UTI neonatal dificulta o vínculo da criança com a família

A UTI neonatal exige mais aspectos voltados à humanização, pois é necessário criar espaço para o desenvolvimento do vínculo da criança com a família.

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A Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTI neonatal) é um serviço de internação destinado a recém-nascidos (RN) de 0 a 28 dias com alto risco, identificados através de critérios como asfixia grave, pré-termo com baixo peso ao nascer, idade gestacional insuficiente e outras doenças graves2.

O processo de humanização é caracterizado como a forma pela qual se deve prestar assistência ao paciente, considerando-o como ser biopsicossocial e referindo-se também a tudo que está ligado ao processo saúde-doença: família, equipe multiprofissional, ambiente, assistência prestada1.

Considerando o ambiente crítico, a UTI neonatal exige ainda mais aspectos voltados à humanização, pois, além da individualização do cuidado, considerando as necessidades singulares do paciente, ainda é necessário criar espaço para o desenvolvimento do vínculo da criança com a família. Diferente do paciente adulto, que já possui vínculo familiar e social estabelecido e pode contar com essa realidade como um recurso de enfrentamento do processo, o neonato ainda não dispõe da possibilidade de vivenciar a rotina domiciliar, a relação materna/paterna, a percepção real de cuidado pautado no afeto familiar.

O ambiente mais adequado para o crescimento e formação do bebê é o útero materno, capaz de oferecer temperatura ideal, proteção acústica, sensação de conforto e proximidade humana. É nesta fase que ocorrem as primeiras experiências que formarão o vínculo, principalmente auditivas, em que o bebê se adapta à percepção segura dos batimentos cardíacos da mãe, e dos estímulos e carinhos indiretos.

A UTI, em contrapartida, é um ambiente com temperatura reduzida, estímulos diversos (sonoro, visual, tátil, etc.) associados a sensações ambivalentes, por vezes, de desconforto, resultando em limitação do contato corporal e afetivo da figura materna.

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Garantir a presença física dos pais no ambiente de UTI é de grande valia para a família do neonato. Entretanto, não é suficiente para o estabelecimento integral do vínculo com a criança. A quantidade de aparelhos, de sondas e cateteres, de máquinas de terapia substitutiva, pode tornar impossível ou insuficiente o próprio afago, o carinho, o ninar, o calor corporal e tantos outros estímulos que garantem conforto e segurança ao bebê. Para a família, este cenário é o principal causador da dificuldade de humanização e percepção do neonato enquanto criança idealizada e desejada pelo casal.

O toque, considerado como meio de comunicação não-verbal, é a ponte principal do estabelecimento de vínculos, sentimentos, aproximação. É capaz de proporcionar diversas alterações e reações ao organismo da criança, em especial quando é realizado de modo delicado e agradável. Pode melhorar o padrão de sono, alimentação, o vínculo e diminuição de desconfortos físicos.

Considerando tal premissa, os estudos mais atuais sobre humanização da atenção ao neonato crítico têm apontado os benefícios do toque instrumental-afetivo na assistência dos profissionais ao bebê. Porém, como a manipulação principal do paciente acaba sendo da equipe, existe a dificuldade em identificar o toque materno/paterno, o cheiro, o calor, consequentemente dificultando o direcionamento do afeto e desejo da criança para seu objeto real de amor.

Para a constituição psíquica saudável do ser, é imprescindível a presença de “um outro” para direcionar sua energia, afetos e desejos. Portanto, a relação mãe-bebê é fundamental nesta constituição, e mesmo que o bebê não seja capaz de falar, a comunicação se estabelece de modo não verbal. O recém-nascido tem sua forma particular de expressão de necessidades e desejos, que para se fazerem válidos, precisam encontrar lugar na percepção de um outro.

A existência só se concretiza a partir da percepção de terceiros, para que se possa ocupar um lugar subjetivo e passar a existir psiquicamente (desde antes do nascimento), até a tomada de consciência de si. É papel da equipe estimular e possibilitar a manutenção do olhar verdadeiramente humano, da troca de expectativas, de olhares e desejos entre mãe/pai e o bebê3, de modo que reflitam e transmitam ao paciente a validação e percepção de si enquanto ser-no-mundo.

É recorrente em ambiente de UTI Neonatal, a ansiedade, angústia, medo e muita insegurança. A ambivalência de percepções e sentimentos ocasiona fragilidade emocional aos pais, que enxergam a UTI como ambiente inóspito x necessário, agressivo x restaurador, desumano x detentor da esperança. O espaço da UTI, excesso de equipamentos, a barreira física das incubadoras, o barulho dos aparelhos, a iminência da morte, podem ocasionar uma interação limitada com o bebê e repleta de medo, como se a aproximação o colocasse em risco. Nestas situações, a dificuldade de reconhecimento da criança enquanto objeto de idealização, expectativas e desejos, ocasiona um afastamento inconsciente e desinvestimento do laço afetivo.

Na atualidade, ainda é amplamente discutido o real benefício da amamentação do RN a termo, porém, a maior parte dos estudos considera o protocolo de observação da mamada idealizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), juntamente ao Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF)5. A impossibilidade inicial (ou persistente) de realizar a amamentação natural junto à mãe, impõe uma quebra no desenvolvimento natural do laço afetivo e da intimidade junto ao bebê. Além das dificuldades técnicas e fisiológicas em realizar tal tarefa, a própria expectativa social e cultural imposta à mãe no aleitamento pode despertar sentimentos de impotência, insuficiência do desempenho do papel materno, além do sofrimento interno ocasionado pela impossibilidade de ser fonte de alimento.

O sofrimento se faz presente em todas as etapas do processo de internação em UTI-N, pois reflete a percepção da gravidade e do medo da perda definitiva. Torna-se palpável a impossibilidade de assumir papéis e funções idealizadas, quebrando sonhos iniciais e possibilidades relacionadas à criança. É essencial um profissional da Psicologia para ampliar o olhar e as percepções dos pais de neonatos críticos, pois, a chegada de um filho “diferente” das expectativas pode provocar uma quebra da homeostase psíquica e familiar, com períodos de crises e incertezas, levando a família a um colapso emocional, ou em alguns casos, à rejeição duradoura.

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Referências:

  1. Vila VSC, Rossi LA. O significado cultural do cuidado humanizado em Unidade de Terapia Intensiva: “muito falado e pouco vivido”. Rev. Latino -Americana de Enfermagem 2002; 10(2): 137-144.
  2. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria nº 930, de 10 de maio de 2012. Define as diretrizes e objetivos para a organização da atenção integral e humanizada ao recém-nascido grave ou potencialmente grave e os critérios de classificação e habilitação de leitos de Unidade Neonatal no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário oficial da união. Brasília, DF, 2012.
  3. GORETTI, A. C. S. A relação mãe-bebê na estimulação precoce: um olhar Psicanalítico. Estilos clin., São Paulo, v. 19, n. 3, set./dez. 2014, 414-435.
  4. QUEIROZ, E.F. O olhar do outro primordial. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund. IX, 4, 598-610.
  5. Carvalhaes MBL, Corrêa CRH. Identification of difficulties at the beginning of breastfeeding by means of protocol application. J Pediatr. [periódico na internet].Disponível em http://www.scielo.br/pdf/jped/v79n1/v79n1a05.pdf 2003 [acesso em: 15-01- 2013];79(1):13-20.
  6. Scheeren B, Mengue APM, Devincenzi BS, Barbosa LR, Gomes E. Condições iniciais no aleitamento materno de recém-nascidos prematuros. J Soc Bras Fonoaudiol. [periódico na internet] 2012 [acesso em: 15-01-2013]; 24 (3). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/jsbf/v24n3/v24n3a03.pdf
  7. UNICEF. Breastfeeding management and promotion in a baby-friendly hospital: an 18-hour course for maternity staff. 1993.

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