Transferência nervosa no tratamento da paralisia espástica: por que deu certo?

Foi publicado recentemente na revista New England Journal of Medicine um artigo sobre o uso da transferência nervosa no tratamento da paralisia espástica no membro superior.

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Foi publicado recentemente na revista New England Journal of Medicine um artigo sobre o uso da transferência nervosa no tratamento da paralisia espástica no membro superior¹. Os autores se basearam em uma técnica utilizada em pacientes com lesão de plexo braquial e nos resultados, anteriormente publicados pelo grupo, de seu emprego no tratamento das consequências de lesões centrais2,3.

O estudo chinês, randomizado e controlado, selecionou pacientes entre 12 e 45 anos com paresia espástica (a metodologia esclarece que, apesar do título, os pacientes não apresentavam perda completa de força) crônica no membro superior. As causas da lesão cerebral incluíam acidente vascular encefálico, traumatismo craniano, paralisia cerebral e encefalite.

Dezoito pacientes (todos homens) foram submetidos à cirurgia de transferência do sétimo nervo cervical do lado são para o lado acometido associada à reabilitação. O procedimento cirúrgico consistiu na secção bilateral do nervo C7 seguida de anastomose direta da porção proximal do nervo do lado são com a porção distal do nervo do lado acometido. O grupo controle, também formado por 18 pacientes masculinos, recebeu somente reabilitação.

O principal desfecho avaliado foi a mudança na pontuação na escala Fugl-Meyer de função motora do membro superior medida na entrada do estudo e após 12 meses. Os desfechos secundários englobaram mudança na escala Ashworth de espasticidade, na amplitude de movimento e no uso funcional do membro paralisado. Medidas de ativação central (com Ressonância Magnética Funcional – RMf – e estimulação magnética transcraniana) e de ativação periférica (com estimulação elétrica dos nervos cervicais) também foram utilizadas.

Mais da autora: ‘Neuroproteção em AVC – por que não funciona?’

Os resultados do estudo mostraram melhora significativa da função motora, da espasticidade, da amplitude de movimento e da funcionalidade nos pacientes submetidos à transferência nervosa quando comparados ao grupo controle. As medidas neurofisiológicas e com RMf nos pacientes submetidos à transferência nervosa evidenciaram o estabelecimento de conexão entre o hemisfério contralesional (hemisfério oposto à lesão cerebral) e o membro acometido. Identificou-se crescente participação do hemisfério contralesional na ativação do membro acometido em detrimento do hemisfério ipsilesional (hemisfério do mesmo lado da lesão cerebral).

Entretanto, a transferência nervosa não foi isenta de complicações. Foram observados os seguintes eventos adversos no lado do nervo doador: parestesia, redução da força para extensão de cotovelo e punho e redução da sensibilidade. De acordo com o estudo, essas alterações, exceto redução da sensibilidade no indicador, foram sanadas em até 12 meses.

O estudo suscita alguns questionamentos. Os autores e o editorial4 da mesma edição da revista discutem quais aspectos seriam responsáveis pela melhora motora e funcional observada. Seria decorrente somente da secção de C7 no lado acometido? Contexto que reduziria a espasticidade e, por conseguinte, facilitaria a reabilitação e a utilização do membro acometido. Seria decorrente do estabelecimento de conexões entre o hemisfério contralesional e o membro acometido?

Acrescentaria à discussão outros dois aspectos. O primeiro diz respeito à localização e extensão das lesões cerebrais implicadas no déficit observado nos pacientes: as lesões são corticais ou subcorticais? Nos pacientes com lesões traumáticas haveria acometimento bilateral, porém subclínico em um dos lados? O segundo aspecto, recorrente quando se fala em plasticidade cortical, e não abordado no artigo, é a participação do hemisfério contralesional, especificamente a inibição transcalosa, no estabelecimento de sequelas e na reabilitação das lesões cerebrais.

O artigo apresenta uma oportunidade para a discussão dos mecanismos fisiológicos e patológicos envolvidos no controle motor. Entretanto, seus resultados e as dúvidas suscitadas devem ser melhores compreendidos antes que a técnica possa ser definitivamente estabelecida para o tratamento da paresia espástica do membro superior.

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Referencias:

  1. ZHENG, M-X., et al. Trial of Contralateral Seventh Cervical Nerve Transfer for Spastic Arm Paralysis. New England Journal of Medicine, 2018; 378:22-34.
  2. HUA, X-Y., et al. Contralateral peripheral neurotization for hemiplegic upper extremity after central neurologic injury. Neurosurgery, v. 76, n. 2, p. 187-195, 2014.
  3. XU, Wen‐Dong et al. Contralateral C7 nerve root transfer in treatment of cerebral palsy in a child: case report. Microsurgery, v. 31, n. 5, p. 404-408, 2011.
  4. SPINNER, R. J.; SHIN, A. Y.; BISHOP, A. T. Rewiring to Regain Function in Patients with Spastic Hemiplegia, New England Journal of Medicine, 2018; 378:83-84.

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