Trombectomia mecânica no AVC isquêmico: um panorama geral e atualizado

Há estimativas de que 10% dos pacientes com acidente vascular cerebral são elegíveis para trombectomia mecânica.

A trombectomia mecânica é uma das terapias de recanalização de fase aguda do acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi). Com evidências na literatura desde 2015, esse tratamento revolucionou o desfecho funcional desses pacientes – apresentando um excelente número necessário para tratar (NNT).   

Há estimativas de que 10% dos pacientes com acidente vascular cerebral são elegíveis para trombectomia mecânica. Contudo, em parâmetros reais isso ainda, infelizmente, não é observado. No Reino Unido, por exemplo, aproximadamente 3% dos pacientes com AVC recebem oferta dessa terapia. Já no Brasil, a incorporação dessa terapêutica no SUS foi implantada apenas em 2021 após o ensaio clínico brasileiro RESILIENT. 

Leia também: Oximetria cerebral: uma ferramenta preciosa

A revista BMJ Medicine trouxe, nesse ano, excelente revisão acerca das evidências mais atualizadas nessa área a fim de auxiliar na indicação dessa terapia. 

AVCi de circulação anterior

(Tempo de janela: 0 – 6 horas)

A publicação, em 2015, de cinco ensaios clínicos randomizados que evidenciaram eficácia de terapia dupla (trombectomia mecânica + trombólise venosa) ao comparar com terapia padrão (trombólise venosa apenas) trouxe um robusto embasamento para esse procedimento invasivo na abordagem aguda do AVCi relacionado à oclusão de grandes vasos. De uma forma geral, esses cinco ensaios clínicos (MR CLEAN, ESCAPE, EXTEND-IA, REVASCAT e SWIFT-PRIME) avaliaram oclusão proximal exclusivamente de circulação anterior, com o tempo de janela terapêutica (pelo menos quatro entre os cinco estudos) em até 8 horas do ictus vascular. 

A metanálise HERMES foi responsável por avaliar de forma conjunta esses cinco ensaios clínicos, possibilitando analisar a eficácia de trombectomia mecânica para uma amostra de 1200 paciente. A partir dessa metanálise, foi observado que o grupo submetido à terapia endovascular apresentou um melhor desfecho funcional comparado ao controle. Nessa metanálise, o NNT calculado foi de 2.6 ao avaliar a capacidade da trombectomia mecânica reduzir 1 ponto na escala Rankin modificada para um paciente. 

Em outra metanálise subsequente publicada pela JAMA em 2016, os participantes desses ensaios clínicos que mais se beneficiaram de trombectomia mecânica foram àqueles em que a terapia foi conduzida em até 7 horas e 18 minutos do ictus vascular. 

Os protocolos dos ensaios presentes na metanálise do HERMES, implantados na prática clínica para eleger essa terapia aos pacientes com AVCi, apresentavam os seguintes critérios: déficit neurológico com escala NIHSS ≥ 6, escala Rankin prévia ≤2, escala ASPECTS ≥ 6 e presença de oclusão proximal de carótida interna ramo terminal ou ramo M1 de artéria cerebral média. 

AVCi de circulação anterior

(Tempo de janela estendido: 6 – 24 horas)

No estudo HERMES, após 7 horas e 20 minutos do ictus vascular, os pacientes apresentavam menor chance de independência funcional em 3 meses. Apesar desse bom resultado, avaliar a eficácia de trombectomia mecânica em pacientes com AVCi com ictus vascular indeterminado seria relevante em virtude dessa situação representar 20% das apresentações de acidente cerebrovascular. 

O avanço de métodos em neuroimagem avançada, como ressonância magnética de crânio e tomografia de perfusão de crânio, possibilitou uma seleção mais criteriosa desses pacientes – já que permitiu melhor análise da área de infarto e da área de penumbra viável. Com o uso desses recursos de neuroimagem, dois ensaios clínicos, o DAWN e o DEFUSE-3 trials, avaliaram pacientes com tempo de janela terapêutica estendida, em que houve demonstração de melhor desfecho funcional para o grupo submetido a intervenção com trombectomia mecânica. 

No DEFUSE-3 trial, os participantes inclusos no estudo apresentaram tempo de janela terapêutica em torno de 6-16 horas do ictus vascular, com neuroimagem avançada demonstrando área de infarto < 70ml e taxa de penumbra ≥ 1.8. Já no DAWN trial, os participantes apresentavam janela terapêutica em até 24h do ictus vascular, com área de penumbra presumida através de déficit neurológico significativo (estimado a partir da escala NIHSS – cuja mediana no estudo foi em torno de 17) mas com pequena área de infarto nos métodos de neuroimagem avançada (seja por RM ou TC). 

AVCi de circulação posterior

(Tempo de janela: 0 – 24 horas)

A metanálise do estudo HERMES forneceu informações de trombectomia mecânica exclusivamente para casos de oclusões de circulação anterior. Sabe-se, entretanto, que 20% dos acidentes vasculares cerebrais são decorrentes de oclusões de circulação posterior, dependentes do suprimento da artéria basilar. Geralmente, o AVCi de oclusão de basilar possui elevada morbimortalidade, estimada em 80%. 

Até o presente momento, quatro ensaios clínicos investigaram esse procedimento no tratamento de oclusão de basilar. Os primeiros dois ensaios, BASICS e BEST, apresentaram baixo recrutamento e alto crossover, não demonstrando melhora funcional dos participantes submetidos à trombectomia mecânica. 

Recentemente, os outros dois ensaios clínicos, ATTENTION e BAOCHE trials, foram publicados na mesma edição da New England Journal of Medicine, em que foi demonstrado bom desfecho funcional para trombectomia mecânica naqueles pacientes com NIHSS > 10. No estudo ATTENTION, esse procedimento foi investigado para tempo de janela terapêutica entre 0-12 horas; enquanto, no BAOCHE trial, a janela foi estendida entre 6-24 horas após ictus vascular. 

Leia mais em: Trombectomia mecânica para oclusão aguda de artéria basilar é eficaz?

Trombectomia em casos de oclusão em tandem 

Oclusão em tandem refere-se ao acidente cerebrovascular secundário à oclusão intracraniana de grandes vasos e à oclusão de carótida interna extracraniana concomitante. Esse evento pode acontecer entre 10-20% das apresentações de AVCi com oclusão de grandes vasos. 

A abordagem endovascular, através de angioplastia com implantação de stent na fase aguda, pode aumentar a chance de lise do coágulo intracraniano, tratar a provável etiologia do AVCi e reduzir a chance de sua recorrência. Contudo, geralmente essa abordagem requer início de terapia antitrombótica, de forma que isso aumente o risco para transformação hemorrágica – principalmente naqueles com grande área de infarto cerebral e naqueles que receberam trombólise intravenosa. 

Estudos de caráter observacional sugerem resultados funcionais favoráveis sem aumento significativo de hemorragia intracraniana sintomática ou complicações periprocedimento para eventos cerebrovasculares com oclusão em tandem. Ainda assim, respostas mais robustas para essa situação serão esclarecidas a partir de dois ensaios clínicos randomizados, EASI-TOC e TITAN trial, que, atualmente, estão em andamento. 

Trombectomia em casos de grande área de infarto cerebral 

A chance de atingir independência funcional através de trombectomia mecânica é considerada menor em pacientes com AVCi apresentando baixo ASPECTS durante a admissão dessa condição. Afinal, nesses casos, há uma presunção de uma grande área de infarto tecidual já estabelecida. Além disso, essa população geralmente é mais suscetível à transformação hemorrágica. 

Recentemente, foram publicados ensaios clínicos, SELECT-2 e ANGEL-ASPECTS trials, que investigaram essa terapia endovascular para pacientes com grande área de infarto (ASPECTS entre 3-5). Embora esses ensaios apresentem algumas diferenças em relação à população-alvo e à localização geográfica, os pacientes com grande área de infarto cerebral por oclusão de grandes vasos se beneficiaram de trombectomia mecânica em tempo de janela terapêutica até 24 horas do ictus vascular. Além disso, a avaliação da taxa de mortalidade foi similar ao comparar o grupo de intervenção com controle em ambos os trials. 

Leia mais em: Perspectiva sobre trombectomia mecânica no AVC agudo com grande área de infarto

Situações com perspectivas de respostas futuras: 

AVC minor 

Em relação aos cinco ensaios do estudo HERMES, três excluíram pacientes com AVCi minor (cujo NIHSS está entre 0-5). Entretanto, há a possibilidade de um paciente apresentar AVCi minor apresentar oclusão de grandes vasos. Geralmente, isso pode ocorrer nos casos em que esse paciente possua boa vascularização colateral. Ainda assim, é importante enfatizar que esses pacientes têm risco de deterioração neurológica caso haja falha desse sistema colateral.   

Não há disponível ainda dados na literatura de nível 1a que suportem trombectomia mecânica para AVC minor. Atualmente, há dois ensaios clínicos randomizados (MOSTE e ENDOLOW) em andamento para analisar o benefício desse procedimento nessa população. 

Oclusão de vasos de médio calibre 

A oclusão de vasos de médio calibre (considerados regiões de M2/3 da artéria cerebral média, A2/A3 de artéria cerebral anterior e P2/3 de artéria cerebral posterior) foram em grande parte excluídos dos ensaios clínicos que compuseram a metanálise HERMES. 

Ainda assim, esses casos equivalem a 25-40% dos eventos cerebrovasculares que poderiam se beneficiar de trombectomia mecânica. Os ensaios clínicos ESCAPE-MeVO e DISTAL estão em andamento para prosseguir com avaliação desse procedimento nessa população. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Raha, Oishik, et al. Advances in mechanical thrombectomy for acute ischaemic stroke. BMJ medicine 2.1 (2023). 

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