Melhor base para tratamento do DMG: metas glicêmicas ou achados de ultrassom?

O objetivo do tratamento no diabetes mellitus gestacional (DMG) é, obviamente, reduzir o risco de eventos indesejados relacionados à hiperglicemia na gestação.

Entre os perigos da diabetes mellitus gestacional (DMG) encontramos o risco de feto grande para idade gestacional (GIG) e macrossomia, polidrâmnio, prematuridade, entre outros. Atualmente, o objetivo do tratamento da DMG ao longo do seguimento é manter pelo menos 70% a 80% do tempo das glicemias de jejum abaixo de 95 mg/dL e, uma hora após as refeições, até 140 mg/dL, na maioria dos casos.

Desde o HAPO Trial, publicado em 2010, é sabido que não existe simplesmente um “corte” onde a glicemia começa a aumentar os riscos: o nível da glicemia e o risco de complicações gestacionais e neonatais são contínuos. Para se padronizar o diagnóstico e intervenções, houveram alterações em guidelines de sociedades de todo o mundo, estabelecendo-se (apesar de que no trial não havia um claro ponto de corte) na estratégia de “one step” que, a partir do nível de glicemia no teste oral de tolerância à glicose, 75 g realizado entre 24 e 28 semanas — glicemia de jejum acima de 92 mg/dL, glicemia uma hora após acima de 180 mg/dl ou glicemia duas horas após maior do que 153 mg/dL, estaria feito o diagnóstico de DMG.

Leia também: Metformina na gestação tem impacto no tamanho de nascidos vivos?

Como em qualquer patologia, as mesmas intervenções a nível individual podem não gerar os mesmos resultados, sendo que apenas 20% das gestações diagnosticadas com DMG evoluirão com macrossomia, mesmo que ninguém receba tratamento. Obviamente não é um número desprezível, mas, por outro lado, cerca de 80% das gestantes poderiam ter uma vida um pouco mais confortável sem sofrer possíveis consequências do DMG mesmo que não tratadas.

Por esse motivo, é possível considerar que outras métricas possam ser investigadas para guiar a necessidade e intensidade de tratamento da DMG. Com esse raciocínio foi elaborado e publicado um ensaio clínico randomizado na revista BMJ Open Diabetes Care, no final de 2022, comparando o tratamento guiado por metas glicêmicas (grupo convencional) com o tratamento guiado por parâmetros ultrassonográficos (USG) de crescimento fetal (grupo experimental).

Melhor base para tratamento do DMG: metas glicêmicas ou achados de ultrassom?

Métodos

O estudo foi um RCT espanhol, unicêntrico, realizado entre 2017 e 2019, completo por 246 gestantes, sendo 125 no grupo controle (metas guiadas por glicemia) e 121 no grupo experimental (metas guiadas por USG). No grupo controle, as metas de glicemia são as já bem estabelecidas pela literatura — alvo de < 95 mg/dL na glicemia de jejum e < 140 mg/dL nas glicemias uma hora pós-prandial. No grupo experimental, o alvo glicêmico variava de acordo com achados no USG:

  • Se Circunferência abdominal fetal < P75:
  • Glicemia de jejum < 120 mg/dL e 1 hora pós-prandial < 180 mg/dL
  • Se Circunferência abdominal fetal ≥ P75:
    • Glicemia de jejum < 80 mg/dL e 1 hora pós-prandial < 120 mg/dL

Foram excluídas gestações gemelares. Vale destacar que o diagnóstico na Espanha é estabelecido de acordo com o método “2 steps” ou um TOTG de 3 horas, onde os valores de diagnóstico são jejum ≥ 105 mg/dL, 1 hora ≥ 190 mg/dL, 2 horas ≥ 165 mg/dL, 3 horas ≥ 145 mg/dL, feito entre 24 e 28 semanas ou no primeiro trimestre em gestantes com fatores de risco como idade ≥ 35 anos, SOP, obesidade, antecedente familiar de DM ou antecedente obstétrico de DMG. A média de idade materna era de 34 anos e IMC médio de 27 kg/m².

Resultados

O controle glicêmico foi melhor no grupo experimental, sendo que 75% atingiram excelente controle. No grupo controle, apenas 50% de controle excelente. 24% das gestantes precisaram de insulina no grupo controle, enquanto apenas 12,5% no grupo experimental. Portanto, o grupo experimental teve uma necessidade significativamente menor de uso de insulina (p = 0,018), além de menores índices de hipoglicemia neonatal, ocorrendo em 7,2% no grupo controle vs 1,7% no grupo experimental (p = 0,035).

Não houve diferenças nas taxas de fetos pequenos ou grandes para idade gestacional entre os grupos, mas apenas uma tendência não estatística de haver menor incidência de macrossomia no grupo experimental (n = 8 – 6,4% vs n = 3 – 2,5%; p = 0,137).

Todas os demais desfechos analisados também não tiveram diferença de forma estatisticamente significativa, destacando-se:

  • Parto cesárea (36 vs 29,75%; p = 0,297)
  • Prematuridade (8,8 x 5,0%; p  = 0,235)
  • Idade gestacional (38,69 vs 38,76; p = 0,735)
  • Distocia de ombro (1,6 vs 0%; p = 0,162)

Considerações

Há pontos positivos e interessantes a se discutir:

  • Empregar um tratamento com alvo de acordo com USG poupou a necessidade de uso de insulina em basicamente metade das gestantes no grupo experimental em relação ao grupo controle (48%);
  • No estudo, os autores tiveram o cuidado de buscar entender se tal abordagem aumentaria a necessidade de visitas e número realizados de USG, o que não aconteceu segundo os mesmos, apesar de não especificarem a quantidade de USG realizados.
  • Tais dados, na opinião dos autores, poderiam afetar a prática clínica de modo a “relaxar” o tratamento daquelas que não apresentem repercussões fetais e “otimizar” o tratamento daquelas que estejam em maior risco.

Saiba mais: Os efeitos do diabetes gestacional nos sintomas do trato urinário inferior

Conclusão

Devemos lembrar que a realidade de nosso país é diferente e diversa quanto aos recursos, sendo que implementar uma meta depende, quase que exclusivamente, da realização de uma ultrassonografia, nem sempre disponível, e que pode implicar em maiores dificuldades para se padronizar um tratamento adequado. Mas, sem sombra de dúvidas, é interessante perceber que num cenário com mais recursos, talvez seja possível de fato afrouxar o tratamento de pacientes que não aparentam apresentar repercussões fetais, apesar do diagnóstico de DMG.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Hyperglycaemia and Adverse Pregnancy Outcome (HAPO) Study: associations with maternal body mass index. BJOG. 2010 Apr;117(5):575-84. doi: 10.1111/j.1471-0528.2009.02486.x.