O caso Simone Biles: a importância do cuidado à saúde mental

Uma discussão sobre a política de cuidado à saúde mental de atletas e de diversos outros grupos, com base no caso Simone Biles,

As Olimpíadas de Tóquio presenciaram uma das cenas mais inusitadas de toda a história dos jogos. Simone Biles, de 24 anos, abandonou as provas de ginástica artística, após realizar exercícios e não alcançar bom desempenho. Ficou claro que não era sua condição física que impedia a esperada execução dos movimentos, mas sim, sua condição psíquica. Biles demonstrava sinais de vulnerabilidade em sua saúde mental, não foi bem na apresentação em grupo e logo se retirou da competição. A atleta, que vinha sofrendo pressão por resultados durante longos anos, teve sua saúde exposta para o mundo durante a competição. Mas afinal, porque Simone Biles, quatro vezes medalhista olímpica e a maior vencedora da história dos Estados Unidos em campeonatos Mundiais, adquiriu tal sofrimento psíquico? A resposta para esta pergunta é mais complexa que simplesmente afirmar que atletas sofrem pressão por desempenho. 

É inegável que, no meio esportivo, os atletas ano após ano vêm superando marcas. Mas será que é só no esporte? O mundo da produtividade e do consumo provoca um comportamento social, onde pessoas em todo o tempo, nas diversas áreas da vida, precisam atingir o melhor desempenho possível em suas atividades. A mãe necessita inesgotavelmente de ser perfeita; a mulher, sempre deve estar bonita aos olhos dos outros; o jovem, necessita escolher uma profissão, precocemente e atingindo o mais alto nível profissional; os profissionais de saúde, necessitam de forma constante e rápida, dominar diversos conteúdos para desempenhar suas funções frente o adoecimento e a morte, em longas horas de trabalho; O idoso, volta ao mercado de trabalho e necessita muitas vezes ter desempenho compatível com jovens. 

Cabe ressaltar que já transcendemos a era da produção e estamos na era do consumo. Quanto mais, melhor! Essa lógica quer dizer: a meta é superar o outro e a si mesmo. O problema não é a pressão por desempenhos, mas a pressão CONSTANTE por desempenhos. Isso se dá porque, no consumo, se apropriar é sempre o objetivo. Observe, o fato é consumir, mesmo que o objeto do consumo seja transitório ou não material. Assim, a lógica de consumir recordes, melhores desempenhos, marcas, títulos, entre outras coisas, se tornam uma constante que ultrapassa a possibilidade humana. Muitos atletas com ótima preparação não aguentam desempenhar suas atividades, porque iniciam muito cedo na lógica do consumo do desempenho. O produto final disso é o que aconteceu com Simone Biles, que com apenas 24 anos não consegue desempenhar suas atividades, pois não consegue alcançar felicidade e bem-estar. A CONSTANTE pressão por resultados descaracteriza o propósito e a felicidade no ato de fazer e modula a interpretação de “ser” para “ter”. Sobre isso, é importante compreender que, seja você um atleta olímpico, um profissional da saúde, uma mãe no exercício da maternidade ou um estudante em formação profissional, a constante pressão para ser melhor, melhor e melhor, provocará o adoecimento.

Hoje em dia muito se discute sobre a palavra RESILIÊNCIA. O que me parece estranho é que esta seja vista como sinônimo de superação. Nos adaptamos para passar por situações adversas, mas quem nunca se perguntou: porque necessariamente preciso passar por isso? Às vezes, não conseguiremos evitar e ser resilientes será benéfico. No entanto, por que buscar metas à luz de CONSTANTE perfeição? Isso provoca a necessidade do processo resiliente. Nesse sentido, vulnerabilidades do meio e do modo de viver, provocam incidência de adoecimento psíquico, e o que tem acontecido na sociedade, é que pessoas no exercício de suas funções, para evitar o adoecimento, promovem o próprio bem-estar com ações pessoais. Quem gera a meta, muitas vezes não se preocupa com a saúde, mas com o desempenho. Me refiro às instituições que as determinam. Como o movimento da cobrança do resultado se dá no corpo, mesmo a pessoa, buscando lazer, recreação, álcool e outras drogas, ou no consumo de alimentos na busca da diminuição do estresse, poderá nunca alcançar o bem-estar e ainda adoecer, afinal é impossível fugir do próprio eu. O sofrimento vem do mundo externo, mas se dá em você mesmo, e isso pode provocar a paralisação da vida. Não dá pra fugir de si!

Uma discussão sobre a política de cuidado à saúde mental de atletas e de diversos outros grupos, com base no caso Simone Biles,

Somos todos Simone Biles?

Sigmund Bauman, em “A Arte de vida”, revela que a sociedade de consumo possui um comportamento de conquista e vitória, que também podemos ver presente no comportamento de atletas em busca da glória, onde: “a felicidade genuína, adequada e total, sempre parece residir em algum lugar a frente: tal como o horizonte que recua quando se tenta chegar mais perto dele¹”. Bom, mesmo com tantas medalhas e vitórias, Simone Biles, entra em grave sofrimento, mesmo já tendo alcançado o topo, pois o topo virou a base e esse comportamento não tem fim! Para algumas pessoas, os atletas, assim como todos nós na vida cotidiana, não podem parar de produzir. Não estamos aqui a tratar se é bom ou não, isso é uma avaliação subjetiva e pessoal. Estamos aqui para discutir se a CONSTANTE pressão por resultados leva ou não ao adoecimento. Se Simone Biles entrasse nas Olimpíadas sem cobranças externas de desempenho, fatalmente, por sua trajetória, teria vencido todas as provas. Chamo a atenção que, a pressão na medida certa, pode ajudar no aumento do desempenho da atleta e isso pode ter levado Simone ao topo. Então, o que fazer, frente aos atletas e as pessoas da vida comum que lidam com a pressão por desempenho?

Acredito que o foco deve estar nas instituições e em uma política de saúde mental para toda população, inclusive atletas. A obrigatoriedade de aporte de saúde mental para atletas, vale para profissionais de saúde, vale para estudantes e para outros tantos grupos. É só observar a necessidade urgente das populações. No pós-pandemia será, sem dúvida, o maior problema da sociedade. O sofrimento psíquico poderá se tornar algo endêmico.  No esporte, a atenção à saúde mental, não pode estar voltada para melhoria do desempenho, mas sim da existência. Não para um propósito de geração de resiliência para atingir metas, mas uma proposta de promoção da saúde mental. Pessoas felizes podem atingir metas mais verdadeiras em longo prazo e podem ser mais CONSTANTES. Podemos ter menos pressão psíquica CONSTANTE e ter mais saúde, levando constância de resultados ao longo da vida. Não ter pressão para o exercício de uma função, não quer dizer que haverá baixo rendimento. Nada no mundo só funciona de um jeito ou de uma única maneira. A subjetividade deve ser respeitada! Afinal, algumas pessoas respondem muito mal à pressão por resultados.

E os profissionais de saúde?

Devemos começar a realizar perguntas, tais como: porque o hospital não possui espaço para cuidar de quem cuida? Algumas empresas possuem academias, locais de descanso, sala de jogos, etc. Porque os ambientes que buscam promover saúde, não geram saúde para os seus? Nessa lógica, onde a obrigatoriedade do cuidado à saúde não busca o desempenho, mas a melhoria da vida da pessoa, poderia certamente atingir melhores frutos institucionais, se assim pensasse nos seus. Isso aconteceria, porque quem está bem, vive bem, faz o que gosta e tem boas condições para realizá-las, possui melhor chance de superar suas próprias limitações. Cabe lembrar que, no caso de Simone Biles, muitas vezes esquecemos que a ginástica é a profissão dela. E você na sua profissão? Será que a pressão ou o estresse poderia paralisá-la(o)? Mesmo que você possa desempenhar a tarefa, assim como Simone Biles, há possibilidade de não conseguir lidar com a situação, promovendo um resultado negativo. O esporte nasce da prática de atividade física, que é geradora de saúde. Portanto, não pode gerar doença. O mesmo vale para os locais que objetivam práticas de saúde, não poderia adoecer aqueles que efetivam seu propósito.

Cuidar da saúde mental é fundamental. Compreender e discutir metas possíveis pode levar a resultados mais produtivos a longo prazo. Não podemos buscar resultados no sofrimento das pessoas. E mais uma vez, não podemos atribuir essa responsabilidade às pessoas, elas devem partir dos governos, das instituições. No caso dos jogos olímpicos, o próprio Comitê Olímpico Internacional deve propor obrigatoriedade de cuidado à saúde dos atletas, e ainda, fiscalizar se esta atenção à saúde mental, não está sendo deslocada no objetivo primário do resultados, pois não seria uma assistência a saúde mental plena e sim direcionada e objetificada. Isso também deveria valer para todas as ligas dos diversos esportes existentes no mundo. Nesse momento, surgem novos espaços de trabalho para profissionais de saúde, que devem levar saúde mental para todas as populações. Sendo assim, outras discussões devem ser realizadas no objetivo de discussões frente a política de cuidado à saúde mental de atletas e de diversos outros grupos. Por fim, desejamos que Simone Biles se restabeleça e possa ter uma vida feliz e, caso queira, competir com prazer e saúde.

Referência bibliográfica

  • Bauman, Zygmunt. A arte da Vida; tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2009, pp. 182.

 

 

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