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Como enfermeira que atua sob a abordagem dos cuidados paliativos, escrevo uma mensagem aos profissionais da saúde espalhados pelo Brasil e que enfrentam em diversas condições de trabalho a morte de seus pacientes.
É fato que a maioria de nós, profissionais da saúde, não somente da enfermagem, lidamos muito mal com a morte, não estamos preparados para perder quem amamos ou a quem dedicamos parte da nossa compaixão diária. Sim, compaixão! Porque a compaixão também se faz com as ações diárias de cuidados que dispensamos aos nossos pacientes e suas famílias.
Embora o ciclo de vida dos seres humanos faça parte dos currículos de formação da maioria das graduações de saúde e dos cursos técnicos, pouco se fala sobre morte e o luto. Porém, a única garantia do processo de viver é que a morte em algum momento se fará presente. Posto isso, como enfermeira que vivenciou inúmeros momentos finais de vida e morte de pacientes, compartilho algumas experiências, reflexões e sugestões para podermos lidar e ressignificar a morte.
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Inicialmente, dentro das necessidades relacionadas à essa temática, há uma carência de espaços dentro das instituições de ensino, de trabalho e a da sociedade para que possamos expressar nossos sentimentos e pensamentos sobre morte e o luto, já que, a partir do falar e escutar a dor e o tabu do outro e o nosso, descobrimos um caminho para ressignificação daquilo que nos incomoda. Ressignificar de uma maneira simplificada é “alterar o modo como você vê uma realidade”, a morte precisa ser ressignificada dentro área da saúde, devemos deixar de enxergar a morte como uma vilã da vida.
Ademais, os profissionais da saúde por meio da ressignificação e reconhecimento do processo que antecipa a morte, devem combater mortes violentas como as que são ainda observadas dentro das instituições de saúde. Violentas, visto que, ainda somos os agentes que executam inúmeros procedimentos e intervenções desproporcionais com a justificativa de promover cura ou continuar a vida à custa do conforto do paciente e sofrimento de seus familiares.
Reproduzimos comportamentos padrões que são executados principalmente pela inabilidade em lidar com aproximação da morte e ausência de comunicação franca com o paciente e sua família, caracterizada em ações desproporcionais e em uma obstinação terapêutica que muitas vezes traz muito mais sofrimento e dor, do que o cuidar proporcional que deveria ser regra na fase final de vida de doenças progressivas e incuráveis.
Abordagem de cuidados paliativos
Nesta lógica, do cuidar proporcional, a abordagem dos cuidados paliativos é transformadora em relação a morte, quando traz em seus princípios proposições que devem ser consideradas por todos os profissionais que lidam com a vida, sendo elas: “afirmar a vida e reconhecer a morte como um processo natural”; “não buscar antecipar nem adiar a morte” e ainda “oferecer um sistema de suporte para ajudar o paciente a viver tão ativamente quanto possível até o último momento de sua vida”.
Desta forma, o cuidar proporcional na qual a abordagem de cuidados paliativos se responsabiliza é permeado de ações como:
- Comunicação contínua e transparente com o paciente e sua família;
- Continuidade de cuidados: o cuidado que se inicia no diagnóstico de condições graves, crônicas ou agudas e progressivas até o final da vida e depois no luto com os familiares;
- Controle impecável de sintomas com fornecimento contínuo de medicações, o monitoramento da resposta ao tratamento e reavaliação constante;
- O trabalho em equipe multiprofissional: onde a compreensão das necessidades dos seres humanos deve levar em consideração a multidimensionalidade do ser (física, espiritual, social e psicológica);
- O cuidado com a equipe que cuida: onde há espaço para sentirmos e ressignificarmos junto as nossas dores diariamente em um processo contínuo de trocas.
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Elisabeth Kübler-Ross, psiquiatra suíça e uma das percussoras sobre a temática da morte em nessa especialidade, dizia: “se não somos capazes de encarar a morte com serenidade, como podemos ajudar nossos pacientes? Esperamos, então, que os doentes não nos façam este terrível pedido. Despistamos, falamos banalidades, do tempo maravilhoso lá fora e se o paciente for sensível, fará nosso jogo falando da primavera que virá, mesmo sabendo que para ele a primavera não vem. Estes médicos (profissionais da saúde), quando interpelados, dirão que seus pacientes não querem saber da verdade, que nunca perguntaram qual era ela e acham que está tudo bem. De fato, sendo médicos (profissionais da saúde), sentem-se grandemente aliviados por não terem de enfrentar a verdade, desconhecendo totalmente, muita das vezes, que foram eles mesmos que provocaram esta atitude em seus pacientes”.
Finalmente, desejo que nós profissionais da saúde e sociedade possamos falar mais sobre a morte e o morrer, sobre o luto dos familiares de dos profissionais que cuidam. Espero que haja uma renúncia coletiva dos profissionais em seguir os padrões de pensamento que já não fazem mais sentido, que possamos tirar esse silêncio que perpetuamos por gerações quando o tema é a morte dos nossos pacientes e que acima de tudo possamos ressignificar a vida, o morrer, a morte e os nossos lutos em um processo contínuo de melhoria.
Referências bibliográficas:
- Cherny N, Fallon M, Kaasa S et. al. [ed.]. Oxford Textbook of Palliative Medicine. Oxford University Press Fifth Edition. [Internet]; 2015; [citado em setembro de 2019];
- World Health Organization (WHO). Palliative Care Definition. (site). [Internet]; 2018; [citado em agosto de 2019];
- Academia Nacional de Cuidados Paliativos (BR). Manual de Cuidados Paliativos ANCP. 2 ed. [Internet]; 2012; [citado em setembro de 2019];
- Elisabeth Kübler-Ross Foundation Brazil. Frases celebres. [Internet]; 2019; [citado em setembro de 2019];
- Brum E. Morrendo como objeto. Jornal El Pais. [Internet]; 2017; [citado em setembro de 2019].