O ato médico melhora a saúde no Brasil?

No Direito brasileiro, há uma hierarquia entre as Leis. As normas constitucionais, aquelas da nossa Constituição, estão no topo, acima das demais leis.

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No Direito brasileiro, há uma hierarquia entre as Leis. As normas constitucionais, aquelas da nossa Constituição, estão no topo, acima das demais leis. A seguir, vêm as leis federais (ordinárias e complementares), seguido das normas e demais dispositivos infralegais. Mas por que começamos com esse breve conceito antes do nosso texto de hoje?

Para lembrá-los que as normas do Conselho Federal de Medicina, incluindo o Código de Ética Médica, são normas infralegais: elas dão respaldo e orientação às nossas ações, desde que não contrariem uma lei promulgada pelo Congresso Nacional. O Ato Médico é uma Lei Federal (12.842/2013) que dispõe sobre o exercício da medicina. Ora, se existe um Conselho que regula a profissão, por que uma lei federal? Para dar garantias jurídicas mais sólidas às nossas ações e para harmonizar as ações de saúde entre todas as profissões (as normas do CFM são exclusivas para os médicos). E é justamente neste segundo objetivo que estão as grandes polêmicas.

O início da lei fala o óbvio: o médico deve promover a saúde e combater as doenças. Até aqui, nenhuma novidade. O final também é bem tranquilo: reitera o CFM como o grande regulador e fiscalizador da profissão e define que o diploma da graduação em Medicina deve vir escrito como “Médico” e não o abominável “Bacharel em Medicina”.

O problema está nos artigos 4º e 5º, que definem as atividades privativas de médicos, isto é, aquelas que apenas as pessoas com graduação em Medicina e certificadas pelo CFM podem exercer. O artigo 5º é o “menos pior”, pois não traz nada inesperado: apenas médicos podem ensinar áreas específicas na Medicina, realizar perícia médica e ser coordenador do curso de Medicina, residência médica e/ou pós-graduação. Mas o artigo 4º ficou num meio termo que não agradou gregos nem troianos…

Veja na tabela abaixo o que ficou aprovado como privativo do médico e o que não ficou.

PRIVATIVO NÃO-PRIVATIVO
indicação e execução da intervenção cirúrgica e prescrição dos cuidados médicos pré e pós-operatórios aspiração nasofaringeana ou orotraqueal
indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias realização de curativo com desbridamento até o limite do tecido subcutâneo, sem a necessidade de tratamento cirúrgico
intubação traqueal atendimento à pessoa sob risco de morte iminente
coordenação da estratégia ventilatória inicial para a ventilação mecânica invasiva, bem como das mudanças necessárias diante das intercorrências clínicas, e do programa de interrupção da ventilação mecânica invasiva, incluindo a desintubação traqueal realização de exames citopatológicos e seus respectivos laudos
execução de sedação profunda, bloqueios anestésicos e anestesia geral coleta de material biológico para realização de análises clínico-laboratoriais
emissão de laudo dos exames endoscópicos e de imagem, dos procedimentos diagnósticos invasivos e dos exames anatomopatológicos procedimentos realizados através de orifícios naturais em estruturas anatômicas visando à recuperação físico-funcional e não comprometendo a estrutura celular e tecidual
determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico
indicação de internação e alta médica nos serviços de atenção à saúde
realização de perícia médica e exames médico-legais, excetuados os exames laboratoriais de análises clínicas, toxicológicas, genéticas e de biologia molecular
atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas
atestação do óbito, exceto em casos de morte natural em localidade em que não haja médico

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A presidente Dilma, que na época sancionou a Lei, redigiu um documento justificando os vetos. Se você ler com calma o texto, observará que a maior preocupação do Governo foi não inviabilizar o SUS, onda a atuação não médica é crescente. Será que ela acertou?

Os médicos, em sua maioria, acharam o texto vago, o que pode dar brecha a diferentes interpretações, e criticaram duramente o veto ao inciso “formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica”, pois entendem que o diagnóstico e a prescrição são atividades privativas de médico, exigindo o conhecimento acumulado ao longo dos 6 a 8 anos para correta execução. As áreas de maior atrito são a “campanha da prescrição pelo farmacêutico”, a atuação do enfermeiro prescritor na medicina de família e obstetrícia e a ausência de definição da acupuntura como atividade privativa de médico.

Por outro lado, os profissionais não médicos criticaram a perda de autonomia em certas áreas. Por exemplo, a limitação da ventilação mecânica como atividade privativa de médico não leva em conta o expertise de diversos fisioterapeutas na área. Do mesmo modo, a assistência social reclama que a alta hospitalar deveria ser multiprofissional, pois não basta a melhora das condições de saúde: é preciso avaliar se o ambiente domiciliar é adequado à recuperação do paciente. Os enfermeiros e a recém criada graduação em obstetriz reclamam pela participação no parto, em especial o parto vaginal (que em muitos lugares do mundo – Inglaterra – ainda é bem feito por parteiros profissionais).

E você, agora que conhece o texto, o que acha? Não há um consenso para a melhor resposta. Mas como quase tudo na vida, equilíbrio é fundamental. As atividades multidisciplinares são o futuro da medicina hospitalista e de família. Nesses cenários, há uma divisão de tarefas que não é competitiva e sim complementar. Certamente esse é o modelo a ser buscado. A definição dos modos de ventilação mecânica, o debridamento de feridas superficiais, o acesso venoso periférico, a coleta de exames laboratoriais e a psicanálise são apenas algumas das áreas onde já há um salutar convívio entre profissionais de diferentes formações.

Por outro lado, algumas ações de fato necessitam da formação que é exclusivamente médica, aqueles 6 a 8 anos de graduação e residência, como o diagnóstico das principais patologias, a definição do plano de tratamento e as cirurgias. Apesar da profissão ser milenar, a Lei do Ato Médico ainda é um pré-escolar, que precisa de regras e limites claros para saber se comportar. Nossa Constituição foi feita assim, toda “amarradinha”, pois nossa democracia era, à época, recém-nascida.

É desejável que, nessa fase inicial, a Lei do Ato Médico seja melhor regulamentada, trazendo detalhes mais claros do que é ou não permitindo, evitando a insegurança jurídica e profissional. A prioridade deve ser sempre o melhor para a saúde das pessoas.

E você? O que acha do Ato Médico? Responda nossa enquete e deixe seu comentário!

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