ACEP 2022: estratégias para abordar os pacientes “super utilizers”

Um dos problemas mais comuns em pronto-socorro são os pacientes com múltiplas passagens para atendimento, recorrentes: os super utilizers

Você está de plantão e chegou um novo paciente para atendimento. No entanto, esse paciente já é conhecido por toda equipe porque está “toda semana” no hospital. Se você trabalha na emergência há algum tempo, provavelmente já passou por essa situação. Um dos problemas mais comuns em pronto-socorro são os pacientes com múltiplas passagens para atendimento, de forma recorrente. Esses pacientes são chamados de “super utilizers” e representam uma parte significativa dos custos de saúde pública e privada.

Em uma palestra do congresso da American College of Emergency Physicians (ACEP 2022), o Dr. Bret Nicks (@DrBretNicks) discutiu estratégias para abordar esses pacientes.

Pacientes “super utilizers

Existem diversas definições para considerar um paciente “super utilizers“, porém o palestrante considera a mais adequada: pacientes com ≥ 10 visitas ao pronto-socorro no período de 1 ano. Como o paciente pode procurar diversos hospitais, os quais não possuem sistemas de prontuário integrado, o número de passagens para atendimento podem ser muito subestimadas. Os motivos para um paciente são diversos, como, por exemplo: comorbidades clínicas graves, comorbidade psiquiátrica, vulnerabilidade social e/ou financeira, entre outras.

Esses pacientes causam um custo elevado para o sistema de saúde. No entanto, o impacto vai muito além disso.

A admissão desses pacientes em diferentes instituições, seja no pronto-socorro ou atenção primária, sem sistema de prontuário integrado ocasiona:

  • Realização de diversos exames desnecessários e de forma repetida;
  • Prescrição de medicações inadequadas, pela falta do histórico médico completo no prontuário;
  • Atraso no tratamento e controle de comorbidades;
  • Maior número de encaminhamentos;
  • Maior taxa de readmissão hospitalar;
  • Sensação de frustração da equipe de saúde, pois não consegue cuidar efetivamente do paciente.

Mais importante do que esses fatores, são as consequências para o próprio paciente, que não consegue ter suas necessidades mapeadas, permanece com doenças crônicas mal controladas e recebe um tratamento muito inferior ao necessário. Dessa forma, esse problema deve ser uma das prioridades para médicos que trabalham em pronto-socorro ou responsáveis pela gestão dessas unidades.

Ouça também: Highligths CBMEDE 2022 – Emergência Adulta [podcast]

Como podemos resolver esse problema?

Não existem soluções mágicas ou simples para problemas complexos. No entanto, o palestrante sugeriu medidas implementadas por ele no seu serviço de emergência. Nesse processo, é fundamental o envolvimento de toda equipe multiprofissional, gestores e comunidade, conforme discutido a seguir.

Passo 1: identifique quais são seus pacientes “super utilizers

O primeiro passo para abordar essa questão é identificar individualmente quais são seus pacientes “super utilizers“. Inicie com seus 25 maiores frequentadores do departamento de emergência, pois o impacto será maior e você precisa convencer sua equipe e gestores de que essa medida é efetiva.

Passo 2: mapeie quais recursos você tem a disposição

Ainda que você conheça quais são seus pacientes mais frequentes, uma grande dificuldade do serviço de saúde é fornecer suporte para garantir que o plano terapêutico foi seguido. Muitas vezes essa população possui problemas maiores do que a doença que motivou o atendimento médico. Por exemplo, você atende um morador de área livre, identifica uma celulite e prescreve antibióticos. Além disso, você fornece a medicação, orienta a posologia, solicita retorno ambulatorial para reavaliação. No entanto, esse paciente não tem onde dormir, não sabe quando será sua próxima refeição, e não possui recursos financeiros para pagar o transporte até o hospital.

Assim, um passo fundamental é mapear os recursos públicos e privados que estão à disposição e os que são necessários, mas ainda não existem na sua região. Comece, então, avaliando quais programas os governos (federal, estadual e/ou municipal) oferecem e quais serviços são fornecidos por iniciativas privadas e ONGs. Além disso, é preciso determinar se todos os serviços são necessários e buscar o apoio da sua comunidade, para financiá-los. Parece utópico, certo? Mas dedique um tempo para conferir o exemplo real e bem sucedido a seguir.

O programa OneHealth Connect é um exemplo que foi criado na cidade de Memphis com esse propósito. Nessa plataforma, você fornece o ZIP code do paciente ou local onde ele está e são disponibilizados os recursos disponíveis na região. São fornecidos formas de obter itens essenciais de forma gratuita ou a baixo custo, como: alimentação, moradia, transporte, saúde, trabalho, entre outros. Os serviços são fornecidos tanto por agências do governo, como por ONGs e parcerias público-privadas.

Outro exemplo de iniciativa é a Faithhealth, no estado americano da Carolina do Norte, uma parceria entre comunidade religiosa, sistema de saúde, e outros agentes privados. Os membros da equipe prestam auxílio a qualquer pessoa “antes, durante, e após” a hospitalização, através de visita domiciliar, alimentação, transporte, medicações, entre outros.

Um dos papéis realizados pela Faithhealth, envolve o acompanhamento do cuidado do paciente. Alguns departamentos de emergência americanos vêm adotando uma função semelhante, no papel do “Patient Navigator”. O Patient Navigator é um profissional contratado pelo hospital, dedicado exclusivamente para o pronto-socorro, que cuida especificamente dos pacientes “super utilizers” e conhece os recursos disponíveis na comunidade. Sempre que esse paciente chega ao hospital o Patient Navigator é comunicado. Ele é responsável por acompanhar pessoalmente esse paciente, avaliando suas necessidades, e o plano de cuidado fornecido pela equipe multiprofissional (médicos, enfermagem, fisioterapia, serviço social, entre outros). A partir de então, ele direciona o paciente aos recursos necessários e acompanha se o plano proposto está sendo seguido, auxiliando o paciente com qualquer dificuldade no meio do caminho.

Uma plataforma privada, chamada EDIE – Emergency Department Information Exchange, realiza o papel de integrar o cuidado dos pacientes mais vulneráveis, melhorando a comunicação entre diferentes profissionais.

Passo 3: fazer as pessoas “comprarem essa ideia”

Conforme dito anteriormente, não existem soluções simples para problemas complexos. Esse problema é encarado diariamente pela equipe multiprofissional, porém não é possível aplicar essas propostas sozinho. Diferentes pessoas estão envolvidas nos vários níveis de gestão, nas organizações beneficentes, e nas equipes de saúde. Assim, é necessário convencer todos envolvidos de que o esforço, o tempo, e o investimento envolvidos valem a pena.

A melhor forma de fazer isso é começar de forma simples, aproveitando as pessoas visionárias, que concordem em participar. A partir do momento em que o resultado fica evidente, seja em termos de redução de custos ou benefício populacional, fica mais fácil convencer as demais pessoas e ampliar o projeto.

Mensagens finais

A origem do problema dos pacientes “super utilizers” vai muito além das comorbidades médicas, de forma que a solução é complexa e exige cooperação entre toda equipe multiprofissional, gestores e comunidade. O primeiro passo é identificar quais são esses pacientes na sua região. Os próximos passos são mapear quais recursos públicos ou privados estão disponíveis, integrar a equipe de saúde com esses agentes, e convencê-los de que essa inovação traz resultados no mundo real.

Estamos presentes do ACEP 2022. Fique ligado no Portal PEBMED para mais novidades, além de nosso Twitter e Instagram!

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