Uso de IBP aumenta o risco de infecção grave em crianças menores de 7 anos?

O uso de inibidores de bomba de prótons (IBP) é um dos principais tratamentos da DRGE e seu uso é crescente em crianças.

O uso de IBP já foi associado com fraturas ósseas, lesão renal aguda, asma, alergia e doença inflamatória intestinal. Suspeita-se que podem aumentar o risco de infecção por meio da modificação do pH gástrico ou ação direta no sistema imune, mas há poucos estudos que avaliam esse risco. A fim de investigar a associação entre o uso de IBP e o risco de infecção grave, Lassale, Zureik e Rosemary fizeram um estudo de coorte nacional na França, o qual foi publicado em agosto de 2023 no JAMA Pediatrics. Neste artigo, apresentaremos as principais contribuições desse estudo.

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Uso de IBP aumenta o risco de infecção grave em crianças menores de 7 anos

Método

O estudo de coorte usou o registro Mother-Child EPI-MERES da base de dados de saúde nacional francesa, que inclui todas as gestantes tratadas na França desde 2010 e seus filhos, contendo dados sociodemográficos, uso de medicamentos, consultas médicas, internações hospitalares, procedimentos hospitalares e gastos com doenças crônicas.

O desfecho analisado consistia na ocorrência de infecção grave definida como infecção que necessitou de internação hospitalar. As infecções eram divididas conforme local de acometimento e tipo de patógeno (viral ou bacteriana). As associações entre infecções graves e o uso de IBP foram estimadas por taxas de risco ajustadas (aHR), usando um intervalo de confiança de 95% (IC95%) e modelos de Cox. Um intervalo de 30 dias foi aplicado para minimizar a causalidade reversa. Os modelos foram ajustados para dados sociodemográficos, características da gestação, comorbidades infantis e utilização de cuidados de saúde.

A população incluída no estudo foram todas as crianças nascidas de janeiro de 2010 a dezembro de 2018, que receberam IBP, antagonistas de receptores de histamina 2 ou antiácidos/alginato entre o nascimento até dezembro de 2019, ou seja, as crianças tinham menos de 10 anos de idade. Incluíram crianças que receberam antagonistas de receptores de histamina 2 ou antiácidos/alginato, pois essas medicações têm as mesmas indicações clínicas, mas só o IBP reduz muito o pH gástrico e é mais propenso a aumentar o risco de infecções. Considerou-se data índice como a primeira data em que qualquer um desses medicamentos foi dispensado. As crianças recebiam seguimento até evoluírem com infecção grave, falecerem, perderem seguimento (considerado como 1 ano após a última data da consulta ambulatorial) ou até a data 31/12/2019, o que acontecesse primeiro.

Foram excluídas crianças com história de infecção perinatal, outra infecção grave antes de usar uma dessas medicações, que não receberam atendimento ambulatorial antes da data índice ou cuja mãe não recebeu atendimento ambulatorial no ano anterior ao início da gravidez.

Quanto à exposição de IBP, as crianças foram classificadas em:

  • não exposto;
  • exposto, o qual era caracterizado em:
    • exposição prévia ou em andamento;
    • por ≤ 6 meses, 7-12 meses ou >12 meses, calculavam que 1 comprimido correspondia a 1 dia de exposição;
    • considerava-se que o tratamento foi retirado quando estava há 90 dias sem exposição e sem dispensação de novo IBP.

Aplicaram um intervalo de 30 dias na exposição devido à latência no desenvolvimento da infecção e para limitar o viés protopático, que é um erro sistemático decorrente do uso da medicação de interesse para tratar pródomos de um desfecho iminente que será avaliado.

Saiba mais: Qual papel dos IBP na progressão da displasia e evolução com adenocarcinoma no esôfago de Barrett?

Resultados

Das 6.349.003 nascidas de 1/1/2010 a 31/12/2018, por conta dos critérios de inclusão e exclusão, o estudo só conseguiu incluir 1.262.424 crianças [com mediana de acompanhamento de (IQR), 3,8 (1,8-6,2) anos], sendo que 606.645 receberam IBP com idade mediana (IQR) na data índice de 88 (44-282) dias e 655.779 não receberam IBP com idade mediana (IQR) de 82 (44-172) dias. No final, só foram incluídas crianças com menos de 7 anos de idade. Em ambos os grupos, a proporção de meninos era semelhante a 52-53%.

A frequência de comorbidades (incluindo doenças respiratórias) era maior no grupo que recebeu IBP que no grupo sem IBP na data índice [48.972/606.645 (8,1%) versus 23.636/655.779 (3,6%)]. A propensão de usar corticosteroides também foi maior no grupo com IBP que no sem IBP [40.251 (6,6%) versus 19.173 (2,9%) sem IBP; com diferença absoluta padronizada de 0,18].

A exposição ao IBP foi associada a um aumento do risco de infecções:

  • graves no geral (aHR, 1,34; IC 95%, 1,32-1,36);
  • no trato digestivo (aHR, 1,52; IC 95%, 1,48-1,55);
  • no ouvido, nariz e faringe (aHR, 1,47; IC 95%, 1,41-1,52);
  • trato respiratório inferior (aHR, 1,22; IC 95%,1,19-1,25);
  • rins ou trato urinário (aHR, 1,20; IC 95%, 1,15-1,25);
  • e sistema nervoso (aHR, 1,31; IC 95%, 1,11-1,54);
  • bacterianas (aHR, 1,56; IC 95%, 1,50-1,63) e virais (aHR, 1,30; IC 95%, 1,28-1,33);
  • tanto em crianças nascidas gravemente prematuras como naquelas com condições crónicas (aHR, 1,36; IC 95%, 1,32-1,41) e naqueles sem nenhuma dessas condições no início do estudo (aHR, 1,32; IC 95%, 1,30-1,34).

Maiores riscos de infecções graves associadas ao IBP exposição ao longo do tempo foram observadas após zero ou 7 dias do término do uso do que após 30 ou 60 dias, exceto para as infecções do trato respiratório inferior, para as quais os riscos permaneceram quase inalterados independentemente do tempo que o uso foi cessado. As associações persistiram ao usar um término de uso de 60 dias, exceto para infecções musculoesqueléticas.

Considerações

Esse estudo teve limitações como não colocar a indicação da prescrição do IBP por não ter esse dado no banco de dados usado. Também não teve acesso às prescrições intra-hospitalares de IBP.

Conclusão e mensagem prática

Esse estudo foi pioneiro ao investigar e mostrar que o uso de IBP foi associado a riscos aumentados de infecções graves tanto bacterianas quanto virais em crianças com menos de 7 anos de idade, em diversos sítios e independentemente da presença de comorbidade. Isso reforça que os inibidores da bomba de prótons não devem ser usados sem indicação clara nas crianças com menos de 7 anos de idade.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Lassalle M, Zureik M, Dray-Spira R. Proton Pump Inhibitor Use and Risk of Serious Infections in Young Children. JAMA Pediatr. Published online August 14, 2023. DOI: 10.1001/jamapediatrics.2023.2900