que nascem através de parto cesáreo – no qual não há contato direto com a flora vaginal -, há substancial diferença nas populações constituintes do microbioma, podendo-se até mesmo observar efeito protetor contra a obesidade e doenças alérgicas posteriormente.
Ao longo da vida, a composição, e consequentemente o funcionamento do microbioma, pode sofrer influências de diferentes fatores: ambiente, alimentação, uso de antibióticos, doenças, senescência, entre outros. Modificações ambientais e alimentares constituem dois fatores externos e modificáveis que interferem na dinâmica de populações bacterianas.
Esta noção é bem expressa pela hipótese higiênica (4,5,6). Segundo ela, a apresentação constante de microrganismos e elementos ambientais (p.ex.: poeiras, pólens, resíduos animais) contribui para a consolidação determina uma microbiota intestinal rica e variada, o que acarretaria um sistema imune de mucosa vigilante e competente.
Do mesmo modo, a alimentação variada, rica em fibras, livre no mais possível de alimentos ultraprocessados contribui positivamente para a saúde do microbioma; a exposição a carboidratos simples, alimentos industrializados, a privação de fibras contribuem para uma microbiota é disbiótica. O perfil disbiótico pode, por exemplo, ser combatido com o uso de fibras solúveis, alterando o equilíbrio entre bactérias do grupo firmicutes e bacteroidetes com consequências sobre o metabolismo de carboidratos e armazenamento de glicogênio (7,8,9).
Baseados nessas evidências, estudos de manipulação de microbiota estão sendo realizados com o intuito de examinar os efeitos de intervenções definidas enquanto modalidade terapêutica em doenças como a doença de Crohn (10), obesidade e disbiose nos pacientes hospitalizados e/ou graves. Algumas iniciativas globais estão dirigidas para o desenvolvimento de uma abordagem integrada e sistemática para modificar o ambiente intestinal através de intervenções nutricionais. Trata-se de uma reengenharia do ambiente microbiológico intraluminal (11).
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Em cenários específicos, como o da Terapia Intensiva, o projeto ICU Microbiome project já traz seus primeiros e instigantes resultados, ao dar os primeiros passos na caracterização da microbiota no paciente grave (12). A disbiose pode ser abordada de forma mais direta, como no caso do transplante de microbiota fecal, para tratamento da infecção recorrente por Clostridium difficille. Embora de utilidade comprovada e resultados promissores a transferência inter-humana de fezes pode estar associada a riscos de saúde no longo prazo. E isto se deve ao fato da microbiota ser composta por vários gêneros e espécies ainda não caracterizados e que, como sistema dinâmico, pode alterar-se no tempo de formas que ainda não podem ser previstas (13).
Estamos apenas trilhando os primeiros passos de uma estrada que culminará no conhecimento mais detalhado desta comunidade que nos habita. Esse conhecimento permitirá sua manipulação direta com o intuito de promoção da saúde, tratamento de doenças agudas e prevenção das crônicas. Em um futuro próximo, muitos capítulos dos tratados de Medicina deverão ser reescritos.
Referências:
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