A prescrição de opioides para o manejo da dor tem sido um tema de considerável debate e preocupação na comunidade médica e na sociedade em geral. Enquanto esses medicamentos podem oferecer alívio eficaz da dor, seu uso também está associado a diversos riscos, incluindo dependência, overdose e morte.1-3
Antes de iniciar o tratamento com opioides, é crucial que os profissionais de saúde discutam com os pacientes os benefícios e os riscos conhecidos associados à terapia com essa classe de medicações.1-4 De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o manejo da dor deve seguir uma escada que se inicia com analgésicos não opioides, associados ou não a adjuvantes, para dor fraca (step 1), passando por analgésicos opioides fracos, associados ou não a não opioides e adjuvantes, para dor moderada (step 2) e chegando a analgésicos opioides fortes, associados ou não a não opioides e adjuvantes, para dor forte (step 3).5
Dessa maneira, quando a dor em questão ultrapassa a capacidade de analgesia dos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) e analgésicos não opioides, como dipirona e paracetamol, o uso da medicação opioide passa a ser indicada. É nesse degrau que se encaixa o uso da codeína, fármaco que, após ser metabolizado em morfina, age via receptores opioides no sistema nervoso central e periférico, inibindo a transmissão dos estímulos nociceptivos e a percepção da dor.6 Ela pode ser utilizada nessa etapa associada ao paracetamol, que age de maneira complexa principalmente em relação ao sistema nervoso central (SNC).7 A combinação de paracetamol com opioides fracos (p.ex., codeína) no tratamento da dor pós-operatória tem um efeito “poupador de opioide”, além de otimizar a analgesia e reduzir o risco de efeitos colaterais.8
Na prática médica, os opioides são constantemente utilizados e apresentam bons resultados no tratamento da dor relacionada a fraturas. Recentemente, um ensaio clínico publicado no renomado Journal of the American Medical Association (JAMA) demonstrou não inferioridade da combinação paracetamol e codeína em relação aos opioides fortes nesse universo de pacientes, permitindo mitigar os efeitos colaterais desses últimos.9 Da mesma maneira, nos pacientes oncológicos, a primeira metanálise em rede sobre o assunto, com metodologia bayesiana, concluiu que analgésicos não opioides ou combinações de opioides fracos com anti-inflamatórios são tão eficazes quanto os opioides fortes nessa população.10
Falando de pacientes clínicos que procuram atendimento médico na emergência, um ensaio clínico randomizado clássico também demonstra não inferioridade da combinação paracetamol codeína em relação aos opioides fortes na regressão da dor.11 Seu uso também pode servir como alívio na dor em diversas outras situações, como no paciente com cólica nefrética,12 em cuidado paliativo com dor e com cautela no tratamento da pancreatite aguda e crônica.13
Retornando ao meio cirúrgico, o uso da dupla paracetamol-codeína foi testada e é usada com sucesso há mais de três décadas no controle da dor pós-operatória em pacientes ginecológicos,14 e há estudos que demonstram eficácia em procedimentos maxilo-faciais,15 devendo ser importantes mais ensaios clínicos sobre a utilização em cirurgia vascular ou plástica. Além disso, os opioides são frequentemente empregados em pacientes politraumatizados e no pós-operatório imediato de grandes cirurgias.
Diretrizes para prescrição de opioides
Cuidados para o início da medicação: antes de prescrever opioides, é essencial realizar uma avaliação completa da dor do paciente, incluindo sua intensidade, duração e impacto na qualidade de vida assim como a história de uso prévio ou abuso dessas medicações.2
Monitoramento rigoroso: os pacientes em tratamento com opioides devem ser monitorados de perto quanto à eficácia do tratamento, aos efeitos colaterais e aos sinais de abuso ou dependência.16 Muitas vezes é necessário se antecipar aos efeitos colaterais através, por exemplo, da introdução de laxativos para reduzir a constipação intestinal secundária aos opioides.
Duração do tratamento: a prescrição deve buscar a utilização da menor dose eficaz pelo menor tempo necessário. O ideal é prescrever uma quantidade não maior do que a necessária para a duração esperada do quadro e reavaliar periodicamente a indicação de manter o tratamento ou de modificar a dosagem idealmente dentro de 1-4 semanas.17,18
Escolhendo a melhor medicação: para os pacientes que iniciarão o tratamento para dor, devemos preferir o uso de opioides de liberação imediata, evitando o uso de drogas de liberação e ação prolongada.17,19,20 Em populações específicas, como pacientes com doença renal crônica e cirróticos, o uso de opioides deve ser feito com extrema cautela dado risco de intoxicação.21
Educação do paciente: os pacientes devem ser educados sobre os riscos e benefícios do uso de opioides, bem como sobre o manejo adequado da medicação e a importância da adesão às instruções do médico.22
Desafios na prescrição de opioides
São desafios importantes o risco de dependência e abuso – que pode ser mitigado utilizando opioides menos potentes18,23 –; a variabilidade na resposta à dor17,23 – devendo ser avaliado cada paciente de maneira individual –; e o estigma associado ao uso desse tipo de medicação.24
Conclusão
A prescrição de opioides no manejo da dor é uma questão complexa que requer uma abordagem cuidadosa e ponderada. Quando necessário, o uso do opioide como a codeína associada ao paracetamol pode levar a um controle satisfatório da dor com redução dos efeitos colaterais relacionados aos fármacos mais potentes, com a combinação também funcionando como uma forma de “poupar” o uso dessa categoria de fármaco em excesso.