O outro lado do infarto

Nós, da Sala Vermelha, resolvemos dar voz ao INFARTO DE VENTRÍCULO DIREITO (VD), o outro lado do infarto. Literalmente. Saiba tudo!

Diretrizes, artigos, livros… Se você conseguiu ler 10% de tudo o que saiu na literatura médica sobre infarto agudo do miocárdio (IAM) apenas no último ano, te dou os parabéns: você conseguiu um feito hercúleo, diria quase que sobre-humano. A quantidade de material e novidades que temos sobre esse tema é colossal.

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Mas, dentro desse “mar” de conteúdo, existe sempre um tema que fica ali na sua, quietinho, meio “espremido” pela imensidão dos outros assuntos… destinado a ficar em segundo plano por toda a eternidade. Até agora.

Nós, da Sala Vermelha, resolvemos dar voz ao INFARTO DE VENTRÍCULO DIREITO (VD), o outro lado do infarto. Literalmente.

“Que bobagem! Infarto acomete o lado esquerdo do coração…Infarto de VD deve ser algo raríssimo.” Será? E se eu – eu não, a literatura médica – te dissesse que ele está presente em 30% a 50% dos infartos de parede inferior? Ou seja: o que devemos fazer se nos depararmos com um paciente apresentando o seguinte eletrocardiograma?

Note o supradesnivelamento do segmento ST nas derivações DII, DIII e aVF – ou seja, na parede inferior do coração
Note o supradesnivelamento do segmento ST nas derivações DII, DIII e aVF – ou seja, na parede inferior do coração

A resposta deve estar na ponta da língua: devemos rodar as derivações precordiais direitas, em especial V3R e V4R!

A presença de um supradesnivelamento do segmento ST de pelo menos 1 mm nessas derivações, especialmente em V4R, indica fortemente que o ventrículo direito esteja sendo acometido. E qual é a importância disso?

De acordo com muitos estudos, o infarto de VD está associado a uma maior morbidade e a uma maior mortalidade intra-hospitalar, se comparado a eventos que acometam apenas o lado esquerdo do coração. Não é apenas um “achado”.

“Existe alguma dica clínica que possa sugerir essa condição?”

Olha, até existe: a presença da tríade clínica – turgência jugular patológica + hipotensão arterial + ausência de congestão pulmonar – confere 96% de especificidade; em outras palavras, praticamente fecha o diagnóstico de infarto de VD. Mas cuidado! A tríade clássica descrita acima está presente em apenas 25% desses indivíduos, o que significa que 3 em cada 4 pacientes com infarto de VD não apresentam esses três componentes… Na prática, o diagnóstico deve passar pelo eletrocardiograma!

“Que cuidados devo tomar no tratamento do infarto de VD?”

São muitos e não dá para falar de todos neste texto, mas deixo aqui um exemplo para reflexão:

O ventrículo direito é uma câmara volume-dependente, ou seja, depende muito do volume de sangue que chega a ele para poder funcionar bem: se uma boa quantidade de sangue chega, as fibras musculares do VD adotam uma conformação que aumenta sua força de contração e melhora sua performance.

E na prática, o que isso significa? Significa que nitratos e diuréticos estão contraindicados no infarto de VD, porque eles fazem vasodilatação venosa, o que reduz a chegada de sangue ao coração e, consequentemente, o débito cardíaco. Seu uso pode levar o paciente a um quadro grave de choque! A morfina não tem contraindicação formal, mas deve ser usada com cautela nesses pacientes, pelo mesmo motivo. Não custa nada lembrar: nitrato e morfina fazem parte do arsenal terapêutico clássico do infarto “tradicional” (de VE).

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Viu quanta diferença um simples “detalhe” pode fazer? E tem mais: usando o mesmo raciocínio, pacientes com sinais de baixo débito cardíaco, como hipotensão arterial, devem receber hidratação com soro fisiológico para melhorar esse retorno venoso – se não houver evidência de congestão pulmonar (exame físico + radiografia de tórax), turgência jugular patológica e se o paciente não estiver em insuficiência respiratória.

“O quê? Dar volume em um paciente com choque cardiogênico?” É isso mesmo que você leu. O ventrículo direito é “diferentão” mesmo, e leva seu mecanismo volume-dependente até as últimas consequências.

Para finalizar, uma boa notícia: cada vez mais estudos têm mostrado que o músculo do VD, mesmo submetido a isquemias prolongadas, permanece viável em grande parte dos casos. Isso pode explicar o bom prognóstico observado a longo prazo, se esses pacientes forem tratados de modo adequado.

Espero que este texto tenha cumprido seu objetivo de mostrar a importância de fazermos um diagnóstico precoce do infarto do ventrículo direito. Isso muda o prognóstico e pode salvar a vida do paciente! Para “mergulhar” de vez neste tema viciante, sugiro dar uma olhada nas referências abaixo. Pode apostar, vale a pena!

Já que estamos falando de síndrome coronariana aguda, você sabe que o infarto pode ter várias “faces”? Não? Então confira este texto que a Sala Vermelha preparou (especialmente para fãs de Game of Thrones).

Prepare-se porque, nos próximos dias, a Sala Vermelha estará vindo com conteúdos especiais sobre infarto, para deixar sua vida na emergência cada vez mais tranquila. Aguarde!

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Referências bibliográficas:

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  • Inohara T, Kohsaka S, Fukuda K, Menon V – The challenges in the management of right ventricular infarction – European Heart Journal: Acute Cardiovascular Care2(3) 226–234 © The European Society of Cardiology, 2013.
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  • O’Gara PT, Kushner FG, Ascheim DD, Casey Jr DE, Chung MK, de Lemos JA, Ettinger SM, Fang JC, Fesmire FM, Franklin BA, Granger CB, Krumholz HM, Linderbaum JA, Morrow DA, Newby LK, Ornato JP, Ou N, Radford MJ, Tamis-Holland JE, Tommaso CL, Tracy CM, Woo YJ, Zhao DX. 2013 ACCF/AHA guideline for the management of ST-elevation myocardial infarction: a report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2013;127:e362–e425.
  • Hochman JS, Reyentovich A. Prognosis and treatment of cardiogenic shock complicating acute myocardial infarction. In: UpToDate, Post TW (Ed), UpToDate, Waltham, MA. (Accessed on September 15, 2016).

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