Racionalização da terapia antimicrobiana na UTI

Uma revisão publicada em 2018 organizou a melhor identificação de pacientes de risco para infecção por germe MDR nas UTIs. Veja os detalhes.

O consumo maciço de antibióticos nas unidades de terapia intensiva é também responsável pela disseminação de bactérias multirresistentes (MDR). Aproximadamente metade dos pacientes na UTI recebem um esquema antimicrobiano sem infecção confirmada e o descalonamento e o tempo de tratamento mais curto muitas vezes não são realizados.  

Uma revisão recente, concluída em 2018, foi realizada no banco de dados MEDLINE buscando resumir os avanços e perspectivas recentes para otimização da antibioticoterapia na UTI. A revisão focou em uma melhor identificação de pacientes de risco para infecção por germe MDR, maior precisão diagnóstica, raciocínio individualizado, uso de esquemas com dosagem e via de administração adequadas para garantir alvo farmacocinético e farmacodinâmico, controle do foco infeccioso e reavaliação sistemática da terapia inicial.

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Os pesquisadores também buscaram compilar argumentos para elaboração de programas de qualidade no manejo de antimicrobianos, o que traria melhor resultados para os pacientes e uma redução na pressão de seleção relacionada aos antibióticos, o que ajudaria a controlar a disseminação de germes resistentes.  

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Fatores de risco para patógenos multirresistentes 

O valor clínico de identificar os pacientes que estão sob maior risco de uma infecção por germe MDR reside na escolha empírica do antimicrobiano, até que as culturas e testes de sensibilidade estejam prontos. No entanto, não é possível utilizarmos um único algoritmo para tal, dado a complexa interação entre hospedeiro, ambiente e patógeno, o que exige uma abordagem probabilística individualizada.  

Estar colonizado por um patógeno resistente amplifica o risco de uma infecção MDR, porém, o valor preditivo positivo desse fator de risco não ultrapassa 50% seja qual for o colonizador. Assim, devemos levar em consideração também as comorbidades, o tempo de internação, o uso de dispositivos invasivos e a exposição prévia a antimicrobianos. A localização do paciente também é relevante, visto que existem diferenças epidemiológicas na distribuição de germes resistentes globalmente, regionalmente e até mesmo em hospitais de uma mesma cidade.  

Quando não iniciar antibiótico na UTI 

As evidências atuais apontam que iniciar o esquema antimicrobiano imediatamente aumenta a chance de sobrevida dos pacientes sépticos. Entretanto, o diagnóstico clínico de sepse muitas vezes é desafiador, principalmente no contexto do paciente crítico em que diversos processos patológicos acontecem ao mesmo tempo, o que faz com que 50% dos episódios febris na UTI não sejam de origem infecciosa.  

Somado a isso, os resultados de culturas demoram a sair e a exposição prévia a antimicrobianos ainda os torna duvidosos. Estima-se que 30-80% das culturas de pacientes infectados venha negativa.  

Assim, os biomarcadores tem o potencial de ajudar a identificar (ou excluir, dado a sua alta sensibilidade e baixa especificidade) infecções bacterianas no cenário da terapia intensiva e uma abordagem combinada da suspeita clínica e uso de diversos biomarcadores serviriam para distinguir sepse bacteriana de resposta inflamatória sistêmica não infecciosa.  

Além disso, futuramente também será possível associar as novas técnicas moleculares que estão em estudo para detecção rápida de patógenos em amostras clínicas (que tem demonstrado baixa sensibilidade e alta especificidade).  

A medicação correta na dose adequada 

A subdosagem de antibióticos é frequente em pacientes críticos. Estudos apontam que um em cada seis pacientes que recebem beta-lactâmicos não atinge a meta de concentração inibitória mínima (MIC). Isso é particularmente preocupante nas primeiras horas de terapia, quando um efeito máximo é desejável.   

O volume de distribuição, que é determinante para a concentração adequada das drogas, não é mensurável em pacientes críticos. Aqueles com evidência de aumento do volume de distribuição (com balanço hídrico positivo, por exemplo) requerem uma dose de ataque maior para garantir concentrações teciduais adequadas, principalmente se estiverem fazendo uso de antibióticos hidrofílicos ou em esquemas de infusão intermitente e contínuo.  

Vale ressaltar que muitos antibióticos utilizados na terapia intensiva são eliminados por via renal e, portanto, deve-se fazer um ajuste em caso de injúria renal aguda ou depuração renal aumentada.  

Atualmente existem programas que fazem esse monitoramento terapêutico das drogas e são empregados para minimizar efeitos adversos e maximizar a eficácia do tratamento. Esses programas utilizam conceitos de farmacocinética e farmacodinâmica e são úteis principalmente ao se utilizar aminoglicosídeos e glicopeptídeos. Ainda assim, a utilização deles para monitoramento de betalactâmicos é controversa e mais estudos ainda são necessários.  

Descalonamento

O descalonamento é uma estratégia que consiste em fornecer o antibiótico eficaz e minimizar a exposição desnecessária a agentes de amplo espectro, o que promoveria o desenvolvimento de resistência. Na prática, consiste na reavaliação da terapia antimicrobiana assim que os resultados de cultura e testes de susceptibilidade (TSA) estiverem disponíveis.  

É aplicado em apenas 40-50% dos pacientes internados com infecção bacteriana, o que reflete a relutância do médico em restringir o espectro coberto ao cuidar de pacientes gravemente enfermos com sepse com cultura negativa e/ou portadores de germes multirresistentes. 

Importante ressaltar que as evidências atuais não mostram impacto prejudicial com o descalonamento, inclusive em pacientes de alto risco, como aqueles com infecções da corrente sanguínea, sepse grave, pneumonia associada à ventilação mecânica e neutropenia. No entanto, mais ensaios bem desenhados ainda são necessários para elucidar essa questão.  

Há uma falta de dados clínicos sobre o impacto do descalonamento no consumo de antimicrobianos e surgimento de resistência e os poucos estudos que abordaram esse tema relataram pouco ou nenhum impacto do ponto de vista individual na aquisição de germe resistente. Assim, esforços devem se concentrar na documentação microbiológica de pacientes sépticos, bem como novas ferramentas de diagnóstico devem ser exploradas para acelerar a identificação do patógeno e o TSA.  

Tempo de tratamento

Durações prolongadas de antibioticoterapia têm sido associadas à resistência bacteriana e os tratamentos curtos demonstraram ser eficazes e seguros em várias infecções, incluindo pneumonia adquirida na comunidade, pneumonia associada à ventilação mecânica, infecções do trato urinário e até mesmo alguns tipos de bacteremia.

Por isso, diretrizes nacionais e internacionais encorajam os médicos a encurtar a duração geral da terapia antibiótica para várias infecções. No entanto, apesar da presença dessas recomendações, estudos recentes sugerem que esquemas prolongados ainda são utilizados.  

Controle do foco 

O controle do foco infeccioso consiste em estar atento para a necessidade de drenar, desbridar e remover dispositivos visto que isso é mais determinante para o desfecho clínico que o próprio início precoce da antibioticoterapia.  

Programas de qualidade no manejo antimicrobiano dentro das UTIs 

A implementação desses programas otimiza a utilização de antimicrobianos, reduz a incidência de infecções e colonização por germes resistentes, reduz eventos adversos e custos associados à saúde, tudo isso sem aumento na mortalidade.  

De acordo com a Sociedade Europeia de Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas (ESCMID), essa estratégia deve ser vista como “um conjunto coerente de ações que promovem o uso de antimicrobianos de forma a garantir o acesso sustentável a uma terapia eficaz para todos que precisam deles”.  

Portanto, deve ser visto como uma iniciativa de melhoria de qualidade, exigindo um pacote de mudança baseado em evidências, uma definição clara de metas e indicadores, uma coleta de dados dinâmica com feedback aos prescritores, uma estratégia para capacitação e um plano para identificar e abordar áreas para melhoria e resolver lacunas de qualidade.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • TIMSIT, J.-F. et al. Rationalizing antimicrobial therapy in the ICU: a narrative review. Intensive Care Medicine, v. 45, n. 2, p. 172–189, 1 fev. 2019.