SMX-TMP para neurotoxoplasmose: Há evidências para que terapia alternativa passe a ser tratamento de escolha no Brasil?

A toxoplasmose é uma infecção oportunista que acomete o sistema nervoso central. Conheça estudo que analisa eficácia de terapia alternativa.

Encefalite por Toxoplasma gondii, mais conhecida como neurotoxoplasmose, é uma infecção oportunista que acomete o sistema nervoso central. Relacionada a estados de imunossupressão, é uma das manifestações mais graves de T. gondii, sendo frequente em indivíduos com infecção pelo HIV e que apresentam contagem de linfócitos T-CD4 < 100 células/mm³. Mais raramente, também pode acometer receptores de transplante de células hematopoiéticas e pacientes em quimioterapia. 

Os guidelines atuais recomendam terapia com pirimetamina, sulfadiazina e ácido folínico como primeira linha de tratamento, com pirimetamina, clindamicina e ácido foliníco como alternativa. O sulfametoxazol-trimetoprim (SMX-TMP) é sugerido apenas como terapia alternativa, em casos de alergia ou indisponibilidade de pirimetamina. As recomendações brasileiras são semelhantes. 

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Entretanto, outros países, como o Canadá, vêm utilizando SMX-TMP como tratamento de escolha para casos de neurotoxoplasmose com bons resultados. Considerando aspectos como dificuldade de acesso à pirimetamina, potencial de eventos adversos e facilidade posológica, o uso de SMX-TMP é atrativo. Uma revisão sistemática com metanálise buscou avaliar a eficácia dessa opção terapêutica. 

toxoplasmose

Materiais e métodos

A revisão incluiu estudos de coorte e ensaios clínicos randomizados indexados nos bancos de dados MEDLINE, EMBASE e Cochrane Library. Para inclusão, os trabalhos deveriam avaliar população adulta, independente de infecção ou não pelo HIV, e relatar desfechos de tratamento de neurotoxoplasmose aguda. Estudos foram excluídos se contivessem somente dados de crianças, < 20 pacientes tratados em cada braço de tratamento, ou se não apresentassem desfechos por tratamento avaliado. 

Resultados 

Foram encontrados 4979 estudos após busca na literatura, dos quais 32 foram incluídos, sendo 14 estudos retrospectivos, 9 estudos prospectivos, 5 ensaios clínicos randomizados, 3 estudos com único braço e 1 estudo de dose. Somente 1 estudo foi considerado como tendo risco alto de viés. 

Combinando os estudos incluídos, obteve-se dados de 1959 indivíduos, a maioria homens (81,3%) jovens (mediana de 30 – 40 anos de idade). A maioria, incluindo todos os ensaios clínicos randomizados, foram conduzidos antes de ampla disponibilidade de terapia antirretroviral (TARV) e nenhum continha pacientes com outra forma de imunossupressão que não infecção pelo HIV. 

Respostas clínica e radiológica

Para a resposta clínica, a proporção de resposta ao tratamento foi de 84,9% (IC 95% = 72,9 – 92,1) com SMX-TMP, de 81,2% (IC 95% = 74,4 – 86,6; p = 0,66 vs. SMX-TMP) para pirimetamina + sulfadiazina, e de 72,1% (IC 95% = 59,3 – 82,1; p = 0,27 vs. SMX-TMP) para pirimetamina + clindamicina. Não houve diferença estatisticamente significativa entre estimativas de estudos observacionais e ensaios clínicos. Os riscos relativos (RR) de resposta clínica em ensaios clínicos comparativos foram de 1,12 (IC 95% = 0,98 – 1,27) para pirimetamina + sulfadiazina comparada com pirimetamina + clindamicina e de 1,05 (IC 95% = 0,83 – 1,31) para pirimetamina + sulfadiazina comparada com SMX-TMP. 

A proporção de resposta radiológica ao tratamento foi de 82,1% (IC 95% = 72,8 – 88,7) com SMX-TMP, 77,6% (IC 95% = 68,2 – 84,8; p = 0,56 vs. SMX-TMP) para pirimetamina + sulfadiazina, e de 75,1% (IC 95% = 69,4 – 80,0%; p = 0,70 vs. SMX-TMP) para pirimetamina + clindamicina. Comparando os tipos de estudo, a resposta radiológica a SMX-TMP foi maior nos estudos observacionais do que nos ensaios clínicos. Os RRs foram 1,01 (IC 95% = 0,78 – 1,30) para pirimetamina + sulfadiazina vs. pirimetamina + clindamicina e 0,92 (IC 95% = 0,66 – 1,28) para pirimetamina + sulfadiazina vs. SMX-TMP. 

Mortalidades geral e específica

A análise de mortalidade por todas as causas encontrou uma prevalência de 2,3% (IC 95% = 0,4 – 12,5) para SMX-TMP, 8,3% (IC 95% = 5,3 – 12,8; p = 0,24 vs. SMX-TMP) para pirimetamina + sulfadiazina, e de 10,5% (IC 95% = 4,5 – 22,7; p = 0,20 vs. SMX-TMP) para pirimetamina + clindamicina. O RR foi de 0,68 (IC 95% = 0,35 – 1,31) para pirimetamina + sulfadiazina vs. pirimetamina + clindamicina. Não houve mortes nas comparações entre pirimetamina + sulfadiazina e SMX-TMP. 

Quando somente estudos em que mortalidade especificamente relacionada à neurotoxoplasmose foram analisados, as estimativas foram de 3,1% (IC 95% = 1,5 – 6,0) para SMX-TMP, 4,3% (IC 95% = 2,6 – 7,1; p = 0,61 vs. SMX-TMP) para pirimetamina + sulfadiazina, e de 7,1% (IC 95% = 1,3 – 30,1; p = 0,26 vs. SMX-TMP) para sulfadiazina + clindamicina. 

Segurança

As estimativas de descontinuação de tratamento por toxicidade foram menores com o uso de SMX-TMP quando comparado com os esquemas com sulfadiazina e clindamicina, de forma estatisticamente significativa (7,3% e 30,5% para SMX-TMP e pirimetamina + sulfadiazina, respectivamente; p < 0,01; e 13,7% para pirimetamina + clindamicina; p = 0,031 vs. SMX-TMP). Um ensaio clínico randomizado mostrou maior risco de descontinuação com sulfadiazina do que com esquemas com clindamicina (RR = 2,17; IC 95% = 1,22 – 3,85). 

Rash cutâneo foi o evento adverso mais comum, com frequências variando de 0 – 31% com SMX-TMP, 20 – 83% com pirimetamina + sulfadiazina, e 29% com pirimetamina + clindamicina. Mielotoxicidade, hepatoxicidade e nefrotoxicidade também foram eventos relatados entre os estudos incluídos.  

Mensagens práticas

– A revisão sistemática com meta-análise não encontrou diferenças nas respostas clínica e radiológica e nem em mortalidade entre esquemas com pirimetamina associada a sulfadiazina ou SMX-TMP. Entretanto, houve maior risco de toxicidade levando à interrupção de terapia com o uso de pirimetamina + sulfadiazina. 

– Em relação aos esquemas com pirimetamina, não houve diferenças nas respostas clínica e radiológica e nem em mortalidade entre esquemas com sulfadiazina ou com clindamicina. Entretanto, houve maior risco de toxicidade levando à interrupção de terapia com o uso de sulfadiazina. 

– Os autores destacam que as populações dos trabalhos incluídos são significativamente diferentes dos indivíduos afetados por neurotoxoplasmose atualmente. Assim, estudos recentes são necessários para determinar o melhor regime de terapia.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Prosty C, Hanula R, Levin Y, Bogoch II, McDonald EG, Lee TC. Revisiting the Evidence Base for Modern Day Practice of the Treatment of Toxoplasmic Encephalitis: A Systematic Review and Meta-Analysis. Clin Infect Dis. 2022 Aug 9:ciac645. doi: 10.1093/cid/ciac645. Epub ahead of print.