Acessando o cérebro com o ultrassom a beira leito

O uso do ultrassom na terapia intensiva tem se mostrado cada vez mais necessário para a obtenção de informações a beira leito.

O uso do ultrassom a beira leito, do inglês Point-of-Care Ultrasound (POCUS), é um artifício de uso diário no ambiente da terapia intensiva, ao garantir auxilio no manejo de patologias associadas ao coração, pulmão, vasos e abdome. Seu uso é essencial, uma vez que inúmeros protocolos se utilizam de dados obtidos da ultrassonografia para definição de conduta. 

Dentre os variados órgãos que podem ser acessados por meio do POCUS, o ultrassom de estruturas do cérebro pode garantir uma análise rápida e direcionada de condições clínicas do paciente que não poderiam ser acessadas com riqueza de detalhes no mesmo intervalo de tempo com métodos convencionais por meio do Doppler Transcraniano (DT). 

Ao longo das últimas décadas, o estudo do cérebro por meio do ultrassom ganhou força, sobretudo, entre os intensivistas. No entanto, ao depender da expertise do operador, a obtenção de resultados fidedignos implica no conhecimento de quais os possíveis achados do exame e como eles se relacionam à clínica e ao manejo do paciente.

Saiba mais: Manejo da dispneia na emergência com uso de ultrassonografia point-of-care (POCUS)

Acessando o cérebro com o ultrassom a beira leito

Acessando o cérebro com o ultrassom a beira leito

Doppler Transcraniano (DT) 

Inicialmente descrito em 1982 por Aaslid et al, o DT é um exame minimamente invasivo e de fácil reprodutibilidade técnica utilizado para avaliar o fluxo sanguíneo cerebral por intermédio da insonação a beira leito de artérias cerebrais.  

Em condições de normalidade, é esperado a obtenção de ondas com um formato característico: ascendência durante o pico sistólico que decresce gradualmente até o fluxo diastólico-final e, a partir disso, é possível obter a velocidade do pico sistólico, a velocidade diastólica-final e a velocidade média no interior da artéria cerebral estudada.  

As principais janelas utilizadas no DT são a janela Transtemporal, a qual garante a visualização da artéria cerebral média e da artéria cerebral anterior, a janela Transorbital, que permite o estudo da artéria oftálmica e do sifão carotídeo, e, por fim, a janela Suboccipital, na qual é possível analisar as artérias vertebrais e artéria basilar. Contudo, apesar de seu papel no estudo do fluxo no interior dos vasos cerebrais, o DT não é capaz de ofertar dados acerca da anatomia cerebral. 

Análise dos dados obtidos do ultrassom

Índice de Pulsatilidade 

Uma forma de estimar a resistência ao fluxo intra-arterial é por meio do Índice de Pulsatilidade (IP). Ao subtrair a velocidade diastólica final pela velocidade de pico sistólico, o valor obtido é dividido pela velocidade média e obtém-se o PI. Valores acima de 1,3 representam aumento significativo na resistência vascular cerebral, podendo se relacionar a condições clínicas que serão discutidas mais à frente nessa seção. 

Estimativa da Pressão Intracraniana (EPI) 

Estudos recentes apontam o alto valor preditivo negativo da EPI na investigação de hipertensão intracraniana, sendo útil em ambientes ou situações em que métodos invasivos estão contraindicados ou indisponíveis no momento. A análise se dá pela diferença entre a pressão arterial média e a pressão de perfusão cerebral, a qual é obtida por meio de uma relação matemática envolvendo as velocidades de fluxo cerebral. 

Índices de Lindegaard e Soustiel 

Uma das complicações mais recorrentes na hemorragia subaracnóidea (HSA) é o vasoespasmo. O Índice de Lindegaard auxilia na diferenciação entre vasoespasmo e hiperemia, utilizando-se da mensuração do fluxo sanguíneo da artéria cerebral média e da carótida interna. Já o Índice de Soustiel atua de maneira semelhante, contudo na artéria basilar.  

Diâmetro da bainha do nervo óptico 

Outra forma de avaliar a pressão intracraniana é por meio do ultrassom de nervo óptico. A bainha do nervo óptico se relaciona anatomicamente com o espaço subaracnóideo. Consequentemente, aumentos na pressão intracraniana resultam no aumento do diâmetro do nervo. Valores iguais ou superiores a 6 mm estão fortemente relacionados à hipertensão intracraniana. 

Aplicabilidade clínicas do ultrassom

Avaliação não-invasiva da pressão intracraniana 

Aferir de maneira não invasiva a pressão intracraniana a beira leito é uma das principais vantagens do ultrassom cerebral. A associação de variáveis como diâmetro da bainha de nervo óptico igual ou superior a 6 mm, PI maior que 1,3 e uma estimativa de pressão intracraniana maior que 22 corroboram com a suspeita de hipertensão intracraniana. 

Hidrocefalia 

O ultrassom cerebral também permite e avaliação dos ventrículos laterais e do terceiro ventrículo, sendo útil em pacientes neurocríticos com alto risco de desenvolver hidrocefalia. Seu uso é ainda mais validado após retirada de dispositivos de derivação para uma avaliação mais rápida e segura dos ventrículos, sem que o paciente e a equipe tenham que se deslocar para a realização de uma tomografia computadorizada. 

Desvio de linha média 

A avaliação precoce a beira leito do desvio de linha média tem se mostrado promissora ao garantir uma rápida e eficiente ferramenta com boa sensibilidade e especificidade na definição de conduta cirúrgica ou conservadora frente a doentes neurocríticos. Desvios maiores que 3,5 mm na análise ultrassonográfica podem predizer desvios maiores que 5 mm em tomografias computadorizadas. 

Autorregulação cerebral 

O cérebro, em condições habituais, é capaz de manter seu fluxo sanguíneo praticamente constante a despeito de alterações na pressão arterial. Essa habilidade recebe o nome de autorregulação cerebral. A avaliação dessa autorregulação ainda é um desafio e vários métodos são propostos para avaliá-la. O ultrassom cerebral permite avaliar a autorregulação de maneira estática e dinâmica, garantindo uma noção mais aprofundada da pressão de perfusão cerebral do doente dentro dos limites de sua autorregulação cerebral. 

Morte Encefálica 

No Brasil, o protocolo de Morte Encefálica (ME) consiste no conjunto de dois exames clínicos, um exame de apneia e um exame complementar na presença de uma lesão neurológica catastrófica e irreversível de etiologia conhecida. Existem variados exames complementares para validação da ME, dentre eles o Doppler Transcraniano.  

A ausência de fluxo cerebral no exame corrobora com o diagnóstico. Contudo, pacientes em suspeite de ME podem apresentar fluxo residual, sendo necessária, esporadicamente, a realização de novo exame. Pacientes com lesão neurológica traumática com fratura de calota craniana possuem contraindicação relativa ao Doppler Transcraniano, devendo ser dada a preferência pelo eletroencefalograma. 

Leia também: Melhor base para tratamento do DMG: metas glicêmicas ou achados de ultrassom?

Conclusão 

O uso do ultrassom dentro do ambiente da terapia intensiva tem se mostrado cada dia mais promissor, uma vez que permite, na beira do leito, a obtenção de informações sistêmicas do paciente por meio da análise do coração, do pulmão, dos vasos e até do cérebro. Em especial, o ultrassom cerebral garante uma rápida análise não invasiva dos parâmetros cerebrais para definição de conduta frente ao paciente neurocrítico.  

Conhecer os métodos e entender os resultados é essencial para um bom manejo e, para isso, médicos devidamente capacitados são necessários. 

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