Neuroproteção em AVC: por que não funciona?

Não é infrequente nos depararmos com o anúncio de descobertas científicas que obtiveram resultados fantásticos em laboratório, mas que se mostraram frustrantes na prática clínica.

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Não é infrequente nos depararmos com o anúncio de descobertas científicas que obtiveram resultados fantásticos em laboratório, mas que se mostraram frustrantes na prática clínica. Em neurociência o cenário não é diferente. Um exemplo são as estratégias de neuroproteção no tratamento do Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCI), medidas voltadas a reduzir danos e a promover o reparo neuronal por meio da ação sobre a cascata de eventos desencadeada pela interrupção do suprimento sanguíneo ao tecido cerebral.

Por que isso acontece?

Uma revisão publicada no mês de agosto de 2017 pela revista Brainnfaz uma análise crítica de diversos aspectos dos estudos pré-clínicos e clínicos sobre o tema e propõe medidas para a aproximação das duas modalidades de pesquisa. Ao final, os autores tecem comentários sobre as estratégias de neuroproteção que consideram mais promissoras.

O principal mérito da publicação é contribuir para o aprimoramento de resultados de pesquisas, sejam clínicas ou pré-clínicas, e assim garantir maior aplicabilidade dos mesmos em uma abordagem verdadeiramente translacional.

Seguem as principais observações dos autores:

– Diferentes problemas de pesquisa requerem abordagens metodológicas distintas. Entretanto, estudos pré-clínicos voltados à avaliação de desfechos e mecanismos de ação (de drogas ou doença) muitas vezes se valem de estratégias semelhantes;

– Nos estudos pré-clínicos, o modelo animal mais adequado a um determinado problema de pesquisa deve observar as características anatômicas e comportamentais do animal em questão. Mas principalmente, o modelo de escolha deve aproximar-se ao máximo das condições presentes na população a quem o resultado do experimento de destina. No caso do AVCI, apesar de fatores como idade, sexo, comorbidade e estilo de vida serem de fundamental importância, a maior parte dos estudos utiliza roedores machos, jovens e saudáveis;

– Os desfechos dos estudos pré-clínicos devem privilegiar aqueles que possam, de forma mais fidedigna, correlacionar-se aos objetivos clínicos. Em se tratando de AVCI, muitos resultados são apresentados em relação ao volume do infarto. Porém, trata-se de medida com utilidade questionável, sendo talvez mais úteis a realização de avaliações por imagem e a feitura de considerações acerca de outras características da lesão, como localização e consequências comportamentais;

– Seja qual for o problema de pesquisa, são necessários critérios bem definidos para sua investigação. Um exemplo que visa aproximar a metodologia pré-clínica daquela considerada padrão em ensaios clínicos de AVCI, é o critério STAIR. Nele, destacam-se a importância do cegamento, replicação em mais de uma espécie, considerações sobre diferenças sexuais e critérios clínicos como via de administração e janela terapêutica;

– Em se tratando de estudos clínicos, não apenas o benefício de determinada abordagem, mas também o entendimento de seu mecanismo de ação deve ser perseguido. E no intuito de alcançar tal objetivo, deve haver tanto consideração quanto à estrutura disponível na prática clínica, quanto ao que seria ideal para o seu aprimoramento. Referente a esse último, um aspecto relevante diz respeito às medidas voltadas para oferta cada vez mais precoce de terapias de reperfusão;

– Resultados a partir de estudos clínicos podem ainda contribuir para aqueles de cunho pré-clínicos. A emergência de abordagens ômicas (genômica, proteômica, metabolômica) possibilita o desenvolvimento de biomarcadores e conhecimento mais profundo sobre os mecanismos de dano e reparo relacionados ao AVCI em humanos. A utilização de tais marcadores no diagnóstico, no prognóstico e na terapêutica dos pacientes pode ser igualmente transladada para estudos pré-clínicos, aumentando assim a acurácia e a confiabilidade de seus resultados;

– Tanto estudos pré-clínicos quanto clínicos devem, durante sua fase de elaboração, tomar por base evidências sobre o problema de pesquisa que se deseja avaliar. No entanto, a falta de publicações com resultados negativos enviesa e compromete a qualidade das evidências disponíveis e, por conseguinte, os resultados dos estudos que nela se baseiam.

Mais da autora: ‘Demência – fatores de risco, manejo dos sintomas e cuidados’

Apesar das críticas e das observações feitas ao longo do artigo, os autores apontam perspectivas positivas sobre o assunto. Destacam, com base na qualidade de seus estudos pré-clínicos e clínicos e à luz dos recentes avanços na terapia do AVCI, estratégias de neuroproteção que consideram promissoras: o aprimoramento da terapia endovascular, a identificação de alvos mais específicos para o combate à excitotoxicidade e ao estresse oxidativo; o investimento em técnicas de reparo neuronal, mas também voltadas às células não neuronais relacionadas ao processo de dano e reparação; e maior foco no restabelecimento da microcirculação cerebral, nem sempre alcançada mesmo na vigência de recanalização.

Concluo que as questões levantadas pelos autores são pertinentes, porém muitas vezes desconsideradas. Em especial, quando as atenções de quem produz e consume conhecimento, voltam-se mais aos resultados do que aos aspectos metodológicos. Por outro lado, as medidas por eles sugeridas não são de fácil implementação, visto o escasso apoio financeiro aos estudos pré-clínicos. Um cenário inverso certamente teria impacto e benefícios muito além do financeiro.

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Referências:

  • NEUHAUS, Ain A. et al. Neuroprotection in stroke: the importance of collaboration and reproducibility. Brain, v. 140, n. 8, p. 2079-2092, 2017.

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