O recente estudo de coorte multicêntrico Covid-19 in children and adolescents in Europe: a multinational, multicentre cohort study publicado no jornal The Lancet Child & Adolescent Health teve como objetivo capturar dados importantes sobre crianças e adolescentes com infecção pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 – SARS-CoV-2) em toda a Europa.]
Leia também: Cuidado, nem tudo é Covid-19! Quais os principais diagnósticos diferenciais da doença?
Detalhes do estudo sobre Covid-19 em crianças
Este estudo, realizado por Florian Götzinger e equipe, envolveu 82 instituições de saúde participantes em 25 países europeus, usando a rede de pesquisa Paediatric Tuberculosis Network European Trials Group (ptbnet) que compreende, principalmente, especialistas em doenças infecciosas pediátricas e pneumologistas pediátricos. Foram incluídos todos os pacientes com 18 anos de idade ou menos com infecção confirmada por SARS-CoV-2, detectados em qualquer local anatômico pelo RT-PCR.
A coleta de dados ocorreu entre 1º e 24 de abril de 2020, durante o pico inicial da pandemia europeia de Covid-19. Os pesquisadores avaliaram fatores associados à necessidade de admissão em unidade de terapia intensiva (UTI) e ao início do tratamento medicamentoso para Covid-19, aplicando análise univariada e regressão logística multivariável com análise retrospectiva para explorar ainda mais os fatores significativamente associados à admissão na UTI. Foram incluídos 582 indivíduos com infecção por SARS-CoV-2 confirmada por RT-PCR.
Os seguintes resultados foram descritos:
- A idade mediana foi de 5 anos [intervalo interquartílico (IIQ) – 0,5 – 12];
- Houve uma proporção de 1,15 meninos/1 menina – a diferença foi pouca, ao contrário do que tem sido mostrado em pacientes adultos;
- 145 pacientes (25%) tinham condições médicas pré-existentes; As condições mais comuns foram:
- Doença pulmonar crônica (29 pacientes, dos quais 16 tinham asma e 6 tinham displasia broncopulmonar);
- Malignidade (27 pacientes, dos quais 14 tinham leucemia ou linfoma e 11 tinham tumores sólidos);
- Distúrbios neurológicos (26 pacientes, dos quais 9 tinham epilepsia e 8 apresentavam paralisia cerebral);
- Cardiopatia congênita (25 pacientes);
- Anormalidades cromossômicas (10 pacientes, dos quais 8 tinham trissomia do 21);
- Doença renal crônica (9 pacientes);
- 17 pacientes (3%) tinham duas ou mais condições médicas pré-existentes.
- 363 pacientes (62%) foram internados;
- 48 pacientes (8%) necessitaram de admissão na UTI. Destes:
- 25 pacientes (4%) foram submetidos à ventilação mecânica, com uma duração média de 7 dias, IIQ 2–11, intervalo 1 a 34);
- 19 pacientes (3%) necessitaram de suporte inotrópico;
- 1 paciente (<1%) foi colocado em oxigenação por membrana extracorpórea (extracorporeal membrane oxygenation – ECMO).
- Fatores de risco significativos para a necessidade de admissão na UTI em análises multivariáveis foram:
- Idade < 1 mês [odds ratio 5,06, intervalo de confiança de 95% (IC 95%)1,72 – 14,87; p = 0,0035];
- Sexo masculino (2,12; 1,06 – 4,21; p = 0,033) ;
- Condições médicas pré-existentes (3,27; 1,67–6,42; p = 0,0015);
- Presença de sinais ou sintomas de infecção do trato respiratório inferior à apresentação (10, 46; 5,16–21,23; p <0 · 0001).
- Os medicamentos mais frequentemente utilizados com atividade antiviral foram:
- Hidroxicloroquina (40 pacientes – 7%);
- Remdesivir (17 pacientes – 3%);
- Lopinavir – ritonavir (6 pacientes – 1%);
- Oseltamivir (3 pacientes – 1%).
- Os medicamentos imunomoduladores utilizados incluíram:
- Corticosteroides (22 pacientes – 4%);
- Imunoglobulina intravenosa (7 pacientes – 1%);
- Tocilizumabe (4 pacientes – 1%);
- Anakinra (3 pacientes – 1%);
- Siltuximabe (1 paciente – <1%).
- Quatro crianças evoluíram para óbito (taxa de letalidade 0,69%, IC 95% 0, 20 – 1, 82). Todas que morreram tinham mais de 10 anos de idade;
- Ao final do estudo, os 578 restantes estavam vivos e apenas 25 (4%) ainda estavam sintomáticos ou necessitando de suporte respiratório.
O estudo de Florian Götzinger e colaboradores é o primeiro estudo multinacional e multicêntrico em crianças com Covid-19 e fornece uma visão ampla e detalhada da infecção por SARS-CoV-2 em crianças na Europa durante o pico inicial da pandemia. Assim como mostrado em outras pesquisas sobre Covid-19 em pacientes pediátricos, os pesquisadores demonstraram que a doença é, em crianças, leve na maioria das vezes, especialmente naqueles pacientes que não possuem comorbidades prévias.
Referências bibliográficas:
- Götzinger F, Santiago-García B, Noguera-Julián A, et al. Covid-19 in children and adolescents in Europe: a multinational, multicentre cohort study [published online ahead of print, 2020 Jun 25]. Lancet Child Adolesc Health. 2020;S2352-4642(20)30177-2. doi:10.1016/S2352-4642(20)30177-2