Tempo mínimo de tratamento para a pneumonia adquirida na comunidade: o estudo PCT

A duração difundida do tratamento antimicrobiano para pneumonia adquirida na comunidade, de 5 a 10 dias, não possui embasamento científico.

A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) é responsável por até 800.000 internações hospitalares anualmente dos EUA. A duração da antibioticoterapia tem impacto direto no desfecho clínico de pacientes com infecções graves. Além disso, tem influência em fatores como: tempo de internação, resistência bacteriana, efeitos adversos de medicações, e custos. No entanto, a duração usual de tratamento antimicrobiano, amplamente difundida, de 5 a 10 dias, não possui embasamento científico. Assim, esse assunto de grande importância pública ainda é pouco estudado. 

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O artigo em questão, publicado no Lancet, usou um desenho de não inferioridade para comparar o tratamento de pneumonia adquirida na comunidade com uso de beta-lactâmico por 3 dias versus 8 dias, em pacientes internados em enfermaria.

Tempo mínimo de tratamento para a pneumonia adquirida na comunidade: o estudo PCT

Desenho e procedimentos do estudo

Foi realizado um estudo randomizado controlado (RCT) com placebo, duplo-cego, financiado pelo Ministério de Saúde da França. O trabalho envolveu 16 centros franceses, randomizando pacientes adultos (≥ 18 anos), com diagnóstico de pneumonia e necessidade de internação hospitalar, porém sem critérios para admissão em unidade de terapia intensiva (UTI). Os pacientes eram incluídos se atingissem estabilidade clínica após 3 dias de tratamento com beta-lactâmicos.  Estabilidade clínica foi definida como: ausência de febre (temperatura ≤ 37,8 °C), frequência cardíaca < 100 bpm, saturação periférica de oxigênio ≥ 90%, frequência respiratória < 24 irpm, pressão arterial sistólica ≥ 90 mmHg, e nível de consciência normal. 

Foram excluídos pacientes com necessidade de internação em UTI, pneumonia complicada (ex: abscesso, empiema), imunossuprimidos, pneumonia associada aos cuidados de saúde, ou suspeita de agentes atípicos (ex: Legionella). 

Após a inclusão, os pacientes foram randomizados para receber mais 5 dias de Amoxicilina + Clavulanato (grupo controle com 8 dias de antibiótico no total), ou placebo (grupo intervenção com apenas 3 dias de antibiótico). Vale lembrar que a intenção do trabalho foi demonstrar que a terapia com 3 dias de beta-lactâmico era não inferior a 8 dias de tratamento. Após a alocação nos grupos, todas as demais intervenções (exceto antibioticoterapia), assim como a decisão sobre alta hospitalar, ficaram a cargo da equipe médica assistente. Os pacientes foram acompanhados através do prontuário médico ou telefonemas, se obtivessem alta hospitalar antes do 8º dia de tratamento. Consultas para reavaliação foram agendadas para 15 e 30 dias após início de antibioticoterapia, com radiografia de tórax de controle após 30 dias. 

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O desfecho primário avaliado foi cura clínica após 15 dias, definida como: ausência de febre, resolução dos sintomas respiratórios e ausência de necessidade de nova antibioticoterapia. A margem de não inferioridade escolhida foi de 10%. Isso significa que foi aceito pelos autores que o desfecho dos pacientes com antibioticoterapia por 3 dias fosse não inferior, ou até 10% pior, do que aqueles que utilizaram 8 dias de terapia 3

Com essa margem, foi calculada uma amostra necessária de 310 pacientes para obter um poder de 80%, considerando uma taxa de cura esperada de 90%. 

Foram feitas análises dos desfechos por intenção de tratar e per protocol, conforme é adequado para estudos de não inferioridade. Desfechos secundários avaliados foram mortalidade por qualquer causa em 30 dias, eventos adversos, melhora dos sintomas, e tempo de recuperação até retorno das atividades usuais. 

Resultados

De dezembro de 2013 até fevereiro de 2018, foram avaliados 706 pacientes, dos quais 310 foram considerados elegíveis para o estudo. Destes, sete retiraram consentimento, restando 303 pacientes para a análise por intenção de tratar. Na análise per protocol, foram incluídos apenas 296 pacientes, em função de violações do protocolo, perda de seguimento, ou retirada de consentimento. A mediana de idade dos pacientes foi de 73 anos (intervalo interquartil – IQR: 57 a 84 anos), com mediana de PSI (Pneumonia Severity Index) de 82 (IQR: 57,5 a 104), consideravelmente alto. 

Na análise por intenção de tratar, 77% dos pacientes no grupo placebo (3 dias de tratamento com antibiótico), versus 68% dos pacientes no grupo beta-lactâmico (8 dias de terapia), atingiram critério de cura. Isso representa uma diferença absoluta de 9,42% entre os grupos (IC 95%  – 0,48 a 20,04), o que atinge o critério de não inferioridade estabelecido. Os resultados foram semelhantes na análise per protocol, assim como nas análises após 30 dias do início do tratamento. 

Note que a taxa de cura encontrada nos grupos foi substancialmente menor do que a utilizada para o cálculo do tamanho amostral (90%).

Não houve diferença entre os grupos na mortalidade em 30 dias, no tempo de internação hospitalar, no tempo para recuperação clínica, ou na incidência de eventos adversos relacionados ao tratamento (grupo placebo 14% versus grupo beta-lactâmico 19%; p=0,29).

Interpretação

Para correta análise dos resultados estudo, é importante ressaltar alguns pontos:

  • Os pacientes só eram considerados elegíveis para o curso curto de antibióticos após três dias de terapia antimicrobiana, com evidência de resposta clínica. Essa foi a causa da exclusão de 31% dos pacientes analisados para inclusão no estudo. 
  • Os resultados não podem ser extrapolados para pacientes em ambiente de UTI, pois essa população não foi incluída no estudo.
  • A taxa de cura encontrada nos grupos foi muito menor do que a utilizada para cálculo do tamanho amostral. Assim, o resultado encontrado poderia ser explicado pela perda de poder do estudo, em função de amostra insuficiente. 
  • Em função do desenho de não-inferioridade, não podemos inferir equivalência entre as intervenções. A margem de não inferioridade escolhida (10%), pressupõe uma tolerância de que o curso curto de antibioticoterapia obtivesse desfecho até 10% pior do que o tempo habitual de terapia, e ainda assim, fosse considerada não inferior.

Os resultados do estudo levantam a hipótese de que em pacientes com pneumonia adquirida na comunidade, fora do contexto de UTI, a antibioticoterapia por 3 dias seja tão efetiva e segura quanto o tratamento por 8 dias. Potencialmente, o tratamento por menor duração é capaz de reduzir a emergência de resistência bacteriana, especialmente induzida pelo uso indiscriminado de cefalosporinas de 3ª geração e da combinação Amoxicilina-Clavulanato.

No entanto, o trabalho deve ser interpretado apenas como gerador de hipóteses. Seus resultados devem ser confirmados em um RCT prospectivo que possa avaliar a superioridade ou inferioridade dessa estratégia, antes de sua adoção na prática clínica para tratamento da pneumonia adquirida na comunidade. 

Referências bibliográficas:

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  • Kaji AH, Lewis RJ. Noninferiority Trials: Is a New Treatment Almost as Effective as Another? JAMA. 2015 Jun 16;313(23):2371-2. doi: 10.1001/jama.2015.6645

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