O acesso à atenção básica de saúde durante a pandemia

Este artigo discute os impactos da pandemia mundial causada pelo vírus SARS-CoV-2 nos serviços de Atenção Básica de Saúde.

A saúde é direito social previsto na Constituição Federal e de responsabilidade comum entre União, estados e municípios. Entre as políticas públicas que tratam desse direito está a Política Nacional de Atenção Básica de Saúde, regulamentada por ato normativo do Ministério da Saúde. Trata-se de um conjunto de ações que atingem a esfera individual, familiar e coletiva e é realizada pela equipe multidisciplinar.

Este conteúdo foi desenvolvido em parceria com o Instituto Health Lake e é assinado por Thiago Felipe, Viviane Queiroz e Luciano Domingues, voluntários do instituto.

Quais são os serviços de Atenção Básica de Saúde? Como era o acesso à atenção básica no Brasil antes da pandemia? Como está o acesso durante a pandemia? Qual poderá ser o impacto na frequência das doenças que aparecem lentamente? O primeiro nível de atenção à saúde abrange uma gama de ações como demonstrado na Figura 1.

Figura 1. Abrangência do primeiro nível de atenção à saúde

No Brasil, a Atenção Básica de Saúde acontece de forma descentralizada, considerando a Estratégia de Saúde da Família (ESF), através das Unidades de Saúde da Família (USF). Os serviços ofertados acontecem de forma gratuita e para todos, em cumprimento aos seus objetivos, como previsto na Constituição Federal.

Cabe esclarecer que, para além do cenário da pandemia de covid-19, os investimentos em saúde no Brasil foram reduzidos desde o final de 2016, com as alterações constitucionais introduzidas pela Emenda Constitucional no 95/2016. Por isso, considerando apenas a questão orçamentária, entende-se como esperado uma queda nos números de atendimento de atenção primária de saúde para a população.

O que é a atenção básica e quais são os serviços oferecidos?

Conhecida como a porta de entrada dos usuários na rede pública de saúde do Brasil, a atenção básica (ou atenção primária) funciona como um filtro capaz de organizar o fluxo de serviços dos mais simples aos mais complexos. Seus objetivos são orientar sobre a prevenção de doenças, solucionar os possíveis casos de agravos e direcionar os mais graves para níveis de atendimento superiores em complexidade.

Alguns programas federais estão associados à atenção básica, um dos exemplos é a Estratégia de Saúde da Família (ESF), que oferece serviços multidisciplinares às comunidades por meio das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e das Unidades de Saúde da Família (USF). Através das UBSs e das USFs, são disponibilizados aos usuários: exames, consultas, vacinas, radiografias e outros procedimentos, por exemplo. Mais detalhes sobre os serviços da Atenção Básica (Atenção Primária à Saúde) podem ser consultados na Carteira de Serviços da Atenção Primária à Saúde (CaSAPS) do Ministério da Saúde.

Outras iniciativas também fazem parte da atenção básica, como: Equipes de Consultório de Rua, o Programa Melhor em Casa, o Programa Brasil Sorridente, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Mais informações sobre onde localizar as UBSs nos municípios podem ser encontradas no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde e também nos sites das Secretarias Municipais de Saúde.

Como era o acesso à atenção básica no Brasil antes da pandemia? Como está o acesso durante a pandemia?

Segundo informações do SISAB (Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica) através de seu relatório de saúde (relatório de produção e atendimentos realizados na Atenção Básica), durante o momento inicial da pandemia da covid-19 no Brasil (meses de abril, maio e junho), houve queda no atendimento individual, como demonstra o Gráfico 1.

Gráfico 1. Atendimento individual na Atenção Básica durante ano 2020

O Gráfico 2 compara o 2º trimestre de 2020 (abril, maio e junho) com o mesmo período nos anos anteriores e com o mesmo período de 2021. Ele evidencia o declínio no número total de atendimentos individuais em 2020 na Atenção Básica, a nível nacional.

Gráfico 2. Atendimento individual Atenção Básica no 20 trimestre de 2017 a 2021

Com base na análise já exposta no artigo, foi possível visualizar que no ano inicial da pandemia (2020) houve uma queda nos serviços de Atenção Básica de Saúde. Porém, no ano seguinte (2021) ocorreu um aumento no número de atendimentos. Ainda segundo o SISAB, entre os tipos de atendimentos com acréscimo, foi possível observar uma relação direta com o aumento da vacinação e do aleitamento materno.

A vacinação da população está entre as políticas públicas capazes de reduzir o avanço da covid-19. A campanha de vacinação no Brasil teve início no ano de 2021. No Gráfico 3 é possível visualizar seu acréscimo se comparado com anos anteriores, considerando o segundo trimestre de cada ano.

Gráfico 3. Vacinação em dia (atendimento individual) – Atenção Básica no 2o trimestre de 2017 a 2021.

Outro tipo de atendimento que no ano atual ajudou a elevar a taxa de atendimento nos serviços de Atenção Básica de Saúde tem relação direta com o aleitamento materno. Os benefícios comprovados da amamentação são proteção contra cânceres de mama para as mamães e menor risco de obesidade, hipertensão, diabetes e hipercolesterolemia para as crianças. O Gráfico 4 demonstra o aumento do número de crianças amamentadas no Brasil em 2021, se comparado com o ano anterior (2020).

Gráfico 4. Aleitamento Materno (atendimento individual) – Atenção Básica no 2o trimestre de 2017 a 2021.

Os benefícios para a sociedade advindos do aleitamento materno nos últimos anos foi tratado no artigo “A relação entre Covid-19 e amamentação”, disponível na PEBMED.

A taxa de mortalidade de doenças negligenciadas durante a pandemia

A pandemia de covid-19 trouxe graves impactos no atendimento a pacientes com doenças tropicais negligenciadas (DTNs), registrando aumento nas taxas de mortalidade, apesar da queda de internações.

Em 2020, a taxa de mortalidade para malária subiu 82,5%, apesar da queda de 29,3% nas internações. Enfermidades como a leishmaniose visceral e a leptospirose também registraram crescimento de mortalidade de 32,6% e 38,9%, respectivamente. Ao mesmo tempo, o número de internações por essas doenças diminuiu no período, com quedas de 32,8% e 43,5%. Por outro lado, a dengue registrou crescimento de 29.5% nas internações e de 14.2% na taxa de mortalidade.

“O objetivo deste estudo foi saber como a ampliação da equidade no acesso promovida pela pandemia da covid-19 pode impactar no perfil epidemiológico das doenças tropicais negligenciadas, reconhecendo assim os efeitos secundários que a pandemia pode causar na ocorrência de outras doenças endêmicas do Brasil”, explicou o epidemiologista e biólogo Stefan Vilges de Oliveira, doutor em Medicina Tropical, docente do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia e um dos autores do trabalho, em entrevista ao Portal PEBMED.

Os dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) durante os primeiros oito meses de 2020 foram comparados com os valores médios do mesmo período dos anos de 2017 a 2019. Segundo o estudo, a queda nas internações é consequência da pandemia, que fez com que as pessoas sentissem medo de procurarem assistência à saúde durante esse período.

Doenças negligenciadas

As doenças negligenciadas são infecciosas, muitas delas parasitárias, que afetam diretamente as populações mais pobres e com acesso limitado aos serviços de saúde, em especial indivíduos que vivem em áreas rurais remotas, em zonas de conflito e regiões de difícil acesso. Elas prosperam em áreas onde o acesso à água potável e saneamento é escasso, problemas agravados pelas mudanças climáticas. Segundo a OMS, enfrentar essas enfermidades requer abordagens intersetoriais, além da necessidade de avaliar a saúde mental e outras questões, como estigma e discriminação. Mundialmente, mais de 1.7 bilhões de pessoas sofrem com algum tipo de doença tropical negligenciada. Ainda de acordo com a OMS, essas enfermidades integram um grupo diversificado de 20 enfermidades prioritárias de origem parasitária, bacteriana, viral e fúngica, causando dor e incapacidade, criando consequências sociais, econômicas e para a saúde em toda a sociedade.

“Como a pandemia impactou nos registros das doenças tropicais negligenciadas é possível que tenhamos uma demanda represada e ainda desconhecida. Em um cenário pós-pandemia, o serviço de saúde precisará superar ainda este desafio. Fortalecer a Atenção Primária em Saúde será essencial para essa tarefa”, concluiu o epidemiologista Stefan Oliveira. Veja o artigo da PebMed na íntegra: Taxa de mortalidade de doenças negligenciadas.

Conclusões

Como lições aprendidas para as políticas públicas de saúde estão:

  1. Evitar declínios de atendimento como ocorreu em 2020;
  2. Garantir o acréscimo de atendimento para muito além das medidas básicas (ex: vacinação) para conter a pandemia;
  3. Promover e garantir a prevenção de doenças através da garantia da manutenção dos atendimentos básicos de saúde, mesmo em condições adversas.

Entre as medidas que podem contribuir para o alcance dos tópicos apontados acima, pode-se citar o uso da tecnologia na medicina. A telemedicina, por exemplo, pode ser utilizada para reduzir barreiras e custos, favorecendo aquelas pessoas que têm dificuldade de locomoção ou restrições financeiras para tal. Outra medida sugerida é a inclusão da cultura do uso de práticas como levantamento e análise de dados relativos à saúde.

Trata-se de uma tarefa importante no processo de tomada de decisão dos gestores, pois pode contribuir para escolhas mais assertivas, pautadas em dados e viabilizar a implantação de políticas públicas que busquem garantir um Atendimento Básico de Saúde universal e constante. Prestar atendimento básico de saúde é diferente de prestar atendimento básico de doenças. A longevidade da vida consiste em cuidar dos problemas básicos para evitar problemas maiores, em outras palavras, isso inclui o cuidado constante com a saúde.

Este conteúdo foi desenvolvido em parceria com o Instituto Health Lake e é assinado por Thiago Felipe, Viviane Queiroz e Luciano Domingues, voluntários do instituto. 

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