Uso de psicofármacos na gestação

O período perinatal expandido (a gestação e o primeiro ano de pós-parto) é um momento de vulnerabilidade aos transtornos afetivos e ansiosos.

De modo geral, as mulheres apresentam maior risco para desenvolver transtornos mentais nos períodos da sua vida marcados por maior flutuação dos hormônios reprodutivos, como puberdade, fase pré-menstrual, gestação e puerpério, após aborto, durante tratamentos para infertilidade e no período perimenopausa.

A presença de transtorno mental durante a gestação está associada a pior aderência às orientações perinatais, aumento do risco de abortamento espontâneo, complicações obstétricas, de exposição a substâncias psicoativas, de comportamentos autoagressivos e suicidas e aumento do risco de depressão pós-parto e psicose puerperal.

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A despeito dos desfechos dramáticos, apenas um terço dos casos de depressão e ansiedade são devidamente diagnosticados, uma em cada cinco gestantes deprimidas procuram algum tipo de tratamento e a maioria das gestantes que se encontra em tratamento para transtornos afetivos e ansiosos interrompe a medicação quando se descobre grávida, sendo que 68% das gestantes que interrompem o tratamento com antidepressivos próximo à concepção recaem.

Nesse sentido, considerando a importância do adequado tratamento de questões psiquiátricas na gestação e puerpério, todos os médicos devem estar aptos a oferecer informações adequadas sobre os psicofármacos que podem ser utilizados na gestação.

As decisões sobre qual tratamento realizar em uma futura gestação devem ser tomadas, idealmente, antes da concepção. Durante a gestação a decisão sobre o tratamento deve considerar os seguintes riscos: 1) rico do feto à exposição ao medicamento; 2) risco da doença não tratada para mãe e feto; 3) risco de recaída associado a suspensão do medicamento.

Mudanças no volume plasmático, aumento do metabolismo hepático e do clearance renal durante a gestação podem interferir no nível sérico da dose, sendo necessário aumento ao longo da gestação, especialmente no último trimestre.

Embora amplamente utilizados, não existe psicotrópicos aprovados para ser utilizados em gestantes pelo Food and Drug Administration (FDA). As estimativas de risco, assim, são originadas de estudos em animais, séries de caso, estudos retrospectivos em gestações não planejadas ou que não interromperam a medicação.

Quatro riscos da exposição pré-natal aos psicotrópicos devem ser considerados: 1) risco de abortamento; 2) risco de malformação ou teratogênese; 3) risco de toxicidade neonatal e síndrome de abstinência; 4) risco de sequelas neurocomportamentais de longo prazo.

Uso de psicofármacos na gestação

Antidepressivos

A maioria dos estudos sobre risco fetal foi realizado com inibidores seletivos de recaptação de serotonina e tricíclicos. Enquanto grupo eles não são teratogênicos.

Tricíclicos

Não há evidência de sua associação com malformações. Estudos de coorte têm apontado para um risco até três vezes maior para pré-eclâmpsia. Nortriptilina é preferida por ser menos anticolinérgica (menor chance de agravar hipotensão ortostática presente na gestação). A síndrome de abstinência/descontinuação é análoga a apresentada por outros antidepressivos, com o bebê cursando com irritabilidade, choro persistente, calafrios, tremores, inquietação, dificuldade de sucção, hipoglicemia, icterícia, vômitos, hiper ou hipotonia, hiper-reflexia e diminuição do sono. O bebê também pode apresentar toxicidade pelos efeitos anticolinérgicos, evoluindo com constipação e retenção urinária. Os sintomas são autolimitados. Há poucos estudos disponíveis com os efeitos de longo prazo, mas sem evidência de atraso no neurodesenvolvimento.

Inibidores seletivos da recaptação de serotonina

Alguns estudos apontam para um aumento do risco relativo para abortamentos nos primeiros meses de gestação, apesar das taxas de aborto não ultrapassarem a incidência mediana da população. Além disso, esses estudos não controlaram vieses referentes ao transtorno mental e estilo de vida (uso de substâncias psicoativas).

Os ISRS são considerados seguros para anomalias congênitas, excetuando-se a paroxetina, para a qual há relatos de alterações cardíacas resultantes da exposição no primeiro trimestre. Os mesmos sintomas da descontinuação descritos para os tricíclicos ocorrem com os ISRS.

Alguns estudos apontam para um aumento do risco de Transtorno do Espectro do Autismo em crianças expostas a antidepressivos na gestação, principalmente ISRS, mas esse aumento parece se dever a um viés de indicação (risco associado a doença materna que levou ao uso do antidepressivo).

Demais antidepressivos

Inibidores da monoaminoxidade devem ser evitados na gestação. Informações sobre o uso de bupropiona são limitadas, mas em geral tranquilizadoras. Dos inibidores da recaptação da serotonina e noradrenalina, a venlafaxina é a mais utilizada, mas conta ainda com poucas informações. Ela é segura para malformações, mas aumenta o risco de hipertensão arterial após 20 semanas e pré-eclâmpsia. Duloxetina também se mostra segura para malformações. Mirtazapina também não parece aumentar a frequência de malformações e tem um uso promissor em hiperêmese gravídica. Quanto a trazodona, há poucas informações disponíveis e seu uso deve ser evitado.

Benzodiazepínicos

Os estudos com uso de BZD durante gestação são contraditórios. Alguns estudos sugerem que o seu uso associado a ISRS podem aumentar a incidência de malformações cardíacas. Grigoriadis et al., em uma revisão sistemática não encontrou aumento de risco de malformações com o uso em monoterapia. Seu uso está associado com toxicidade perinatal, incluindo hipotermia, apneia, escores do APGAR reduzidos, hipotonia e dificuldade de sucção. O uso de BZD na gestação não parece ter efeitos de longo prazo no neurodesenvolvimento.

Não há contraindicação absoluta ao uso de BZD na gestação, mas o uso deve ser, preferencialmente pontual, com drogas de alta potência e meia-vida mais curta. Usos prolongados são desencorajados.

Antipsicóticos

Em geral, os antipsicóticos são medicações seguras de serem usadas na gestação e não as utilizar quando indicadas para transtornos mentais graves possui um risco muito maior, incluindo suicídio e infanticídio. Quetiapina, risperidona, haloperidol e olanzapina são os que têm menor passagem placentária. O uso de antipsicóticos pode aumentar o risco de diabetes gestacional e ganho de peso excessivo pela gestante.

Não há evidências de efeitos de longo prazo do uso de antipsicóticos para os fetos expostos — estudos com antipsicóticos atípicos mostraram atrasos no neurodesenvolvimento aos 6 meses, mas que não se mostravam persistentes — não estavam evidentes no 12º mês. Inquietação, distonia, hipertonia e tremor ocorrem como parte da síndrome de má adaptação neonatal.

Os antipsicóticos são melhores opções para quadros de mania agudos que lítio ou anticonvulsivantes. Deve-se evitar usar medicações de depósitos que possam prolongar os efeitos tóxicos no recém-nascido.

Estabilizadores de humor

O uso de lítio especialmente no primeiro trimestre está associado com o aumento de uma malformação cardíaca — anomalia de Ebstein. O risco da sua ocorrência, no entanto, é significativamente menor do que sugeria o The International Register of Lithium Babies, de 1973, que demonstrou um risco 400 vezes maior de malformação. Análises mais recentes sugerem que a anomalia ocorre em menos que 1% das crianças expostas.

Bebês expostos apresentam ao nascer a síndrome do floppy baby, caracterizada por hipotonia, letargia, arritimias e cianose. Além disso, casos de hipotireoidismo, diabetes insipidus nefrogênico, hiperbilirrubinemia e problemas respiratórios são relatados.

Para mulheres com transtorno bipolar grave, o risco de recorrência durante a gestação pode sobrepor o risco relativamente pequeno da anomalia de Ebstein.

Ácido valproico e carbamazepina não devem ser usados na gestação pelas altas taxas de malformação. Ácido Valproico está associado a taxas de malformações de três a cinco vezes maior quando comparado com mulheres sem uso (defeitos no tubo neural, espinha bífida, craniossinostose, fenda paliativa, defeito de septo atrial, hipospadia e polidactilia), com taxas totais de malformações maiores que 10% em alguns estudos, principalmente com a exposição no primeiro trimestre. Carbamazepina está associada a primariamente a espinha bífida, mas também com alterações de tubo neural, anormalidades faciais, esqueléticas, hipospadia e hérnia diafragmática. Alguns estudos sugerem a administração de ácido fólico para evitar principalmente malformações do tubo neural, apesar de não estar clara a efetividade da intervenção. Para além das malformações, a exposição intrauterina ao ácido valproico e carbamazepina estão associadas a comprometimentos no neurodesenvolvimento.

Estudos sugerem não haver aumento no risco de malformações congênitas com o uso de lamotrigina em monoterapia. Deve-se atentar para o risco de rash cutâneo nos neonatos.

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