Após mais de dez anos da publicação do Projeto do Microbioma Humano, ainda é crescente o número de novas informações sobre o papel da microbiota intestinal em diversas doenças. Sendo esse um tema desafiador por envolver processos imunológicos, bioquímicos, metabólicos e microbiológicos, a modulação de diversas condições clínico-cirúrgicas por agentes probióticos potencialmente contribui para melhorias no cuidado oferecido aos pacientes1,2.
No contexto cirúrgico, nos últimos anos houve progresso das técnicas cirúrgicas e dos cuidados clínicos associados, com uma significativa diminuição de complicações pós-operatórias, como infecção, dificuldades de reabilitação e mortalidade. Apesar disso, há sempre uma preocupação coletiva em reduzir ao máximo qualquer possível intercorrência, sendo as infecções as mais prevalentes delas2.
Cada vez evidências surgem sobre a contribuição de uma microbiota intestinal saudável para a saúde global dos pacientes. No cenário de infecções cirúrgicas não é diferente: pesquisas mostram o papel importante da microbiota intestinal atuando nas complicações infecciosas em cirurgias gastrointestinais, como infecções de sítio cirúrgico, abscessos intra-abdominais e na resposta inflamatória do pós-operatório. Acredita-se que o preparo pré-cirúrgico e a descontaminação antes do procedimento contribuam para tal resultado. No entanto, uma total erradicação dos microrganismos pode levar a desfechos graves, tornando essa conduta inviável, já que um microbioma menos diverso é mais propenso a desenvolver doenças quando comparado a um mais diversificado. Logo, pensar na microbiota como uma ferramenta de auxílio na recuperação dos pacientes submetidos à cirurgia através da sua modulação e consequente garantia do equilíbrio da microbiota é fundamental2,3,6.
Variadas evidências mostram que há na própria cirurgia a capacidade de mudança significativa da composição da microbiota. Estudos realizados em laboratórios com camundongos avaliaram a composição da microbiota após uma colectomia, resultando em um aumento significativo de bactérias no lúmen intestinal, com destaque para Escherichia e Enterococcus. Alterações também foram encontradas em pacientes submetidos a transplante de intestino delgado, incluindo um aumento de Enterobacteriaceae e Lactobacillus e o esgotamento de anaeróbios obrigatórios2.
São diversas as condições que podem resultar em indicação cirúrgica gastrointestinal, como retocolite ulcerativa (RCU) grave não responsiva ao tratamento medicamentoso ou que evoluiu com complicações e a polipose adenomatosa familiar, quadros que frequentemente podem evoluir como um colectomia seguida de anastomose íleo-anal. Já o bypass gástrico em Y de Roux é uma alternativa de tratamento cirúrgico para a obesidade. Todas essas grandes reconstruções intestinais alteram consideravelmente a composição da microbiota, podendo contribuir para o desenvolvimento de complicações pós-cirúrgicas2,4.
Manejo da microbiota intestinal em pacientes: o papel dos probióticos
Nos últimos doze anos, diversos estudos estabeleceram a importância dos probióticos nas complicações pós-operatórias de cirurgias gastrointestinais. Neles, os probióticos provaram ser relevantes na redução de complicações pós-operatórias, como infecção do sítio cirúrgico, diarreia, septicemia, translocação bacteriana, abscesso intra-abdominal. Além disso, os pacientes tratados com probióticos tiveram menos dias de internação pós-operatória em comparação com pacientes não tratados com probiótico2,5. Metanálise de estudos randomizados realizada por Tang e colaboradores demonstrou mostrou que a suplementação perioperatória de probióticos ou simbióticos pode efetivamente promover a recuperação da função gastrointestinal após cirurgia de câncer gastrointestinal, incluindo a redução do tempo para eliminação dos primeiros flatos, tempo para primeira dejeção, dias para primeira dieta sólida, dias para primeira dieta líquida e duração da internação pós-operatória, reduzindo ainda a incidência de distensão abdominal pós-operatória e íleo pós-operatório7. Outra metanálise do mesmo grupo, incluindo pacientes com neoplasia hepatopancreatobiliar, a suplementação com probióticos ou simbióticos reduziu significativamente a incidência de infecção pós-operatória, e tanto os probióticos quanto os simbióticos foram eficazes na redução da incidência de infecção pós-operatória8.
A experiência do uso de probióticos em pacientes submetidos à gastrectomia e cirurgia reconstrutiva com bypass gástrico em Y de Roux mostrou que a ingestão de Lactobacillus sp. reduz a frequência de supercrescimento bacteriano e melhora a síntese de vitamina B1210. Recentemente, Folwarski e colaboradores demonstraram benefício do uso de L. rhamnosus GG em ensaio clínico randomizado com pacientes submetidos a pancreatoduodenectomia, especialmente na retomada de evacuações pós-operatórias, liberação de gases e melhora do apetite9.
A segurança do paciente é primordial, sendo a modulação pós-cirúrgica da microbiota uma alternativa quando as indicações são individualizadas e a escolha da cepa é avaliada. Assim, os riscos e benefícios do tratamento com probióticos devem ser calculados com precisão em pacientes após cirurgia gastrointestinal e requer mais estudos2,6.