Prescrever ou não prescrever AAS em infarto lacunar assintomático?

Em casos de infarto lacunar silencioso, é sempre recomendado coletar informações retrospectivas sobre a história clínica do paciente.

Os infartos lacunares representam um dos achados incidentais mais comuns em exames de ressonância magnética de encéfalo na prática clínica. Inclusive, a lacuna isquêmica silenciosa, em diversos estudos de neuroimagem, foi mais prevalente ao comparar com outros achados incidentais como meningioma ou cistos aracnoides.

Os infartos lacunares, sintomáticos ou não, são alterações que estão associadas a déficit motor e cognitivo em longo prazo, assim como fator de risco para doenças futuras como acidente cerebrovascular ou declínio cognitivo.

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A prescrição de terapia antitrombótica como profilaxia secundária de um acidente cerebrovascular, como um evento lacunar sintomático, é um manejo bem consagrado na literatura e formalizado nas diretrizes de instituições como a American Heart Association e American Stroke Association (AHA/ASA). Contudo, em casos de lacuna isquêmica assintomática ou incidental, a prescrição de terapia antiplaquetária não possui um embasamento científico sólido, gerando correntes opostas quanto ao uso dessa terapia nessa população de pacientes.

A revista Stroke publica, em 2023, um paper com visões opostas de especialistas sobre a abordagem terapêutica desses pacientes com lacunas cerebrovasculares assintomáticas.

infarto lacunar

O grupo que responde “não”

O raciocínio principal na prescrição de terapia antiplaquetária para infarto lacunar silencioso seria a possibilidade em prevenir acidentes cerebrovasculares sintomáticos, doença cardiovascular aterosclerótica, declínio cognitivo e morte. Contudo, as evidências na literatura para suportar essa prescrição são frágeis, além da segurança nessa abordagem ser questionável.

Em ensaio clínico realizado em 8 centros italianos com indivíduos acima de 45 anos com infarto lacunar silencioso, não foi encontrada diferença entre grupo intervenção e placebo na avaliação de desfecho primário (AVC) e de desfechos secundários (eventos cardiovasculares, cognição ou óbito). Entretanto, o número amostral era pequeno (n=83) e houve 27% de perdas, o que pode ter comprometido os resultados desse estudo.

Uma revisão da Cochrane com 3.384 indivíduos, provenientes de 3 ensaios clínicos na investigação de terapia antitrombótica para prevenção de declínio cognitivo em indivíduos com doenças de pequenos vasos, não demonstrou benefício cognitivo clínico relevante entre os grupos (intervenção versus placebo).

Há declaração da AHA/ASA em 2017 que não recomenda a prescrição de antitrombóticos como profilaxia primária para eventos cerebrovasculares. Ademais, em 2021, a European Stroke Organization publica diretriz em que não recomenda uso de drogas antiplaquetárias para infatos lacunares incidentais diante de evidências insuficientes e de baixa qualidade.

Uma ponderação, realizada pelos especialistas que não defendem a prescrição dessas drogas nessa publicação da Stroke, é sobre o tempo e o mecanismo desses infartos lacunares silenciosos. O tempo de instalação desses infartos em muitos casos é incerto, podendo ocorrer inclusive durante fases mais jovens da vida.

Ademais, tais infartos não necessariamente são resultado de mecanismo aterotrombótico, de modo que a droga antiplaquetária não desempenhe um papel protetor nessas circunstâncias. Importante também destacar que é sempre importante analisar cautelosamente a imagem, visto que infartos lacunares podem ser confundidos com espaços perivasculares dilatados ou micro-hemorragias prévias.

Na conjuntura da incerteza sobre a prescrição da droga, é importante enfatizar que a administração de terapia antitrombótica em longo prazo carreia o risco de sangramentos, intracranianos ou não. Em ensaios clínicos de prevenção primária, o uso de aspirina (AAS) aumentou risco de sangramento intracraniano em 31% e de sangramento extracraniano em 53%.

O grupo que responde “sim”

Esse grupo põe como principal argumentação a prevalência dos infartos lacunares e seu risco em predizer futuros acidentes cerebrovasculares. Sabe-se que os infartos lacunares correspondem a 20-30% dos acidentes cerebrovasculares isquêmicos, sendo definidos como infartos pequenos (diâmetro até 15 mm) e localizados em território de artérias penetrantes como núcleos de base, substância branca cerebral profunda e tronco encefálico.

O Rotterdam Scan Study evidenciou que a presença de infartos cerebrais silenciosos apresentou associação com piora da cognição. Além disso, outros estudos demonstraram que infartos cerebrais silenciosos aumentaram risco de eventos vasculares subsequentes.

Em metanálise de quatro estudos populacionais realizados na Europa e nos Estados Unidos, foi avaliado a incidência de novos eventos cerebrovasculares em grupo de pacientes com infartos cerebrais silenciosos, comparado ao grupo sem esses achados. O follow up variou entre 3 e 15 anos após a primeira neuroimagem, sendo que em todos os estudos foi encontrado que a presença desses infartos cerebrais silenciosos foram preditores de futuros eventos cerebrovasculares (HR entre 1,5 e 3.3).

Não há, atualmente, nenhuma evidência ou terapia padronizada para prevenção secundária de pacientes com infarto lacunar silencioso. Não há, também, ensaios clínicos com grande número amostral publicados acerca desse tópico.

Na declaração de 2017 da AHA/ASA sobre prevenção de AVC em pacientes com doença cerebrovascular silenciosa, há argumentação descrevendo que a abordagem diagnóstica de infartos cerebrais silenciosos e de AVC sintomático devem ser similares – pelo menos enquanto há falta de dados robustos para suportar essa recomendação.

Os especialistas que defendem a prescrição de droga antiplaquetária nessa publicação da Stroke se apoiam nas evidências robustas do aumento de risco de infartos silenciosos como preditores de risco para infartos cerebrais sintomáticos futuros – a despeito de evidências de eficácia e segurança sobre o uso dessa terapia na população com infarto lacunar incidental.

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Mensagem final

Em casos de infarto lacunar silencioso, é sempre recomendado coletar informações retrospectivas sobre a história clínica do paciente a fim de identificar possíveis sintomas sugestivos de AVC. Há evidências de que 18% dos indivíduos sem história de AVC prévia apresentem história de sintomas sugestivos quando perguntado de forma ativa.

Uma abordagem terapêutica essencial no indivíduo com infarto lacunar incidental é a identificação de fatores de risco envolvidos em doenças cardiovasculares (diabetes, hipertensão arterial e tabagismo) e seu respectivo tratamento.

Na ausência de evidências formais de terapia antitrombótica para essa população, uma recomendação nessa publicação da Stroke é avaliar o paciente de forma individualizada, considerando as evidências atuais. Há uma possibilidade de o tratamento de infartos lacunares incidentais não serem uniformes para todos os indivíduos acometidos.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Bilski, Amanda E., et al. "Antiplatelet Therapy or Not for Asymptomatic/Incidental Lacunar Infarction." Stroke (2023).